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Eleições no Reino Unido: raiva de políticos tradicionais fortalece líder populista pró-Brexit

Eleições gerais deste ano reafirmam a fragmentação da direita britânica e a ascensão de uma facção mais radical

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Por Marina Torres

ESPECIAL PARA O ESTADÃO, LONDRES — Os pôsteres colados pelas ruas e caixas de correio não negam, e até zombam, a iminente derrota do Partido Conservador nas eleições do Reino Unido. Em tom jocoso, as mensagens são reflexo de uma nação que, após 14 anos, está decidida a abandonar os tories e já escolhe um sucessor da direita.

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Apesar das projeções de vitória para o Partido Trabalhista, as eleições gerais deste ano reafirmam a fragmentação da direita britânica e a ascensão de uma facção mais radical. Liderado por Nigel Farage, o Partido Reformista Britânico tem aparecido nestas eleições como opção para uma parcela considerável da população.

Com previsão de obter mais de 16% dos votos, conquistando o terceiro lugar nas intenções de votos, de acordo com levantamento da BBC, os eleitores de Farage buscam no discurso do líder populista uma saída para a insatisfação com os erros passados dos conservadores.

Brian Benglly, 65, é um dos novos eleitores dos reformistas. Ele conta que vai votar no partido de Farage pela primeira vez por ter se decepcionado tanto com conservadores quanto com o trabalhistas durante a votação do Brexit, do qual Farage era um dos maiores defensores.

“Vi ambas as partes tentarem anular o Brexit e adiá-lo o máximo que puderam. Vi a imigração disparar e agora vejo o sectarismo político,” ele defende.

Para Brian, o voto no Partido Reformista Britânico é ainda uma forma de demonstrar a rejeição aos partidos tradicionais ingleses. “Comecei a votar em 1977 e votei nos trabalhistas e nos conservadores em todas as décadas seguintes. Hoje temos uma enorme dívida nacional e os impostos mais elevados em muito tempo. Nossos serviços estão quebrados e as pessoas sofrem por causa disso. Estou votando no Partido Reformista na esperança de que eles possam começar a resolver nossos problemas,” conta Brian.

O radicalismo avança

Ronen Palan, professor do departamento de desenvolvimento global da City, University of London, explica que casos como o de Brian não são exceção e tem raiz no evidente fracasso do Brexit. “Fica muito claro que o Brexit falhou, e há aqueles que acreditam que falhou por uma traição de parte do Partido Conservador,” explica.

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Em 2018, manifestantes agitam bandeiras europeias em protesto contra o Brexit em frente ao Parlamento em Londres. Foto: AP/Frank Augstein, Arquivo

Desde que foi votado em plebiscito em 2016, a proposta de saída da União Europeia foi analisada por três diferentes premiês britânicos, porém votada somente em janeiro de 2020, com a eleição de Boris Johnson. De lá para cá, o Reino Unido empossou outros dois primeiros-ministros além de ver a sua economia patinar: de um PIB (Produto Interno Bruto) que cresceu de 1,6% em 2019 para 0,1% em 2023, o país ainda lida com uma crise de moradia e de serviços de saúde.

A crise do custo de vida, somada à decepção com o partido conservador, leva eleitores a se radicalizar, como explica o professor da City University. “Essas pessoas, também atraídas pelo discurso anti-imigração do Partido Reformista, acabam se voltando para partidos mais radicais,” afirma Palan.

Apelidando as eleições deste ano de “A eleição da imigração”, o partido reformista tem conquistado eleitores com um discurso sobre o que pretende fazer sobre a imigração na Inglaterra: interromper completamente. Atacando medidas de Rishi Sunak, as alfinetadas do Partido Reformista não assustam somente os conservadores, que temem ver seus eleitores migrarem para a direita radical, mas principalmente imigrantes que residem no país - e aqueles que têm a intenção de morar no Reino Unido.

Ameaças pelo correio

O estudante Gezim Hilaj afirma que se sente assustado com os panfletos políticos que recebe na caixa de correio. “Parece que eu estou recebendo ameaças, e não propaganda política,” ele comenta. Apesar de ter vindo da Albânia para estudar, ele se compadece com conterrâneos que não têm a mesma chance.

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“Sinto-me sortudo porque vim para cá de forma legal, mas fico preocupado com milhares de outros albaneses, que vem para cá num barco pequeno, apenas para trabalhar e para ter uma vida melhor. Penso que o futuro deles depende do resultado das eleições gerais,” diz.

A maneira extrema com que o Partido Reformista escolheu lidar com a imigração também é alvo de críticas de diversos especialistas. O professor Andrew Blick, da King’s College London, explica que um cenário de completa paralisação da imigração na Inglaterra é impraticável. “Existem diversos setores no Reino Unido que não só dependem de imigrantes como necessitam de mais mão de obra ainda, como saúde, serviços e assistência social. Não há como o país funcionar sem eles,” afirma.

Apesar das projeções de vitória para o Partido Trabalhista, as eleições gerais deste ano reafirmam a fragmentação da direita britânica e a ascensão de uma facção mais radical. Foto: AP Photo/Kin Cheung, Arquivo

A maneira extrema com que o Partido Reformista escolheu lidar com a imigração também é alvo de críticas de diversos especialistas. O professor Andrew Blick, da King’s College London, explica que um cenário de completa paralisação da imigração na Inglaterra é impraticável. “Existem diversos setores no Reino Unido que não só dependem de imigrantes como necessitam de mais mão de obra ainda, como saúde, serviços e assistência social. Não há como o país funcionar sem eles,” afirma.

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Recorde na imigração

Sob o governo do Partido Conservador, a Inglaterra atingiu números recorde de imigração. No ano de 2022, mais de 745 mil pessoas ingressaram no país. Destas, cerca de 484 mil pessoas entraram no país com visto de estudante. Blick explica que a decisão de paralisar o fluxo de imigração no Reino Unido afetaria a educação superior como um todo. “Muitas universidades daqui dependem dos estudantes estrangeiros para ter lucro. Sem eles, muitos institutos fechariam as portas,” afirma.

Gezim diz se preocupar com o futuro após a graduação. No início deste ano, o governo britânico anunciou novas regras para patrocínio de vistos de trabalho por empresas, e aumentou o critério de renda mínima anual para £38,700.

“Pessoalmente, há uma sensação de insegurança com as eleições, pelo que já vimos quando o governo decidiu aumentar o salário mínimo anual (para vistos). Essas decisões dificultam que eu ou outros estudantes internacionais fiquemos no Reino Unido,” conta.

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