NIU-YORK, UCRÂNIA - Desde que a guerra começou no leste da Ucrânia, em 2014, a região lida com destruição e pobreza. Próximo a Fenolna, última estação de trem antes da zona de conflito, ocupada pelos separatistas, os moradores de Niu-York culpam Rússia e Ucrânia pela crise.
A cidade de 10 mil habitantes, a três quilômetros da linha de combate, foi fundada por imigrantes alemães em 1892 – e um deles era casado com uma americana, daí a homenagem a Nova York. Victor, de 53 anos, e seu filho Vitali vivem em um dos bairros mais castigados pela guerra. Várias residências foram abandonadas. Outras, destruídas.
Como muitos em Niu-York, Victor e Vitali não estão preocupados com a invasão russa, apesar dos quase 200 mil soldados mobilizados na fronteira. Victor, que é caminhoneiro, diz que já ouviu essa conversa de guerra antes. “Se a Rússia quisesse, tomaria a Ucrânia em dois dias”, disse. “Não acho que os russos farão isso.”
A guerra entre a Ucrânia e os separatistas apoiados pela Rússia começou em 2014 e deixou mais de 13 mil mortos. Se as previsões dos EUA, de que a Rússia pode atacar a qualquer momento, se concretizarem, Niu-York estaria bem no centro da área de combate. Mesmo assim, Victor não se assusta. “Tudo não passa de propaganda do governo”, disse.
Para ele, Rússia e Ucrânia são igualmente culpados pela crise. Victor diz que são os políticos que têm sido incapazes de encontrar um acordo, não as pessoas comuns. “As pessoas do outro lado são como nós”, afirmou. “Somos iguais.”
Para quem vive no leste da Ucrânia, não existe ameaça de guerra, pois os conflitos estão em andamento há oito anos. Habitantes da região afirmaram ao Estadão que convivem há anos com o risco de ataques de morteiros e lamentam que a violência tenha afastado investimentos e empregos.
A falta de trabalho é um problema crônico de Niu-York. Mesmo quem tem, ganha mal. O salário médio de US$ 70 (R$ 360) é insuficiente para se manter. Várias minas de carvão e fábricas da região fecharam, deixando as pessoas sem nada. “Temos de manter horta no quintal para sobreviver. Até mesmo eu, que tenho emprego”, afirmou Victor. “Vi aposentados comprando um pão, partindo em quatro e comendo um pedaço por dia. É terrível. A guerra paralisou tudo.”
Uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev constatou que um terço dos ucranianos afirma que pegaria em armas para proteger a Ucrânia caso os russos invadam o país, mas esse número é mais baixo no leste, onde a maioria dos habitantes tem origem russa. Por isso mesmo, muitos moradores do leste têm uma atitude mais positiva em relação à Rússia do que no restante da Ucrânia.
Diferenças
“Se a Rússia tentar ocupar as regiões de fala russa na Ucrânia, a maioria não fará objeção”, disse o analista ucraniano Volodimir Fesenko, que dirige o instituto Penta Center. “Mas haverá resistência ativa. Em todas as regiões de fala russa, há muitos nacionalistas, incluindo de origem russa.”
Fesenko diz que os habitantes do leste da Ucrânia estão cansados de uma guerra que dividiu famílias, afastou amigos e trouxe miséria. “Os moradores do leste são taxados de pró-Rússia, mas isso é um erro”, afirmou o analista ucraniano Andrei Buzarov, do instituto KyivStratPro. “Eles possuem uma visão mais pragmática do relacionamento com a Rússia, mas não são pró-Russia.”
De acordo com Buzarov, o governo de Kiev, entre outras manobras, aprovou uma lei determinando que toda a comunicação oficial ocorra em ucraniano, o que passou a ideia de exclusão deliberada da maioria das pessoas, que tem o russo como primeira língua. Além disso, segundo Buzarov, os líderes da Ucrânia nunca estiveram dispostos a abrir concessões para obter paz.
Paz a qualquer custo
A guerra no leste da Ucrânia começou após a Revolução Maidan, em 2014, quando milhares de ucranianos saíram às ruas para derrubar o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, um aliado do Kremlin. Ao perder o comando em Kiev, Vladimir Putin respondeu com a anexação da Crimeia e patrocinando a guerra separatista no leste do país.
O PIB ucraniano ainda não retomou os níveis anteriores a 2014, e a Ucrânia sofre com a inflação galopante e a desvalorização da grívnia, moeda local. Viktoria, de 60 anos, vende peixe no mercado de Niu-York. Ela afirma que tudo era muito melhor antes da revolução. O quilo do repolho custa agora US$ 1,80 (R$ 9,25), quatro vezes mais que em 2014, quando os salários eram mais altos.
Mesmo que alguns ainda apoiem a revolução, Viktoria não tem certeza se foi a coisa certa a se fazer. “Antes as lojas funcionavam e todos tinham emprego”, disse. “É por isso que não acho que a Rússia vá nos atacar. O que eles ganhariam com isso? Não há nada para conquistar aqui.”
Viktoria diz que a Ucrânia deveria fazer de tudo para obter a paz, mesmo que isso signifique desistir de entrar na Otan ou na União Europeia. “Faz sentido a Rússia querer que não nos juntemos à Otan”, afirmou ao Estadão o aposentado Serguei, que trabalhava em uma das minas que foi fechada. “A Rússia não quer mísseis americanos aqui. Acho que deveríamos parar de falar em Otan.”
Nacionalismo
Victor, o caminhoneiro de Niu-York, mostra como a guerra pode ser desgastante. Ele conta que as crianças aprenderam a distinguir os tipos de granadas e equipamentos militares com base no som. “Não deveria ser assim”, disse. “Mas, se a Rússia atacar mesmo, não sairei daqui. Quem sabe? Talvez minha vida seja melhor do lado russo.”
Enquanto muita gente em Niu-York deseja a paz a qualquer custo – mesmo perdendo a soberania –, Nikolai Kurokh, de 30 anos, da cidade vizinha de Toretsk, é um exemplo de como uma eventual ocupação russa pode ser custosa para Putin. Ele diz que odeia a Rússia. Kurokh serviu o Exército ucraniano e hoje é encanador. “Não acho que a Rússia vá atacar”, afirmou. “Mas, se atacarem, ficarei para lutar.”
Com experiência militar, ele poderia fazer parte de milícias que resistiriam à ocupação. “Muitos dizem que se importam com o que vai acontecer. Isso ocorre simplesmente porque as pessoas daqui passaram por muita coisa ruim nos últimos anos. E isso não mudará se a Rússia nos invadir.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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