PUBLICIDADE

Em cúpula da direita em Madri, Milei chama primeira-dama de corrupta, insulta premiê e agrava crise

O presidente argentino diz diante de 11 mil ativistas que a esposa do primeiro-ministro espanhol “é corrupta” e faz piadas sobre sua situação

PUBLICIDADE

Por Daniel Galvalizi

ESPECIAL PARA O ESTADÃO/MADRI -No caminho entre o metrô e o Palácio de Vistalegre, muitas bandeiras espanholas e argentinas eram vistas. No grande encontro organizado pelo Vox costuma-se ver as “rojigualdas”, mas o incomum eram as “albicelestes”. Desde a Copa do Mundo do Catar que essas cores não enchiam as ruas madrilenhas. Messi não tinha nada a ver; desta vez, o motivo era a participação de Javier Milei, a estrela absoluta do encontro em Madrid.

PUBLICIDADE

Transformado em ícone pop da direita populista radical na Espanha, o presidente argentino foi convidado a participar do Viva 2024, uma cúpula de três dias organizada no sul da capital, que neste domingo, 19, teve sua principal jornada de líderes da direita radical, como a francesa Marine Le Pen, o português André Ventura, o chileno José Kast, a participação por telefone da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e o húngaro Viktor Orban, além de enviados de Donald Trump e Binyamin Netanyahu.

Mas o ápice para os 11 mil ativistas foi a aparição de Milei, que se declara amigo pessoal de Santiago Abascal, líder do Vox. “É um imperativo moral vir acompanhá-lo”, disse o argentino, esclarecendo que a viagem tinha motivos particulares, apesar de ter sido paga com dinheiro público. Sua única agenda oficial na Espanha foi o encontro com 15 empresários espanhóis no sábado. Nada mais, nem mesmo um contato com ministros do governo local, e muito menos com o primeiro-ministro Pedro Sánchez.

O presidente da Argentina, Javier Milei, discursa em um evento da direita radical em Madri, Espanha  Foto: Manu Fernandez/AP

No meio de seu discurso, enquanto criticava o socialismo e o equiparava com “morte e violência”, argumentando que as pessoas de esquerda são “ressentidas e invejosas”, insultou Sánchez: “Que tipo de gente, presa ao poder... mesmo tendo a mulher corrupta, se suja e leva cinco dias para pensar”. Referia-se às denúncias (ainda sem provas, mas com processo judicial aberto) contra a primeira-dama, Begoña Gómez, e seu suposto tráfico de influências, razão pela qual Sánchez denunciou ‘lawfare’ contra ele e pediu esses inéditos cinco dias para refletir se renunciava ou não no final de abril.

Todo o estádio se levantou, incluindo os políticos, após a explosão de Milei, que veio incendiar as relações bilaterais já danificadas: há duas semanas, um ministro de Sánchez havia chamado o presidente argentino de “má pessoa” e sugerido que ele estava sob efeito de substâncias, o que provocou a furiosa resposta da Casa Rosada em um comunicado em que também mencionava o caso de Gómez e criticava ferozmente o governo espanhol.

Desentendimento

Tanto Madrid quanto Buenos Aires haviam decidido abaixar a tensão imediatamente e deixar para trás. Mas Milei, com o que disse, jogou sal na ferida e no pior contexto possível: já era um marco que o presidente da Argentina visitasse a Espanha pela primeira vez sem manter contato algum com o governo. Dois países que são irmãos e parceiros como poucos: o país com mais cidadãos espanhóis do mundo fora da Espanha é a Argentina (por imigrantes e descendentes) e o capital espanhol é o segundo maior investidor estrangeiro na segunda maior economia sul-americana.

O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez, participa de um comício ao lado de sua esposa, Begona Gomez, em Madri, Espanha  Foto: Emilio Morenatti/AP

Além disso, acontece poucos dias antes das eleições para o Parlamento Europeu, no dia 9 de junho, nas quais a social-democracia se aproxima de uma derrota para a direita e a extrema direita, que como nunca antes têm a possibilidade de somar maioria própria em Bruxelas e decidir as autoridades da poderosa Comissão da UE.

Publicidade

Portanto, a resposta de Sánchez não demorou a chegar: poucas horas após a explosão de Milei, o Ministro das Relações Exteriores espanhol, José Albares, leu um comunicado no qual qualificou as palavras de Milei como “gravíssimas”, que “ultrapassam as diferenças ideológicas, sem precedentes nas relações entre dois povos unidos por fortes laços de irmandade”.

“É inaceitável que Milei insulte a Espanha e seu governo estando na Espanha. Quebra as regras mais elementares das relações internacionais. Diante da gravidade do ocorrido, entrei em contato com os líderes parlamentares para obter seu apoio (...) Acabo de falar com o alto comissário Josep Borrell, que considera isso um ataque a toda a União Europeia”, comentou. Além disso, chamou a consultas a embaixadora espanhola em Buenos Aires.

O ministro disse que Milei levou a relação bilateral “ao seu momento mais grave” e enfatizou que Madrid “exige desculpas públicas” e que, caso não se produzam, tomarão “mais medidas”. Também lamentou que o presidente argentino tenha “abandonado as formas e o respeito” que seu cargo exige.

O discurso de Albares tem a ver com a polarização que o PSOE busca com a extrema direita para recuperar suas possibilidades nas eleições europeias, onde os conservadores estão ganhando nas pesquisas. A tática, deve-se dizer, tem funcionado bem para eles nas eleições regionais da Catalunha.

PUBLICIDADE

Milei não decepcionou seus seguidores em sua visita a Madrid. Na sexta-feira, apresentou seu livro na sede de um jornal conservador e disparou várias das frases que chamam a atenção na Europa por sua irreverência e incorreção política. “A justiça social é aberrante porque implica violência ao tirar de uns para dar a outros”, foi uma de suas ideias.

No evento, foi além: disse que “abrir a porta para o socialismo é convidar para a morte” porque é “maldito e cancerígeno” e que os esquerdistas “projetam sua miséria” porque estão “cheios de ódio”. Afirmou também que não lhe importam “as críticas dos esquerdistas” e que em seu país o criticam apenas eles e os “jornalistas subornados”.

O presidente da Argentina, Javier Milei, participa de um evento em Madri, Espanha  Foto: Manu Fernandez/AP

Interrompido constantemente por aplausos e gritos de apoio (suas frases irônicas, como quando se disse “mais sozinho que Adão no dia das mães” em seus começos, despertavam risos e euforia), Milei pediu à direita radical que mantivesse “a guerra cultural” porque “não há nada a temer” já que “sempre o bem se impõe ao mal”. Também se vangloriou de estar “cumprindo rigorosamente o prometido aos argentinos” e de estar “fazendo o maior ajuste da história humana”, de 14% do PIB em cinco meses.

Publicidade

Argentinos

Diversos argentinos compareceram ao evento, com cartazes, camisas de futebol e bandeiras. “Ele me devolveu a vontade de voltar ao país e tentar de novo”, disse Hugo ao Estadão. Segurava com suas mãos uma faixa e aplaudia efusivamente cada parágrafo. Natural de Rosário, vive em Madrid há uma década e assegura que o libertário o fez pensar em retornar.

“Eu o admiro porque ele diz o que pensa, nada de correção política. Dizem que ele está louco, mas eu gosto do seu tom, o importante é que ele se atreve a enfrentar os comunistas”, responde Martha, uma madrilenha de 55 anos, que foi com seu marido presenciar os três dias do evento do Vox.

A retórica contra a imigração ilegal e a Agenda 2030 dominou os discursos de todos os líderes da direita, além de críticas às políticas ecológicas da UE e o português Ventura até se permitiu criticar as farmacêuticas e “o negócio das vacinas”. Madri foi sem dúvidas o pontapé inicial da campanha pelo poder em Bruxelas que será disputada em 9 de junho e teve como principal patrocinador o presidente que veio do extremo sul.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.