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Eleições nos EUA: conheça o ‘enclave’ de Trump na Geórgia que pode ser importante em 2024

Donald Trump teve 75% dos votos no condado de Bartow, na Geórgia, ressaltando o apoio do Partido Republicano nas zonas rurais do Estado que irá receber o primeiro debate presidencial americano

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Foto do author Daniel Gateno

ENVIADO ESPECIAL A CARTERSVILE, GEÓRGIA-Após duas horas de carro pelas rodovias interestaduais da Geórgia, a realidade das pessoas é muito diferente. O sotaque muda e o voto também. Na região metropolitana da capital Atlanta o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, teve 80% dos votos em 2020, mas no condado de Bartow, nordeste do Estado, o republicano Donald Trump é o político mais amado do país. Estes dois cenários representam a Geórgia: um Estado dividido que receberá o primeiro debate presidencial entre o democrata e o republicano na quinta-feira, 27.

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Nas últimas eleições, Biden obteve ótimos resultados nas áreas urbanas e também nos subúrbios, catapultando a primeira vitória democrata no Estado em uma eleição presidencial desde 1992, por uma diferença de menos de 12 mil votos. No condado rural de Bartow, que fica no meio do caminho entre a capital Atlanta e a fronteira com o Estado do Tennessee, Trump venceu com 75% dos votos. Em outras regiões agrícolas o ex-presidente chegou a ter 90%.

“Atlanta, Savannah e Columbus são as partes urbanas do Estado em que os democratas vão bem, o resto é republicano”, avalia Dee Anne Wyse, líder do Partido Republicano no condado de Bartow, que recebeu a reportagem do Estadão no maior café de Cartersville, cidade mais importante do condado.

Cartersville é a principal cidade do condado de Bartow, onde Donald Trump recebeu 75% dos votos nas eleições presidenciais de 2020  Foto: Daniel Gateno/Estadão

Com clima de cidade pequena, moradores da região ajudavam a dona do bar a colocar apetrechos verdes em homenagem ao Saint Patrick´s Day, que seria comemorado no dia seguinte. Assim como Wyse, a dona do bar também fazia parte do Partido Republicano. “Este é um condado que está crescendo, e fica no meio do caminho entre Atlanta e Chattanooga, no Tennessee, mas pelo trânsito é mais fácil ir para Chattanooga”, explica Wyse.

A líder republicana admite que os democratas tiveram uma ótima estratégia para vencer no Estado em 2020, considerado um dos bastiões republicanos no sul dos Estados Unidos. “Eles são muito bons com emoções, conseguiram pegar os nossos pontos fracos para energizar a base deles, e muitos republicanos não votaram nas últimas eleições”.

Segundo cálculos de Wyse, 8,5 mil republicanos do condado de Bartow não participaram do pleito porque tinham certeza que a eleição seria roubada, o que fez a diferença para Biden. O Partido Democrata teve uma série de vitórias na Geórgia nos últimos anos, elegendo o atual presidente e dois senadores: Raphael Warnock, o primeiro afro-americano a ser eleito para o cargo pelo Estado, e Jon Ossoff, o primeiro judeu a ser senador na Geórgia.

Dee Anne Wyse é a líder do Partido Republicano no Condado de Bartow Foto: Daniel Gateno/Estadão

O trabalho realizado pela advogada e ativista Stacey Abrams, fundadora das organizações Fair Fight e New Georgia Project foi essencial para as vitórias do partido. Em um país em que o voto não é obrigatório, Abrams conseguiu engajar um eleitorado que não participava das eleições. De acordo com o site americano Politico, as organizações fundadas por Abrams registraram 200 mil novos votantes para as eleições para governador da Geórgia em 2018 e 800 mil nas eleições presidenciais de 2020. A maioria dos novos votantes era jovem e fazia parte do eleitorado afro-americano.

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Desde 1990, a população de afro-americanos na Geórgia saltou de 1,8 milhão para 3,3 milhões, segundo o Censo americano de 2023, representando 33,1% da população total do Estado. A mudança demográfica pode favorecer os democratas no futuro.

Por isso, a estratégia republicana em 2024 é aumentar ainda mais a votação nas zonas rurais, para compensar as esperadas perdas nas grandes cidades. “Eu converso com republicanos que estão muito bravos e pensam que o resultado foi roubado. Eu lhes digo que eu entendo e também acredito nisso, mas que a principal resposta é votar e fazer com que Trump ganhe de forma esmagadora”, aponta Wyse.

Centro da cidade de Cartersville Foto: Daniel Gateno/Estadão

A republicana ainda acredita que a Geórgia é um Estado vermelho, cor característica do partido. “Mas se não prestarmos atenção, o Estado pode virar democrata”. Wyse quer evitar que o condado de Bartow, uma área rural que está se tornando cada vez mais suburbana, tenha o mesmo destino do condado de Cobb, subúrbio perto de Atlanta, que foi visitado pela reportagem do Estadão.

Até 2012 Cobb era uma região republicana mas a partir de 2016, por conta de mudanças demográficas entre os moradores do condado, os democratas perceberam o potencial eleitoral da região e passaram a investir mais recursos, resultando em vitórias nos últimos pleitos.

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A líder republicana destaca que o Partido Democrata está tentando atingir regiões como Bartow, investindo em candidaturas para eleições locais e aumentando a propaganda. “Não podemos ser apáticos, não podemos acreditar que só porque somos um Estado republicano nós vamos ganhar”.

Segundo as pesquisas de opinião, o Partido Republicano está próximo de vencer a eleição presidencial na Geórgia, com Trump liderando em todos os cenários até agora. Já o Partido Democrata perdeu tração após a derrota de Stacey Abrams nas eleições para o governo da Geórgia em 2022 para o republicano Brian Kemp. Além disso, a organização Fair Fight, fundada por Abrams, reduziu a sua equipe ao demitir 19 funcionários em 2024 após se envolver em diversos processos na justiça sobre as leis de votação na Geórgia e ser condenada a pagar altas cifras à justiça.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump participa de um comício de campanha em Detroit, Michigan  Foto: Bill Pugliano/AFP

Apoio a Trump

A líder republicana afirma que não cogitou votar em outro candidato nas primárias do partido que não fosse Trump, mesmo considerando que outros políticos da legenda tem um futuro promissor, como o governador da Flórida, Ron DeSantis, e o empresário americano Vivek Ramaswamy, que parece uma “versão republicana de Barack Obama”, segundo ela.

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Wyse está entre os que acreditam que Trump sofre uma caça às bruxas orquestrada pelos democratas em Washington. O ex-presidente foi condenado por um júri de Manhattan por falsificar registros de negócios para encobrir um pagamento secreto de dinheiro a uma estrela pornô em maio. O republicano também foi acusado de dezenas de outros crimes em três outros casos: dois federais e um na Geórgia.

“Todos fizemos coisas erradas no passado, eu também fiz coisas erradas há 20 anos que me arrependo, mas não acho que as acusações são legítimas. Um partido político está tentando destruir o outro no tribunal e não nas urnas”, avalia a líder do condado de Bartow. “Eles não estão bem nas pesquisas e por isso querem acabar com a eleição de outro jeito”.

Apesar disso, Wyse reconhece que o ex-presidente tem falas inapropriadas e por isso acaba sendo um “alvo” para a mídia americana. “Ele é um típico nova iorquino, é egocêntrico e é da televisão. Mas ele é a pessoa que queremos no comando e ele faz as coisas acontecerem”.

A republicana destaca que Trump é o único que pode resolver o problema que ela considera como o mais preocupante nos EUA neste momento: imigração. “A imigração ilegal está desenfreada, isso não impacta apenas os Estados da fronteira, também impacta aqui, vemos um aumento na criminalidade, nas drogas”.

O olhar dos republicanos

Após uma hora de conversa, Wyse se afasta para atender uma ligação. Cinco minutos depois, a líder republicana volta e diz que conseguiu marcar um encontro em um local próximo com um outro integrante da liderança republicana local. Durante a caminhada até o ponto combinado, passamos pelo centro da cidade de Cartersville, onde é possível ver todas as atrações: um grande cinema, pequenas lojas de roupas, uma estação de rádio local onde as pessoas podem ver os radialistas da rua e uma enorme loja de armas.

Loja de armas em Cartersville, Geórgia  Foto: Daniel Gateno/Estadão

A líder republicana aponta para a bolsa e diz que não sai de casa sem a sua arma. “Eu trabalhei no centro de Atlanta, ter a minha arma é questão de proteção”, aponta Wyse. Ao lado da loja de armas, Wyse bate na porta de um escritório e é prontamente atendida por Jeff Thompson, membro do Partido Republicano e diretor de uma ONG conservadora chamada Americans for Prosperity (AFP).

O local estava bagunçado por conta de um evento no dia anterior, com inúmeros cartazes, adesivos e broxes que criticavam as políticas econômicas do governo Biden espalhados pelo escritório.

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“Eu nunca vi nada de bom saindo da esquerda, sempre tem uma agenda escondida”, diz Thompson, um afro-americano de 39 anos. “Precisamos de Trump em sua melhor versão para vencer estas eleições, é uma necessidade”.

Cartazes da organização conservadora Americans for Prosperity (AFP) criticando as políticas econômicas do presidente Joe Biden  Foto: Daniel Gateno/Estadão

Apesar de estar otimista, Thompson se preocupa com as declarações polêmicas de Trump e com a ala do Partido Republicano que acredita que o ex-presidente é perfeito. “Para algumas pessoas que eu conheço, ele não faz nada de errado”, diz Thompson, que logo destaca que ele e Wyse são apoiadores de Trump que entendem que ele tem seus defeitos.

“Nós reconhecemos que ele tem problemas, existe uma diferença entre os apoiadores de Trump que tem noção e os que não tem”, diz Wyse.

Para Thompson, a ala mais radical do Partido Republicano pode reduzir as chances da legenda chegar à presidência. “Estas pessoas machucam mais Trump do que qualquer outro grupo”.

Trump e racismo

Em uma conversa de 30 minutos com a reportagem do Estadão, Thompson defendeu o ex-presidente das acusações de racismo, apontando que a mídia americana favorece o Partido Democrata. “Vai ser uma batalha de narrativas, a mídia vai fiscalizar todas as falas de Trump e acusá-lo de ser racista” ,diz o republicano.

De acordo com ele, o ex-presidente não é racista e só foi acusado de preconceito contra afro-americanos quando decidiu concorrer em 2016. “Trump faz parte da cultura negra, ele é amigo de Mike Tyson e Muhammad Ali e apoiou faculdades tradicionalmente frequentadas por negros. Eu, como negro, odeio ver os democratas iludindo os afro-americanos”.

O republicano também questiona a forma como grupos de apoiadores de Trump são considerados supremacistas brancos. Thompson mencionou o Proud Boys, coletivo de extrema direita que participou da invasão do Capitólio em Washington no dia 6 de janeiro de 2021 para impedir que Joe Biden assumisse o cargo.

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Jeff Thompson é diretor da Americans for Prosperity e membro do Partido Republicano em Bartow  Foto: Daniel Gateno/Estadão

O grupo ficou famoso após Trump ser questionado em um debate em 2020 se condenava as atitudes de coletivos supremacistas nos Estados Unidos. Mas o republicano não condenou o grupo, apenas disse: “Proud Boys: recuem e aguardem”, em uma declaração que foi celebrada pelo coletivo.

“A única pessoa do Proud Boys que eu conheço é um negro de dreads”, ressalta Thompson, mostrando uma foto do amigo. “Ele não parece um supremacista branco”.

Thompson também criticou o Partido Democrata e disse que se sente mais confortável como afro-americano no Partido Republicano. Ele relembrou uma declaração de Joe Biden de maio de 2020, quando o presidente ainda era candidato, em que Biden afirma que afro-americanos que votassem em Trump não poderiam ser considerados negros. Após a repercussão negativa de suas declarações, Biden se desculpou.

“Ninguém fala assim comigo no Partido Republicano, não vemos republicanos na TV falando este tipo de coisa, isso tudo só acontece no Partido Democrata”, completa Thompson.

Para o republicano, o único político democrata elogiável era o ex-presidente americano John F. Kennedy, que contribuiu para a aprovação da Lei dos Direitos Civis, em 1964. “Ele é o único democrata que eu tenho alguma simpatia e olha o que aconteceu com ele”, diz Thompson, em referencia ao assassinato de Kennedy em 1963.

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