O Brasil ganhou um destaque especial no relatório anual do V-Dem, que mede o nível das democracias no mundo. Segundo o instituto com sede na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, o País ficou em evidência em 2024 na categoria democratização, ou “U-Turn”, quando os indicadores democráticos melhoram depois de piorar. O avanço do Brasil impulsionou os níveis da América Latina no ranking, em contraste com outras regiões em que a democracia perdeu terreno para regimes autocráticos.
A chamada democratização está acontecendo em 18 países, segundo o índice, aumentando o nível de democracia para 400 milhões de pessoas, 5% da população mundial. O impacto do Brasil nesta categoria é grande porque o País tem 216 milhões de habitantes, mais da metade das pessoas impactadas positivamente pelas mudanças democráticas.
Na América Latina, os níveis de democracia melhoraram por conta do Brasil e também de outros países menores que foram citados no processo de democratização, como Bolívia, Honduras e República Dominicana. Dentre esses países, Brasil e Bolívia são citados como nações que reverteram processos de autocratização em anos anteriores.
Apesar disso, 28% dos países da região regrediram em seus níveis democráticos e estão se autocratizando. O índice menciona El Salvador, do ícone da direita Nayib Bukele, Guatemala, Guiana, Haiti, México, Peru e Nicarágua, do ditador Daniel Ortega.
Mudanças de regimes
O estudo divide os países entre quatro tipos de regimes: autocracias fechadas, autocracias eleitorais, democracias eleitorais e democracias liberais.
Em uma autocracia fechada, nenhuma eleição multipartidária para o executivo é realizada e o país não possui componentes democráticos fundamentais, como liberdade de expressão e eleições livres e justas. Já em uma autocracia eleitoral, eleições multipartidárias para o executivo existem, mas os níveis fundamentais de liberdade de expressão e pleitos livres e justos são insuficientes.
Existem países que estão no meio do caminho entre uma democracia e uma autocracia. Segundo o índice, as nações estariam em uma chamada “zona cinzenta”, que pode ser democrática ou autocrática.
Entre os países democráticos também existe uma divisão. Um país que está na lista das democracias eleitorais possui eleições livres, justas e multipartidárias para o executivo, com níveis satisfatórios de liberdade de expressão. Já as democracias liberais também possuem todas essas características, junto de devidas restrições judiciais e legislativas ao executivo, proteção das liberdades civis e igualdade entre todos perante a lei.
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Níveis na América Latina
86% da população da América Latina vive em países considerados democracias eleitorais. Dentre essas nações estão Brasil e Argentina. Uruguai e Chile têm níveis ainda melhores, garantindo um lugar entre as democracias liberais.
Contudo, dentre todas as regiões do globo, a América Latina tem a maior fatia vivendo em países que estão na “zona cinzenta”, com 24%. Guatemala, Guiana, Honduras e México estão na categoria democrática desta zona.
Já países autocráticos como Cuba, Nicarágua e Venezuela, do ditador Nicolás Maduro, representam 10% da população da região. O único país que mudou de categoria no ranking de 2023 para 2024 foi o Suriname, que estava na lista das democracias eleitorais e subiu para o posto de democracia liberal.
Lições do Brasil
O relatório anual do V-Dem tem um box especial dedicado ao Brasil. Segundo o estudo, o País pode compartilhar lições aprendidas antes, durante e depois das eleições presidenciais de 2022, quando o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva derrotou o então mandatário Jair Bolsonaro por uma pequena margem no segundo turno.
De acordo com o relatório, Bolsonaro descredibilizou o sistema eleitoral e tentou deslegitimar as eleições com o uso de desinformação. “Em resposta, a Justiça Eleitoral criou um site para checar e desmentir notícias falsas e o Supremo Tribunal Federal iniciou uma investigação sobre ‘milícias digitais’”. Para o instituto, o combate à desinformação foi importante para o aumento no nível de democratização do Brasil, que acontece desde o relatório do ano passado.
O estudo ressalta a lisura do processo democrático brasileiro, comprovado por observadores nacionais e internacionais, e o rápido reconhecimento do resultado por líderes mundiais. “A comunidade internacional pode desempenhar um papel importante em colocar forte pressão sobre os titulares para que se abstenham de ações inconstitucionais e (relutantemente) aceitem a derrota”.
Importantes políticos brasileiros como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, também reconheceram rapidamente a vitória de Lula. Segundo o índice, este rápido reconhecimento foi importante para que aliados de Bolsonaro aceitassem a derrota e não questionassem os resultados.
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