Em Honduras, esquerda repete Bukele na segurança, mas modelo fracassa em reduzir poder de criminosos

Um ano e meio depois, o estado de exceção existe no papel, mas não mudou o cotidiano de Honduras; complexidades do país fazem ‘método Bukele’ difícil de ser replicado com eficácia

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Foto do author Luiz Henrique Gomes
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL A TEGUCIGALPA – Em janeiro de 2023, um motorista de ônibus foi assassinado com um tiro na cabeça em San Pedro Sula, a segunda maior cidade de Honduras. Os assassinos exigiam propina da empresa que o motorista trabalhava e, para isso, mataram-no para enviar um recado.

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O crime aconteceu apenas um mês depois de um estado de exceção decretado pela presidente Xiomara Castro, a esquerdista herdeira do ex-presidente Manuel Zelaya, para combater a violência e expôs a ineficácia da medida.

Inspirado no modelo de Nayib Bukele em El Salvador, o estado de exceção de Honduras foi decretado em 6 de dezembro de 2022 em resposta a protestos liderados pelos empresários e funcionários de transporte por causa do alto índice de extorsão. Uma das pressões era uma solução enérgica para combater o crime, como ocorria no país vizinho.

O estado de exceção abarcou metade do país incluindo as maiores cidades e mais violentas, Tegucigalpa e San Pedro Sula, suspendeu garantias constitucionais e permitiu prisões sem provas.

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Soldados do Exército hondurenho juntam-se às operações de segurança contra gangues na cidade de San Pedro Sula, a 180 km ao norte de Tegucigalpa, em Honduras  Foto: Orlando Sierra/AFP

Nos primeiros dias do decreto, o governo de Xiomara Castro divulgou imagens de operações policiais dentro e fora de prisões e anunciou a captura de suspeitos, na tentativa de repetir o feito salvadorenho que alçou a popularidade de Bukele.

No entanto, um ano e meio depois, o estado de exceção existe no papel, mas não mudou o cotidiano de Honduras. As extorsões cresceram e atingiram 11% da população até novembro de 2023, ante 9% em 2022, segundo o relatório publicado pela Associação para uma Sociedade Mais Justa (ASJ).

Na capital, os assaltos e os sequestros são diários, há pontos que pagam taxas de extorsão para mais de um grupo criminoso e os estabelecimentos, como farmácias, funcionam com portas fechadas, com os seguranças na parte interna. As avenidas estão cheias de carros com vidros escurecidos e à noite a cidade é deserta. Nas zonas mais pobres, as pandillas (como são chamadas as gangues) seguem com o controle total.

Uma rua de Tegucigalpa, capital de Honduras: país tenta repetir modelo Bukele para combater gangues, mas grupos seguem com o controle das áreas territoriais Foto: Luiz Henrique Gomes / Estadão

Apesar disso, o Ministério da Segurança de Honduras ressalta um resultado: em 2023, Honduras teve a menor taxa de homicídio dos últimos 19 anos. Ainda assim, os números são altos, de 31,1 mortes por 100 mil habitantes, e fazem do país o segundo mais violento da região, atrás apenas do Equador. A tendência anterior ao estado de exceção também era de queda – assim como em El Salvador.

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Segundo analistas, a redução de homicídios não está ligada ao regime de exceção, e sim a uma acomodação parcial dos grupos criminosos em algumas áreas. “Os homicídios reduzem por uma dinâmica do próprio crime, que às vezes está em disputa entre si e às vezes, não”, afirma o jornalista investigativo Robert Marín. “Não se trata de uma redução causada por uma política pública e definitiva. Honduras não tem uma política pública de segurança.”

Um plano de difícil exportação

Honduras mostra por que o método Bukele dificilmente é replicável nas outras nações da América Latina. A primeira razão é o tamanho do território. Mesmo não sendo um país grande, apenas um departamento hondurenho, Olancho, é maior que todo o território salvadorenho. O segundo motivo é financeiro. Honduras conta com grupos criminosos mais endinheirados que as milícias salvadorenhas por estar em posição-chave de rota para o narcotráfico continental.

Disso derivam dois problemas. O primeiro é a dificuldade de patrulhar um país amplo, com zonas urbanas espalhadas e construídas sobre montanhas. O segundo é que o Estado não tem força para alterar o mapa do crime sem causar um massacre entre os grupos criminosos.

“O que acontece se uma força policial entra em um território e o toma, é que o grupo criminoso deste território vai buscar ter o controle de um outro local”, declarou Migdonia Ayestas, diretora do Observatório Nacional da Violência de Honduras, ligada à Universidade Nacional Autónoma. “É como uma metástase, que se espalha e aumenta os homicídios nas zonas em disputa.”

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E, assim como no país vizinho, defensores de direitos humanos, pesquisadores, políticos de oposição e jornalistas também denunciam o uso do estado para aprofundar injustiças, como as prisões sem o devido processo legal, e a perseguição a opositores. Há relatos de organizações que também denunciam o aumento de torturas nas prisões hondurenhas.

Soma-se a esses fenômenos um outro fator também regional, mas que tem uma situação mais grave em Honduras: a baixa confiança nas instituições, especialmente na polícia. Nas ruas de Tegucigalpa, não é raro ouvir de cidadãos que os pandilleros (integrantes das gangues) são mais confiáveis que policiais.

Ninguém confia na polícia

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Jorge Jímenez, diretor-fundador da organização Jovens Promotores e Defensores de Direitos Humanos (Joprodeh), denunciou há sete anos um esquema de extorsão encabeçado por um oficial de polícia. Desde então, a cabeça dele vale um milhão de lempiras (cerca de R$ 200 mil) e Jorge necessita de medidas protetivas para sobreviver. Em uma das ameaças que recebeu, ele descobriu em 2021 que um policial havia sido contratado para matá-lo.

Essa história é contada por ele em uma sala pequena, no primeiro andar de uma residência que funciona como sede do Joprodeh, no bairro Residencial Plaza. No térreo, três policiais armados de pistolas e fuzis fazem a sua guarda.

Ao ser questionado se sente-se seguro com policiais lhe protegendo, o diretor responde: “Não me sinto completamente seguro. É complexo, porque não há outras forças policiais que possam me fazer proteção. Então, é preciso escolher com quem contar para pelo menos sobreviver, ainda que sabendo que você pode ser assassinado a qualquer momento.”

Honduras é o país com o menor nível de confiança na polícia em toda a América Latina. Segundo uma pesquisa do Latin America Public Opinion Project (Lapop) de 2012, 28,7% da população confiava na instituição enquanto 63,21% acreditava que eles tinham participação em crimes. O Brasil, em comparação, aparece com 51,6% de confiança.

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Imagem de 17 de maio mostra motorista de uber em Tegucigalpa, capital de Honduras. Assaltos a motoristas são frequentes na cidade Foto: Luiz Henrique Gomes/Estadão

Fracasso do clã Zelaya

Ao assumir a presidência, a esquerdista Xiomara Castro, mulher do ex-presidente Manuel Zelaya, deposto num golpe em 2009, tomou a decisão inédita de desmilitarizar as forças de segurança do país e reformar a polícia para um caráter mais comunitário. A esperança era de aumentar os índices de confiança, mas o plano teve duração curta. A violência explodiu e a pressão política para tomar medidas contra as extorsões cresceu.

Historicamente, os policiais têm participação nos esquemas de extorsão, narcotráfico e sicariato (a prática de matar por encomenda). Por isso, em muitas zonas de Tegucigalpa, os moradores das colônias mais pobres dominadas por pandilleros que não estão em guerra preferem a situação como está. “Onde eu moro é seguro. Tem pandilleros sim, mas não mexem com você. Você paga a taxa que eles pedem, e eles não mexem. Se começa a vir a polícia, começam mortes e depois a gente não sabe como as coisas ficam”, conta o taxista Oscar Martínez, morador do bairro Lempira.

A confiança nas quadrilhas fortalece o crime. Quando perguntado se não se incomoda em pagar la mordiscada, como é popularmente chamada a extorsão nas ruas hondurenhas, Oscar dá de ombros. “Antigamente, a gente precisava pagar a segurança privada... para mim, dá no mesmo”, diz.

Impunidade e a convivência com o ‘Narcoestado’

A desconfiança com a polícia muitas vezes leva os hondurenhos a sequer denunciarem quando são vítimas de um crime. Invariavelmente, citam que as denúncias não apresentam resultado nenhum e, no pior das situações, quem praticou o crime sabe que foi denunciado. De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), 90% dos homicídios do país não são investigados.

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O sentimento de impunidade empurra os cidadãos à resignação e também facilita que o crime se espalhe. O narcotráfico se consolidou no país a partir da década de 1980 ao encontrar uma rota fácil de transporte da cocaína produzida na América do Sul para os Estados Unidos e atingiu os níveis mais altos do poder.

Em março, o ex-presidente Juan Orlando Hernández foi declarado culpado pela Justiça americana por facilitar a entrada de toneladas de cocaína nos EUA e receber milhões de dólares de organizações criminosas, incluindo o Cartel de Sinaloa, do México.

Ter isso em consideração é essencial para compreender a dinâmica do crime em Honduras, rotulado por muitos de ‘Narcoestado’. Em geral, os narcotraficantes atuam com o tráfico internacional, mas existem as implicações internas. “Há uma relação entre o narcotráfico, as pandillas e a polícia. Cada um tem a sua dinâmica, mas se relacionam”, diz o jornalista Óscar Estrada, autor do livro “Tierra de Narcos: como las mafias se apropriaron de Honduras”.

O ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández. Justiça americana o condenou por tráfico de drogas e de armas Foto: Jacqueline Martin / AP

Relação promíscua

Nas zonas urbanas, a relação acontece sobretudo pelo sicariato e pela venda de drogas. Os pandilleros ou os grupos policiais são contratados pelo narcotráfico, um negócio muito mais rico, para matar e resolver disputas, e no segundo caso os narcotraficantes repassam drogas a grupos menores para que sejam revendidas nas ruas. Essa renda se soma a de outras modalidades de crime, como as extorsões.

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“Trata-se de uma forma de extrair recursos que se converte em recursos para o próprio Estado”, explica Estrada. “Se vamos a um nível profundo, temos mendigos que pagam cotas a pandilleros, que ao final às vezes também tem que pagar pelo controle de um território e por aí se segue.”

Com o grau de envolvimento entre os diferentes atores criminosos, o estado de exceção de Xiomara Castro parece fadado ao fracasso desde o seu início. “É uma cópia de El Salvador, mas que parece um teatro. As mortes e as maras nunca pararam de acontecer e não é assim que vai ser resolvido”, concluiu Roberto Marín.

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