Na guerra de Putin na Ucrânia, espere pelo inesperado; leia o artigo de Thomas Friedman

Toda guerra traz surpresas, mas o elemento mais marcante a respeito desta é a quantidade de surpresas ruins para Putin

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Por Thomas L. Friedman
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Toda guerra traz consigo surpresas, mas o elemento mais marcante a respeito da guerra de Vladimir Putin contra a Ucrânia — e indiretamente contra todo o Ocidente democrático — é a quantidade de surpresas ruins para Putin, até agora, e a quantidade de surpresas felizes para a Ucrânia e seus aliados ao redor do mundo.

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Por quê? Bem, estou bastante certo de que quando Putin estava planejando esta guerra, ele assumiu que, em até três semanas, proferiria um discurso de vitória no Parlamento Ucrânia dando boas-vindas ao país em seu retorno ao seio da Mãe Rússia.

Putin provavelmente também assumiu que o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, estaria exilado em algum airbnb polonês, que os soldados russos ainda estariam retirando de seus tanques as flores com que foram recebidos pelos ucranianos e que ele mesmo estaria celebrando com o presidente chinês, Xi Jinping, por ter mostrado à Otan e ao Sleepy Joe (Biden) quem estabeleceria as regras do sistema internacional daí adiante.

Bombeiros trabalham em escombros de edifício bombardeado em Kharkiv, na Ucrânia  Foto: Sergey Bobok/AFP

Em vez disso, os ucranianos deram aos russos um tutorial sobre como combater e morrer por liberdade e autodeterminação. Putin parece estar trancado dentro de sua própria câmara de isolamento antigermes, provavelmente preocupado com a possibilidade de qualquer oficial militar russo que se aproxime poder apontar-lhe uma arma. Zelenski discursou ao Congresso dos EUA virtualmente.

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Covid na China e o petróleo de Putin

E a globalização, em vez de acabar, testemunha indivíduos do mundo inteiro usando redes globais para monitorar e influenciar os rumos da guerra de maneiras totalmente inesperadas. Com alguns cliques, pessoas mandam dinheiro para dar apoio aos ucranianos e teclando um pouquinho dizem a todos no mundo, do McDonald’s ao Goldman Sachs, que devem se retirar da Rússia até que os soldados russos se retirem da Ucrânia.

Veja outra surpresa que poucos anteciparam — especialmente China e Rússia. A China fiou-se em suas próprias vacinas para combater a covid-19, juntamente com uma política de tolerância zero e quarentenas imediatas para evitar a disseminação do coronavírus. Contudo, as vacinas chinesas parecem menos eficazes do que as outras. E em razão da estratégia de quarentenas ter deixado a China menos imune em decorrência de surtos anteriores, o vírus agora está se espalhando como rastilho por lá.

Dezenas de milhões de habitantes de províncias e cidades chinesas, incluindo Pequim, Xangai e Shenzhen, estão sob lockdown em meio a um surto da variante Ômicron do coronavírus. Viagens entre cidades foram banidas, linhas de produção foram paralisadas e shopping centers foram fechados.

E o que isso faz? Mata a demanda por petróleo e baixa o preço do insumo — que, depois de se aproximar dos US$ 130 o barril por causa da guerra na Ucrânia, caiu abaixo dos US$ 100 na terça-feira. E que país precisa desesperadamente de preços altos de petróleo porque tem pouquíssimo mais o que vender ao mundo para financiar sua guerra? A Rússia de Putin. Portanto, a estratégia anticovid da China está comprometendo a estratégia petroleira de Putin — o que provavelmente prejudica o russo tanto quanto qualquer medida que os EUA estejam adotando. Ainda somos muito mais conectados do que somos capazes de perceber.

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Crueldade, coragem e bondade

Agora que passamos da fase inicial desta guerra, surpresas não param de aparecer. Para mim, as três maiores são os atos extraordinários de crueldade, coragem e bondade que esta guerra tem revelado e inspirado.

É o tipo de loucura perversa que vemos num amante desdenhado ou num “crime de honra”. E é chocante e aterrador vê-la manifestada pelo líder de uma superpotência que possui cerca de 6 mil ogivas nucleares. Há algo a respeito desse sujeito que prenuncia mais surpresas sinistras.

Enfermeiros transportam corpos em funerária de Hong Kong; território autônomo tem sido duramente afetado pela variante Ômicron na Chin Foto: Dale de la Rey/ AFP

A virtude das pessoas comuns

Sempre me impressiono com a coragem que pessoas aparentemente normais manifestam na guerra — neste caso, não apenas dos ucranianos, mas também dos russos que se recusam a comprar as mentiras de Putin, cientes de que ele está transformando seu país numa nação-pária.

Então, me maravilho com a coragem inspiradora demonstrada na noite da segunda-feira por Marina Ovsiannikova, funcionária da emissora de TV russa Primeiro Canal, que invadiu uma transmissão ao vivo do noticiário mais assistido no país gritando, “Pare a guerra!”, segurando um cartaz ao lado da apresentadora que dizia, “Estão mentido para você aqui”. Ela foi detida, interrogada e, por enquanto, libertada — provavelmente porque Putin temeu transformá-la em mártir.

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Marina Ovsyannikova — lembre-se deste nome. Ela ousou dizer ao czar que ele está nu. Que coragem.

Jornalista Marina Ovsyannikova protestou ao vivo contra a guerra na TV russa  Foto: EFE/EPA/DSK

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Doações via Airbnb

E finalmente, guerras também revelam atos extraordinários de bondade. Nesta guerra, alguns deles ocorreram espontaneamente e influenciaram de maneiras que ninguém esperava uma plataforma — o site de hospedagem Airbnb. Executivos do Airbnb afirmam que, no início de março, simplesmente perceberam que os membros de sua comunidade estavam usando a plataforma espontaneamente de uma maneira nova: transformando sua tecnologia para reservas num sistema de ajuda internacional feito em casa, de pessoa a pessoa.

Nas últimas duas semanas, de acordo com a empresa, pessoas de 165 países reservaram mais de 430 mil noites de hospedagem em lares ucranianos listados no Airbnb sem nenhuma intenção de se hospedar de verdade — simplesmente para doar dinheiro aos anfitriões ucranianos, em sua maioria desconhecidos. O Airbnb renunciou temporariamente às taxas que cobra de hóspedes e anfitriões na Ucrânia, então, todos os US$ 17 milhões levantados por essas reservas estão indo totalmente para os ucranianos. Hóspedes de EUA, Reino Unido e Canadá são os maiores doadores. Austrália, Alemanha e outros países europeus completam o top 10.

Além disso, até o domingo, cerca de 36 mil pessoas de 160 países se inscreveram na afiliada sem fins lucrativos da plataforma, Airbnb.org, para receber em suas casas refugiados em fuga da Ucrânia.

Seria impossível para a gigante Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) surtir tamanho impacto tão rapidamente.

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Muitos dos anfitriões ucranianos que receberam essas doações na forma de reservas escreveram aos seus doadores para agradecer, forjando novas amizades e ajudando os estrangeiros a entender o impacto desta guerra com uma profundidade muito maior. Não há nada melhor que se comunicar pessoalmente com ucranianos escondidos nos porões de suas casas explicando que você está feliz em poder alugar esse porão para jamais usá-lo. Isso cria uma comunidade de bondade que sozinha é incapaz de derrotar os tanques de Putin, mas que pode ajudar a dar apoio àqueles determinados em resistir, recordando-os de que eles não estão sozinhos — Putin é que está.

Não acho nada disso surpreendente. Sempre argumentei que globalização não trata apenas de comércio. Trata da capacidade de países, empresas e agora cada vez mais indivíduos se conectarem para agir globalmente. O circuito da humanidade faz os seres humanos quererem se conectar, e a conexão do mundo de hoje está facilitando e barateando que eles façam isso diariamente.

Por tudo isso, o que torna as surpresas felizes desta guerra tão surpreendentes é que elas apanharam de surpresa as pessoas responsáveis por elas. Mas devo avisar: outras surpresas virão — e nem todas serão felizes. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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