Em seu aniversário de 75 anos, populistas e nacionalistas assombram a festa da Otan

Ameaças às alianças ocidentais existem tanto dentro quanto fora da Aliança do Atlântico Norte

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Por The Economist

Em sua primeira cúpula com líderes europeus, em 2021, após anos de convulsões sob Donald Trump, Joe Biden vibrou: “Os EUA estão de volta”. Ao que o presidente francês, Emmanuel Macron, respondeu com uma pergunta: “Por quanto tempo?”. Essa pergunta ressoará mais ruidosamente que nunca com os líderes da Otan reunidos em Washington até 11 de julho.

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Biden figura atrás de Trump nas pesquisas sobre a disputa pela Casa Branca. O próprio Macron quase foi varrido por uma onda populista. E o chanceler alemão, Olaf Scholz, definha nas pesquisas. Keir Starmer, que assumiu como novo primeiro-ministro do Reino Unido na semana passada, poderá sentir que está participando da última ceia da Otan, não de sua festa de 75 anos.

Tudo deveria ser muito diferente: uma celebração da aliança mais bem-sucedida do planeta, criada em 1949, nos primeiros momentos da Guerra Fria. Sua longevidade desafiou críticos por décadas. E seu propósito foi amargamente reafirmado pela invasão total da Rússia à Ucrânia.

Líderes do países-membro da Otan se reúnem para uma cúpula que celebra os 75 anos da aliança em Washington, EUA Foto: Evan Vucci/AP

Mas a Otan passou novamente a temer por seu futuro. Em parte por causa de ameaças externas, mas principalmente em razão das convulsões internas que deverão ocorrer caso céticos em relação à Otan como Trump e Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita Reagrupamento Nacional, chegarem ao poder no próximo ano e em 2027, respectivamente.

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A incerteza transbordará da Otan para as alianças globais dos EUA — o que não poderia ocorrer em momento pior. Os perigos para o mundo democrático são maiores hoje do que em qualquer outro ponto desde o fim da Guerra Fria. A Rússia invadiu a Ucrânia em 2022 e tem ameaçado usar armas nucleares.

A China ameaça Taiwan, uma ilha autogovernada que Pequim reivindica como sua, e está intimidando vizinhos como as Filipinas. Rússia e China intensificaram sua parceria “sem limites” e ambos os países se aproximaram de outras autocracias eurasiáticas. O Irã também vendeu drones e mísseis balísticos para a Rússia. Similarmente, a Coreia do Norte enviou centenas de milhares de projéteis de artilharia para Moscou e acaba de assinar um pacto de defesa-mútua com os russos.

Para se contrapor a esse eixo de autocracias, Biden revitalizou alianças dos EUA com democracias e outros parceiros. A Otan foi fortalecida e ampliada. Os aliados asiáticos estão se robustecendo e cada vez mais parecidos com a aliança atlântica. E ambos os grupos estão cooperando mais proximamente. “A capacidade singular dos EUA de unir países é fonte inegável da nossa força e do nosso poder”, afirmou Biden em seu discurso para marcar o 80.º aniversário do Dia D, no mês passado. Mas será que os eleitores vão desfazer seus esforços?

Em 1796, George Washington instou a jovem república americana a “afastar-se de alianças permanentes” com potências estrangeiras. Desde a 2.ª Guerra, porém, os EUA assinaram acordos de defesa com cerca de 60 países, dependendo da maneira que a conta é feita, prometendo defender aproximadamente 25% da população do planeta e 65% de seu PIB (veja o gráfico). Essas alianças sobreviveram à Guerra Fria em parte porque tornaram-se institucionalizadas e em parte porque encontraram novas missões ou redescobriram incumbências antigas.

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Na Europa, os EUA criaram uma aliança de defesa coletiva com base no Artigo 5.º do tratado da Otan, segundo o qual um ataque armado contra um aliado equivale a um ataque contra todos. Na Ásia, enquanto isso, Washington estabeleceu um sistema centralizado, no qual os países mantêm pactos de defesa com os americanos mas normalmente não entre si. Entre eles está o tratado Anzus, com Austrália e Nova Zelândia, e pactos firmados separadamente com Japão, Coreia do Sul, Filipinas e Tailândia. Os EUA têm relações de defesa próximas com Israel e Taiwan, apesar de mais ambíguas que as alianças com base em tratados. Além disso, há uma nuvem difusa de parcerias mais frouxas de segurança.

Acadêmicos discordam sobre a questão dessas alianças estimularem a guerra ou garantirem segurança. Mesmo as alianças mais próximas sofrem pressão: os protetores EUA temem ficar capturados; os protegidos temem ser abandonados. Os dilemas nucleares são ainda mais acentuados. O finado ex-presidente francês Charles de Gaulle afirmou que os americanos não sacrificariam Nova York para defender Paris. Ainda assim, a maioria dos aliados busca abrigo sob o guarda-chuva nuclear dos EUA; que Washington amplia para limitar a proliferação nuclear.

Demonstrar o comprometimento americano envolve um esforço constante: exercícios frequentes, acionamentos militares, mobilização antecipada de forças convencionais e, no caso da Otan, compartilhar com os aliados missões relacionadas a armas nucleares. O inconveniente é que os aliados inevitavelmente se beneficiam sem coçar muito o bolso. Os EUA se queixam desde o tempo de Dwight Eisenhower sobre seus aliados europeus economizarem em defesa.

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Enquanto Trump cogitou deixar a Otan, Biden dobrou a aposta na aliança. Com a entrada da Finlândia e da Suécia, o quadro de membros do clube aumentou para 32 países. A cúpula do ano passado, em Vilna, aprovou os primeiros planos detalhados da Otan para defender territórios aliados desde a Guerra Fria. O gasto em defesa está aumentando na Europa. Neste ano, 23 aliados deverão cumprir ou exceder (em alguns casos por grandes margens) a meta de gasto de 2% do PIB em defesa, contra três em 2014, quando o parâmetro foi formalizado.

A tarefa mais imediata da Otan será continuar a dar apoio à Ucrânia, agora no terceiro ano de sua guerra, conforme as forças russas tentam avançar. A cúpula endossará um plano para a Otan assumir a coordenação da ajuda militar à Ucrânia, até aqui coordenada pelo Pentágono, e o treinamento para as forças ucranianas. Os amigos da Ucrânia forneceram cerca de € 297 bilhões (US$ 319 bilhões) em ajuda econômica e militar desde o início de 2022, cerca de 60% oriundos de países europeus, de acordo com os registros mais recentes do Instituto Kiel, na Alemanha.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zeleski, fala no Instituto Ronald Reagan no dia de abertura da Cúpula da Otan em 9 de julho em Washington Foto: Jose Luis Magana/AP

A interrupção de meses no envio dos armamentos americanos em razão de adiamentos no financiamento do Congresso americano alerta os aliados europeus no sentido de que eles precisam se esforçar mais, por anos, para a Ucrânia sobreviver. Uma questão delicada será como sinalizar que a Ucrânia está se aproximando da Otan sem prometer-lhe adesão em tempo de guerra, ao que EUA e Alemanha particularmente se opõem.

No Indo-Pacífico, enquanto isso, a China acusa os EUA de construírem uma “Otan asiática”. O que é distante da realidade. Não obstante, os EUA e seus aliados estão tecendo uma “treliça” de acordos cada vez mais densa para conectar as várias engrenagens militares. Os pactos incluem o Aukus, com o Reino Unido, para fornecer à Austrália submarinos movidos a energia nuclear e desenvolver conjuntamente outros armamentos; a cooperação com o Japão e a Coreia do Sul para defesa contra mísseis balísticos; um contrato industrial-militar com a Índia para a construção de motores de jatos; o acordo com as Filipinas para garantir aos EUA acesso a várias bases do país asiático; e vários pactos para produzir portos-seguros às forças uns dos outros. O Japão também está criando, pela primeira vez, um quartel militar conjunto para coordenar forças aéreas, navais e terrestres. Os EUA, de sua parte, terão de reformular diretrizes de comando para operar em completa integração com os japoneses.

Questionado sobre haver ou não a necessidade de uma Otan asiática, o almirante Samuel Paparo, chefe do Comando do Indo-Pacífico dos EUA, que poderia coordenar qualquer guerra contra a China, esquivou-se recentemente: “Neste momento, não considero necessário a região se unir em um tratado para uma organização maior”. Mas, argumentou ele, os aliados possuem “capacidade técnica” para se transformar em uma aliança regional “se houver ameaça considerável no Pacífico”.

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Estrategistas americanos buscam há muito incrementar os laços entre seus aliados orientais e ocidentais. Uma ideia, de 2004, é criar uma “Aliança das Democracias”, com 60 membros, para superar tanto as limitações geográficas da Otan quanto a paralisia da Organização das Nações Unidas. Outra é expandir o G-7 — “o conselho diretor das grandes democracias”, conforme classifica o secretário de Estado americano, Antony Blinken — para a inclusão de mais aliados do Indo-Pacífico.

Algumas incluiriam Coreia do Sul e Austrália (e a União Europeia) na criação de um “D-10″, o Grupo das 10 maiores democracias; outras também incluiriam a Nova Zelândia e a própria Otan em um G-12. O grande prêmio geopolítico, mas ainda não concretizado, é a Índia — que se aproximou cautelosamente do Ocidente ao mesmo tempo permanecendo amigável na relação com a Rússia.

A cooperação entre Oriente e Ocidente sem dúvida cresceu. O Japão aderiu às sanções contra a Rússia; a Austrália e a Coreia do Sul forneceram armas vitais para a Ucrânia. Os aliados europeus estão demonstrando um interesse maior no Oriente. O Conceito Estratégico da Otan de 2022 notou pela primeira vez os “desafios sistêmicos” representados pela China. Alguns europeus conduzem patrulhas em nome da “liberdade de navegação” no Estreito de Taiwan. Líderes asiáticos são convidados regularmente para cúpulas da Otan e do G-7. Mas Alexander Lanoszka, da Universidade de Waterloo, no Canadá, argumenta que a cooperação será limitada por comedimentos e hesitações de ambos os lados.

Biden com frequência divide o mundo entre autocracias e democracias, uma classificação imperfeita, que arrisca alienar amigos e potenciais aliados não democráticos como Vietnã e Arábia Saudita. Mas à medida que alianças rivais se formam, a história sugere que as democráticas tendem mais a manter-se unidas e seus membros tendem mais a lutar uns pelos outros, afirma Matthew Kroenig, do Atlantic Council, um instituto de análise americano. Pactos entre autocratas tendem a mais fraturas (por exemplo, a Alemanha nazista traiu a União Soviética em 1941).

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O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, e o presidente dos EUA, Joe Biden Foto: Evan Vucci/AP

Plateias difíceis

A ascensão do populismo nacionalista no Ocidente poderá colocar em teste a proposição. Tipos como Recep Tayyip Erdogan e Viktor Orbán, os líderes da Turquia e da Hungria, têm atrapalhado os rumos da Otan, recentemente atrasando as adesões de Finlândia e Suécia. Mas o desafio agora é de outra ordem.

Trump prometeu acabar com a guerra na Ucrânia rapidamente, sem fornecer detalhes. Seus asseclas sugerem que ele ameaçaria suspender o envio de armas para os ucranianos se Kiev não concordar em sentar-se para negociar a paz (e no outro sentido diria à Rússia que os EUA removeriam todas as restrições sobre fornecimento de armamentos se Moscou não quiser conversar). Sua ameaça de rejeitar completamente a Europa é mais grave. Trump chocou parceiros dos EUA em fevereiro quando disse num comício que não defenderia aliados “delinquentes” (por exemplo, países que não gastam 2% do PIB em defesa) dos russos. “Na verdade, eu os encorajaria a fazer o que bem entendessem.” Ele repetiu a ameaça em seu recente debate com Biden.

Talvez o poder e o obscurecimento do equilíbrio geopolítico aplaquem os impulsos antialiança de Trump. Afinal, a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, e seu partido têm mostrado que é possível ao mesmo tempo ter raízes no fascismo, apoiar a Otan e a Ucrânia e ganhar eleições. Mesmo assim, nacionalistas e populistas se provarão prejudiciais. Seu desprezo por elites e estrangeiros destoa das ideias que fundamentam as alianças: compartilhar responsabilidades e riscos em nome da segurança comum. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO