Como Trump e Kamala Harris lidariam com Nicolás Maduro e a Venezuela?

As políticas patrocinadas por Donald Trump e Joe Biden deram errado e não obtiveram as mudanças desejadas; o passo seguinte é incerto para o próximo presidente americano

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Foto do author Daniel Gateno

No dia 28 de julho o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela declarou a vitória do ditador Nicolás Maduro no pleito venezuelano, apesar da oposição alegar fraude e de apurações independentes considerarem que Edmundo González Urrutia ganhou as eleições. Na Casa Branca, os acontecimentos foram vistos com ceticismo, uma vez que a política de flexibilização de sanções e apoio a negociações para um acordo que visava eleições livres e justas havia falhado. Com um novo pleito em Washington no final do ano, a maneira que os Estados Unidos lidarão com a Venezuela é incerta.

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No primeiro mandato de Donald Trump como presidente a estratégia para Venezuela era a de “pressão máxima”, com sanções econômicas que contribuíram para a piora da economia venezuelana, e o reconhecimento do então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino do país. Quando o atual mandatário americano Joe Biden assumiu a Casa Branca a abordagem mudou, com a flexibilização de sanções, um acordo para a deportação de venezuelanos e o apoio de Washington aos acordos de Barbados. Nenhuma das políticas deu certo.

Em novembro, será a vez dos americanos escolherem o próximo presidente. Mesmo sem ser uma prioridade na política externa de Washington, a postura dos Estados Unidos em relação à Venezuela terá consequências na região, de Caracas a Brasília. A reportagem do Estadão entrevistou analistas para entender quais seriam as posições do ex-presidente e candidato do Partido Republicano, Donald Trump, e da vice-presidente e candidata do Partido Democrata, Kamala Harris, sobre a Venezuela em um eventual governo que começará no dia 20 de janeiro do ano que vem.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de coletiva de imprensa no Palácio de Miraflores em Caracas, Venezuela  Foto: Matias Delacroix/AP

Donald Trump

O primeiro mandato de Trump na Casa Branca foi marcado pelas sanções econômicas contra o regime chavista. O republicano adotou uma doutrina de “pressão máxima”, com o objetivo de sufocar o regime de Maduro economicamente e até sugeriu em algumas oportunidades que poderia ordenar uma invasão militar para retirar Maduro do poder. O ex-presidente também reconheceu Juan Guaidó como presidente da Venezuela.

Mas o republicano parece ter se arrependido da estratégia, segundo o livro de memórias de John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump, chamado The Room Where It Happened: A White House Memoir. No livro, Bolton relata que o ex-presidente considerava que Guaidó era “fraco”, em oposição a Maduro, que era “forte”.

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Para Geoff Ramsey, analista americano especializado em Venezuela do Atlantic Council, think tank com base em Washington, Trump não adotaria as mesmas posições em um possível segundo mandato. “Uma segunda administração Trump seria mais transacional em relação a Venezuela e aberta a negociações. Trump tentaria separar a agenda da defesa da democracia e direitos humanos de preocupações maiores sobre a contenção da influência da Rússia e da China na região e a resposta ao fluxo de imigrantes venezuelanos na fronteira americana”.

O ex-presidente americano e candidato presidencial republicano Donald Trump participa de um comício em Atlanta, Geórgia  Foto: John Bazemore/AP

O ex-presidente americano mencionou o tema pela primeira vez neste ciclo eleitoral durante uma entrevista concedida ao streamer americano Adin Ross. Trump apontou na segunda-feira, 5, que a Venezuela é “comandada por um ditador” e destacou que Caracas é uma “cidade muito perigosa”, mas mesmo assim é “mais segura do que muitas cidades dos EUA”.

Eric Farnsworth, vice-presidente do Council of the Americas, aponta que Trump deve retornar com uma política de sanções contra o regime, mas sem a mesma intensidade de antes. “Ele é um cara transacional, não vai tentar de novo uma política que não deu certo”.

Novo Guaidó?

Da mesma forma que a estratégia das sanções não voltaria em um futuro governo Trump, analistas avaliam que o ex-presidente não reconheceria Edmundo González Urrutia, o candidato da oposição que se declarou vencedor da eleição venezuelana, como presidente da Venezuela.

A ideia de repetir a experiência Juan Guaidó tem pouca tração em Washington, destaca Ramsey. “Existe apoio e reconhecimento de que Edmundo González é o vencedor das eleições presidenciais, mas poucas pessoas estão convencidas de que reconhecer ele como presidente contribuirá para uma mudança em Caracas”, aponta o analista. “Nós vimos para onde essa abordagem nos levou em 2019″.

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O candidato presidencial da oposição Edmundo González participa de uma coletiva de imprensa com a líder da oposição, María Corina Machado, em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

No início de agosto, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, apontou que Urrutia venceu o pleito venezuelano, mas não o reconheceu como presidente eleito. O novo mandato do próximo presidente da Venezuela começa no dia 10 de janeiro do ano que vem, data que dá mais algum tempo para que os EUA formulem uma nova estratégia para lidar com a Venezuela.

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Em um novo mandato de Trump, mais aberto a negociações, até um encontro entre o republicano e Maduro não é descartado. “Trump está disposto a fazer coisas que não foram feitas antes, ele se encontrou com Kim Jong-un, chegou a entrar na Coreia do Norte. Não acho que podemos descartar, mas um encontro com Maduro não tem o mesmo potencial de se tornar um ‘show’ igual foi com o líder supremo da Coreia do Norte”, avalia Farnsworth, do Council of the Americas.

Imigração

O problema que mais afeta os Estados Unidos em relação a Venezuela é o aumento do fluxo de venezuelanos entrando no país de forma ilegal na fronteira com o México. Trump focou boa parte de sua campanha neste tema, prometendo a maior operação de deportação de imigrantes ilegais da história dos Estados Unidos. O assunto é visto como uma das debilidades da campanha de Harris, com os republicanos tentando vender a ideia de que a vice-presidente é a responsável pela política de imigração do governo Biden.

O democrata apostou em negociar um acordo com Maduro para repatriar uma parte dos venezuelanos que entraram ilegalmente nos EUA e não tinham motivo legal para permanecer. Segundo dados da ONU, existem cerca de 7,7 milhões de refugiados venezuelanos que deixaram o país em meio a piora da situação econômica e a escalada autoritária do ditador Nicolás Maduro. Biden também flexibilizou sanções e apoiou negociações entre o regime chavista e a oposição venezuelana para a realização de eleições livres e justas em 2024.

“Este foi o maior erro do governo Biden”, opina Elliott Abrams, analista do Conselho de Relações Exteriores e ex-representante especial do governo Trump para Venezuela e Irã, em entrevista ao Estadão. “O governo dele adotou a visão que a migração de pessoas da Venezuela para os Estados Unidos é produto das sanções. Nesta lógica, se diminuirmos as sanções, o número de venezuelanos na fronteira irá reduzir, mas isso não é verdade”, diz Abrams.

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O ex-funcionário do governo Trump avalia que o fluxo de venezuelanos saindo do país tem mais relação com a falta de esperança com o país do que com sanções. “Veremos um aumento significativo na imigração se Maduro conseguir se safar de ter roubado a eleição”.

Para Eric Farnsworth, é difícil que os EUA consigam reduzir o número de imigrantes venezuelanos na fronteira sem alguma ajuda do regime de Maduro, ou de países fronteiriços a Venezuela, como Brasil e Colômbia. “Em nenhum momento Maduro sinalizou que ele queria trabalhar com algum outro país para reduzir isso, estes imigrantes estão indo para outros países também, como Colômbia e Brasil, o problema não é só dos Estados Unidos”, destaca o vice-presidente do Council of the Americas. “Acredito que pode ser uma oportunidade para que Washington trabalhe com os outros países das Américas para resolver esta questão”.

Kamala Harris

Em caso de vitória de Kamala Harris, seu governo adotaria uma posição parecida com a de Joe Biden sobre a Venezuela, opina Farnsworth. “Serão basicamente as mesmas pessoas do governo Biden se ela for eleita, acredito que ela deixaria que o curso diplomático ocorresse e se concentraria em outras coisas já que Venezuela não vai ser a sua prioridade”.

Após as eleições venezuelanas, Harris se manifestou em uma publicação no X. A vice-presidente dos Estados Unidos ressaltou que a vontade da população deve ser respeitada. “Os Estados Unidos apoiam o povo da Venezuela, que expressou a sua voz nas eleições presidenciais históricas de hoje. Apesar dos muitos desafios, nós continuaremos trabalhando em prol de um futuro mais democrático, próspero e seguro para o povo da Venezuela.”

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, participa de um comício ao lado de seu companheiro de chapa, o governador de Minnesota, Tim Walz, em Eau Claire, Winsconsin  Foto: Kerem Yücel/AP

Segundo Abrams, um diplomata que trabalhou no governo Trump com assuntos relacionados a Irã e Venezuela, a política de apoiar a democracia e os direitos humanos em Caracas é bipartidária. “Neste sentido, não acredito que as políticas de Harris e Trump sejam tão diferentes”.

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Para Geoff Ramsey, analista do Atlantic Council, Harris não adotaria uma estratégia de “pressão máxima”, com muitas sanções econômicas para punir o regime chavista. “A realidade é que as pessoas que olham para a Venezuela em Washington estão entendendo que os Estados Unidos estão perdendo influência. A habilidade de Washington influenciar as decisões de Caracas está diminuindo”.

Mudança de foco

A continuidade do regime de Maduro pode mudar a postura dos Estados Unidos em relação à ditadura venezuelana, com maior foco nos interesses americanos na região e em reduzir a influência de China e Rússia em Caracas.

Xi Jinping e Vladimir Putin parabenizaram a alegada vitória de Maduro nas eleições presidenciais e são aliados do ditador. Pequim e Moscou disponibilizam armamentos, tecnologia de refino de petróleo e empréstimos de altas cifras ao regime chavista. Enquanto isso, Washington não tem uma embaixada em Caracas, nem relações diplomáticas com a Venezuela.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, gesticula para apoiadores no Palácio de Miraflores em Caracas, Venezuela  Foto: Yuri Cortez/AFP

A Casa Branca está entendendo que remover a sua embaixada de Caracas e proibir empresas americanas e ocidentais de participarem do setor de petróleo venezuelano colocou os interesses americanos em desvantagem, avalia Ramsey. “A principal questão deste momento é entender como os Estados Unidos conseguirão avançar em seus interesses geopolíticos e energéticos, ao mesmo tempo que continuam pressionando a Venezuela em relação a pauta da democracia e o fluxo de imigrantes”.

Neste momento, os EUA apoiam de forma distante uma negociação encabeçada por Brasil, México e Colômbia, países com governos de esquerda e mais abertura com o regime de Maduro.

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“Possivelmente veremos um divorcio da agenda de promoção da democracia e direitos humanos e os interesses mais amplos dos EUA em jogo”, completa Ramsey.

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