Jason Seaman, um professor de ciências da sétima série em Noblesville, Indiana, estava ajudando um aluno com um teste quando um colega voltou do banheiro, tirou uma arma do bolso e começou a atirar. Seaman, agora com 34 anos, jogou uma mini bola de basquete no aluno e depois atacou, desarmando-o rapidamente.
“Não havia escolha – era fazer alguma coisa ou morrer”, disse ele em entrevista no dia 24, relembrando o ataque em maio de 2018 que o deixou com ferimentos de bala no abdômen, antebraço e mão. “Quando se está nessa situação literal de vida ou morte, tenho certeza de que vou lutar.”
“Corra, se esconda, lute” tornou-se a orientação federal sobre como reagir a um ataque a tiros após o massacre na Sandy Hook Elementary School, em 2012, com os americanos encorajados a considerar o confronto com um atirador se não puderem fugir com segurança ou ficar fora de sua vista.
Nos anos seguintes, isso foi absorvido pelos americanos nas escolas, nos locais de trabalho e em sessões de treinamento privado, um mantra sombrio para uma nação com centenas de milhões de armas e onde os ataques a tiros em massa se tornaram uma praga cada vez maior.
Defensores de leis mais rígidas sobre armas afirmam que nenhum americano deveria ter de colocar seu corpo em risco diante de um atirador armado com armas de estilo militar em um salão de dança, um serviço religioso, um shopping, uma escola.
Mas em massacres nos últimos meses, o último recurso para lutar foi usado por espectadores que atacaram homens armados e os detiveram antes que pudessem continuar.
Em Colorado Springs, Colorado, em novembro, dois pedestres, incluindo um veterano do Exército, subjugaram fisicamente um atirador que havia entrado em uma boate e matado cinco pessoas em questão de segundos.
No ano passado, no subúrbio de Indianápolis, uma pessoa que passava armada pelo local matou um atirador que já havia matado três pessoas na praça de alimentação de um shopping.
E no meio de um ataque em massa no último fim de semana no Condado de Los Angeles, Califórnia, disseram as autoridades, um funcionário de um salão de dança tomou uma pistola das mãos do atirador. “Isso poderia ter sido muito pior”, disse o xerife Robert Luna, do Condado de Los Angeles.
Especialistas dizem que a intervenção do espectador em ataques a tiros ativos acaba com a ameaça em uma minoria significativa de casos, e as forças que levam as pessoas a intervir são variadas.
Mas, em muitas situações, esses espectadores não conseguiram correr ou se esconder, e ficaram presos em salas de aula ou igrejas com agressores armados com armas de alta potência.
Massacres com armas de fogo na Marjory Stoneman Douglas High School em Parkland, Flórida, na boate Pulse em Orlando, Flórida, e na Robb Elementary School em Uvalde, Texas, são exemplos de ataques em que policiais ou seguranças escolares foram criticados por serem lentos para ajudar civis uma vez que o massacre estava em andamento.
Alguns americanos confrontados por um atirador em incidentes mais recentes entenderam instantaneamente: eles estavam por conta própria.
“Sinto que as pessoas estão começando a perceber que o único que vai protegê-las são elas mesmo”, disse Jack Wilson, um comissário do Condado de Hood County, Texas, que dá aulas sobre porte de armas oculto. “As pessoas precisam estar dispostas a intervir para impedir esse tipo de problema.”
Ele já foi um desses espectadores: em 2019, Wilson estava participando dos cultos de domingo em sua igreja em White Settlement, Texas, quando um atirador abriu fogo, matando duas pessoas. Wilson sacou sua própria arma e atirou, matando o agressor com um único tiro.
“A única maneira em que os oficiais irão te ajudar é se eles estiverem na entrada da sua casa”, disse ele. “Isso não é uma crítica contra eles. Mas eles não podem estar em todos os lugares.”
Colocar o público como uma ferramenta de último recurso não fez com que o ritmo dos ataques em massa diminuísse. Este ano, pelo menos 69 pessoas morreram em pelo menos 39 ataques separados em que quatro ou mais pessoas foram feridas ou mortas, de acordo com o Gun Violence Archive.
“Se alguém está dizendo: ‘Estou ouvindo mais sobre atiradores ativos sendo atacados ou parados por civis’, pode ser verdade que isso esteja ocorrendo com mais frequência”, disse Adam Lankford, professor de criminologia da Universidade do Alabama. “Mas pode ser em função de haver mais ataques no total.”
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Às vezes, as intervenções dos espectadores tiveram consequências trágicas. Em 2019, Riley Howell, um estudante da Universidade da Carolina do Norte em Charlotte, foi baleado enquanto tentava deter um atirador, embora tenha conseguido atacar o agressor e prendê-lo. Howell, um ex-goleiro de futebol do ensino médio de 21 anos, morreu no ataque.
Defensores de leis mais rígidas sobre armas disseram que a atenção exagerada às intervenções de espectadores em ataques a tiros em massa pode desviar a atenção da questão mais profunda do ciclo implacável de violência armada no país.
“Em vez de nos concentrarmos no motivo pelo qual essas tragédias continuam acontecendo, nos concentramos nos atos heróicos do espectador”, disse Shannon Watts, fundadora da organização de controle de armas Moms Demand Action. “Devemos sempre chamar um herói de herói e agradecê-lo por abnegadamente colocar sua vida em risco. Mas me deixa com tanta raiva que nunca paramos para pensar sobre o fato de que não deveríamos estar pedindo aos civis comuns para serem heróis. Não quero que meu marido ou meus filhos tenham de ser heróis.”
Watts se opôs às respostas aos ataques em massa que pedem que mais pessoas estejam armadas com mais armas, observando que a América tem uma taxa de homicídios com armas de fogo que é 26 vezes maior do que em outras nações. “Existem 400 milhões de armas neste país”, disse ela. “Se as armas nos tornassem mais seguros, seríamos a nação mais segura do mundo.”
Durante os ataques em andamento, as faculdades e os departamentos de polícia às vezes postam nas mídias sociais incitando as pessoas a “correr, se esconder, lutar”, e a frase se tornou um elemento básico das sessões de treinamento de atiradores ativos oferecidas em escolas, empresas e locais religiosos. A frase, que o governo federal adotou da cidade de Houston, pegou.
Katherine Schweit, uma ex-funcionária do FBI que ajudou a desenvolver as diretrizes federais, disse que o treinamento com essa filosofia permite que as pessoas pensem em como podem querer responder muito antes de encontrarem um atirador.
“Ninguém deveria saber que você deve lutar – você não pode pedir isso a ninguém”, disse Schweit. “Mas você pode falar com eles sobre como as pessoas sobreviveram, e não em pequenos números. Muitas pessoas sobreviveram quando indivíduos assumiram a responsabilidade de intervir”.
‘Simulação de incêndio’
Jeffrey Kranz, subchefe de polícia da Marquette University em Milwaukee, disse que o treinamento “Corra, Esconda, Lute” agora é necessário para os calouros. Mas a maioria deles, disse ele, já havia recebido conselhos semelhantes quando mais jovens.
“É a simulação de incêndio moderna que passamos quando crianças”, disse Kranz.
Kranz disse que tem ensinado resposta de atirador ativo por cerca de 15 anos. Mas nos últimos anos, disse, ficou impressionado com o número crescente de estudantes que lhe dizem que tiveram uma conexão direta com um ataque a tiros em massa.
“Estou sempre surpreso agora com quantas pessoas tiveram algum nível de exposição”, disse ele. “Um membro da família, esteve presente em um desses eventos, conhece alguém que fez parte de um desses eventos.”
Edward Davis, um ex-comissário de polícia de Boston que era chefe do departamento na época do atentado à Maratona de Boston, disse que houve uma mudança no pensamento dos americanos tentando evitar ataques a tiros em massa e violência armada desenfreada.
“As pessoas agora pensam de forma diferente não apenas sobre estar em espaços públicos, mas também em espaços privados”, disse ele. “As pessoas têm um gene de autopreservação e esse gene ficou mais forte. Está se transformando em uma mentalidade de sobrevivência no Velho Oeste.”
“Não carrego uma arma desde que me aposentei, em 2013, mas estou pensando em fazer isso de novo quando estiver em público”, disse ele.
Mike Wright era o gerente do Luca Pizza di Roma em um shopping center de Greenwood, Indiana, em julho de 2022, quando um atirador saiu de um banheiro e abriu fogo, matando três pessoas antes de ser morto a tiros por uma testemunha armada, Elisjsha Dicken, que estava portando sua pistola 9 mm.
Wright elogiou Dicken como um “cidadão herói” que salvou vidas, mas disse que aqueles que, como ele, sobreviveram ainda mudaram. “Não é nada que você espera passar, mas agora vivemos em um mundo hediondo”, disse ele. Ele acrescentou: “Desde então, estou sempre em vigilância. Você nunca sabe quando alguém vai aparecer.”
Guy A. Relford, um advogado de Indiana que se concentra em questões da Segunda Emenda, que garante o direito de portar armas nos EUA, representa Dicken. Relford disse que o efeito sobre aqueles aclamados como heróis também pode ser intenso.
“Geralmente, por representar as pessoas em sua situação, é algo profundo e uma situação difícil de lidar”, disse ele. “Qualquer pessoa que valoriza a vida humana será impactada por tomar essa decisão.”
Os americanos têm se voltado cada vez mais para o treinamento de atiradores ativos para aprender estratégias para sobreviver a um ataque. Em Odessa, Texas, no dia 24, um pequeno grupo de moradores se reuniu no Departamento de Polícia da cidade para uma sessão sobre como reagir se confrontado por um atirador.
A sessão começou com um gráfico mostrando o aumento de ataques a tiros em massa nos Estados Unidos, desde o início dos anos 2000 até agora.
O policial Steven LeSueur disse aos participantes que leva cerca de três minutos para a polícia responder a um ataque. O que acontece nesses minutos pode significar a diferença entre vida, ferimento ou morte, disse ele, e se as pessoas decidirem lutar, precisam estar preparadas.
Joanna Wright, de 61 anos, observava com sua família por perto. Ela ficou abalada com um ataque nos arredores de Odessa em 2019, ocorrido perto da casa de seus netos. Ela compareceu ao curso sabendo que outro ataque sempre poderia acontecer.
“Isso me ensinou a refrescar meu cérebro e estar sempre alerta porque você nunca sabe o onde ou o quando”, disse ela.
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