Não muito tempo atrás, Joe Mohler pareceria uma pessoa improvável para ajudar a enterrar o legado político de Donald Trump.
Mohler, um membro do comitê republicano de 24 anos e estudante de direito em Lancaster Township, na Pensilvânia, votou em Trump em 2016 e votou nele novamente em 2020, mas desta vez com algumas dúvidas.
E quando Trump começou a espalhar mentiras e teorias conspiratórias sobre sua derrota em 2020, Mohler, que cresceu em uma região solidamente conservadora no sudeste da Pensilvânia, ficou preocupado ao ouvir muitas pessoas que conhecia repeti-las.
Em janeiro passado, depois que os líderes republicanos do seu condado se aliaram a um grupo conhecido por espalhar desinformação sobre as eleições de 2020 e as vacinas contra covid, Mohler se manifestou contra eles —ação que, segundo diz, lhe custou o cargo de presidente do comitê municipal do Partido Republicano.
“Acabei de perceber o quanto todo o movimento era uma farsa”, disse ele. “No momento em que o véu é retirado de seu rosto, você percebe como é feio o rosto para o qual está olhando.”
Mohler fazia parte de uma fatia pequena, mas significativa, do eleitorado que foi contra seu próprio histórico de votação este ano para rejeitar candidatos republicanos que buscavam o controle das eleições, pelo menos em parte por preocupação com a saúde do sistema político e o futuro da democracia.
Depois de decidir que preservar a integridade das eleições era sua questão mais importante em 2022, ele votou no mês passado no candidato do partido ao Senado, Mehmet Oz, que se esquivou cuidadosamente da questão de quem venceu a eleição de 2020, mas acabou dizendo que teria votado para certificar a vitória de Joe Biden se ele estivesse no cargo.
Mas na corrida para governador Mohler decidiu que não poderia votar em Doug Mastriano, o candidato republicano, que, como senador estadual, foi fundamental nos esforços para derrubar os resultados das eleições de 2020 na Pensilvânia.
Mastriano prometeu retirar a certificação das máquinas de votação em condados onde suspeitava que os resultados eram fraudulentos e nomear para secretário da comunidade, o cargo que supervisiona as eleições na Pensilvânia, alguém que compartilhasse de suas opiniões.
“Foi tão repreensível”, disse Mohler. “Eu não queria ninguém assim no gabinete do governador.”
As decisões de eleitores como Mohler, discerníveis em pesquisas e expressas em entrevistas, não acabaram necessariamente com as preocupações sobre a capacidade do sistema eleitoral de resistir às novas pressões desencadeadas por Trump. Mas elas sugeriram um possível teto para o apelo do partidarismo extremo —um que impediu, neste ciclo, que os piores temores pela saúde da democracia se concretizassem.
Mastriano perdeu por quase 15 pontos percentuais para o candidato democrata, Josh Shapiro —parte de uma eleição de meio de mandato que viu os eleitores rejeitarem todos os negacionistas das eleições que concorriam para supervisionar as eleições em um estado decisivo.
No Arizona, em Michigan e Nevada, os eleitores republicanos das primárias indicaram candidatos que fizeram campanha com as mentiras eleitorais de Trump para secretário de Estado, o cargo que supervisiona o sistema eleitoral em 40 estados. Naqueles três, esses candidatos perderam.
A derrota aliviou a preocupação imediata de que partidários estridentes que adotaram teorias da conspiração sobre máquinas de votação hackeadas, intromissão estrangeira e cédulas contrabandeadas possam em breve ter o poder de causar estragos nos sistemas eleitorais.
Os resultados da eleição sugerem que o foco nas mentiras eleitorais de Trump não apenas galvanizou os democratas, como também afastou republicanos e independentes. Os números finais de participação mostram que os republicanos registrados votaram mais do que os democratas registrados no Arizona e em Nevada, mas os candidatos que negaram as eleições perderam disputas importantes nesses estados.
Os candidatos republicanos em disputas estaduais que adotaram as mentiras eleitorais de Trump também tiveram um desempenho significativamente inferior em comparação com os republicanos que não o fizeram. Isso foi verdade mesmo em distritos que votaram de forma esmagadora em Trump em 2020, sugerindo que a deserção de divisores de chapas como Mohler provavelmente desempenhou um papel importante.
Em uma pesquisa com eleitores em cinco estados decisivos conduzida pela empresa de pesquisa Citizen Data para o grupo de defesa Protect Democracy, um terço dos que votaram em uma mistura de democratas e republicanos em novembro citaram a preocupação de que os candidatos do Partido Republicano tivessem opiniões ou promovessem políticas “que são perigosas para a democracia”.
E em uma pesquisa pós-eleitoral conduzida pela Impact Research, uma empresa de pesquisas democrata, 69% dos independentes e republicanos que votaram em um democrata para a Câmara disseram que a democracia foi fundamental para sua decisão.
“Isso me dá certo otimismo de que o eleitor da eleição geral deseja um retorno a alguma normalidade e alguma estabilidade”, disse Ethan Demme, ex-presidente do Partido Republicano no condado de Lancaster, na Pensilvânia, que formou um novo terceiro partido na Pensilvânia depois que os apoiadores de Trump atacaram o Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro de 2021.
Os democratas receberam os eleitores desertores de braços abertos. Afinal, estavam procurando por eles.
Na corrida para governador da Pensilvânia, Shapiro contratou grupos focais de eleitores de Trump para dar ideias sobre como afastá-los de Mastriano.
Cerca de um terço dos eleitores de Trump não acreditaram nas afirmações de Mastriano sobre a eleição de 2020, e a equipe de Shapiro descobriu que os eleitores com tais dúvidas também eram receptivos a apelos em outras questões.
“Esses eleitores tiveram sensibilidade real não apenas para a história e a posição de Mastriano em questões de democracia, mas também para suas posições sobre aborto, casamento igualitário e mudança climática”, escreveu a campanha de Shapiro em um memorando pós-eleitoral.
A estratégia da campanha refletiu a consciência de que o negacionismo eleitoral poderia ser um indicador de outras fraquezas, tanto quanto uma fraqueza em si.
“Essa conversa extrema sobre fraude eleitoral atrai pessoas de um sabor extremo”, disse Kristopher Dahir, vereador e pastor em Sparks, Nevada, que concorreu como republicano a secretário de Estado este ano. Depois de perder as primárias para Jim Marchant, figura proeminente no movimento negador da eleição, Dahir endossou o oponente democrata de Marchant, Cisco Aguilar, que venceu em novembro.
Mastriano foi superado por Shapiro em 14 a 1 na televisão e em anúncios digitais entre o Dia do Trabalho e 8 de novembro, e perdeu por quase 15 pontos.
As corridas de mais alto perfil para secretário de Estado foram igualmente desiguais. Os democratas nacionais gastaram quase US$ 8 milhões em publicidade em Nevada para promover Aguilar; os republicanos não gastaram nada para ajudar Marchant. No Arizona, Mark Finchem foi soterrado por mais de US$ 14 milhões em anúncios veiculados por grupos democratas.
Um fator significativo no desequilíbrio foi Trump, que promoveu abertamente candidatos que negavam as eleições nas primárias republicanas do secretário de estado, mas não colocou quase nada de seu dinheiro onde ele dizia.
O Save America PAC, seu PAC de liderança, gastou apenas US$ 10.000 de seu baú de guerra de mais de US$ 100 milhões em candidatos a secretário de estado que chegaram às eleições gerais. Um super PAC derivado, o MAGA Inc., optou por gastar dinheiro em corridas para o Senado.
A estreiteza de algumas das derrotas dos que negaram as eleições e a diversidade de fatores que provavelmente contribuíram para elas levaram alguns especialistas a alertar que os resultados de novembro não devem ser confundidos com uma rejeição total da política contra os democratas.
“Qualquer um que acredite que estamos fora de perigo porque um punhado de negadores das eleições perdeu disputas acirradas em estados indecisos está se iludindo”, disse Brian Klaas, estudioso do autoritarismo na University College London.
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