Embaixada russa rebate exilados críticos de Putin e diz que agem pagos por agências ocidentais

Trio de opositores declarados detalhou cerco ‘brutal’ às liberdades civis e políticas na Rússia e contestou razões para guerra na Ucrânia, durante entrevista exclusiva ao Estadão

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - A Embaixada da Rússia no Brasil reagiu às declarações de ativistas russos que vivem exilados na Europa e apontaram um cerco “brutal” às liberdades civis em seu país de origem, em entrevista exclusiva ao Estadão. Procurada pelo jornal para se manifestar sobre o teor das críticas e acusações ao governo de Vladimir Putin, a embaixada desacreditou o trio e afirmou que foram pagos por “agências ocidentais”.

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No fim de novembro, os advogados Grigori Vaipan, de 34 anos, Tamilla Imanova, de 28 anos, ambos do Memorial Human Rights Defence Centre, e a jornalista Daria Guskova, de 29 anos, do site independente Mediazona, vieram ao Brasil. Um de seus compromissos foi uma entrevista exclusiva ao jornal.

O teor foi publicado neste sábado, dia 14, em dois capítulos. Eles detalham o recrudescimento da repressão russa e analisam de forma crítica os desdobramentos geopolíticos da guerra na Ucrânia, ponto de partida, em sua avaliação, da ofensiva para calar opositores, o rompimento com o Ocidente e a conversão de Putin em “ditador”.

O embaixador russo Alexei Labetskii: para embaixada, ativistas visam apenas ganhar alguns pontos políticos ao denegrir imagem do país  Foto: Felipe Frazão

Os ativistas contaram experiências pessoais no exílio, discutiram quem pode liderar a oposição russa no futuro, falaram sobre o rastreamento das crianças ucranianas raptadas e acusaram Putin de fazer “chantagem nuclear” com míssil hipersônico Oreshnik.

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Também rechaçaram as sugestões e propostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para realizar um referendo popular em territórios ocupados como forma de pôr fim à guerra, bem como o plano elaborado por Brasil e China para conter o enfrentamento e fomentar a negociação. O Palácio do Planalto não quis comentar.

Entre outros pontos, a embaixada afirmou que os comentários dos opositores sobre a guerra na Ucrânia - que chamam oficialmente na Rússia de “operação militar especial” - nem sequer merecem reparos. Para os ativistas, as alegações oficiais do governo russo são meramente “propaganda” usada como pretexto para tomar à força território da Ucrânia.

“Os comentários sobre o início da operação militar especial nem merecem críticas. As razões para o início da operação são bem conhecidas e foram reafirmadas pelo presidente Vladimir em diversas ocasiões: desmiltarização e desnazificação da Ucrânia. A tese de ‘conquista do território ucraniano’ é simplesmente ridícula: em 29 de setembro de 2022 foram realizados os pleitos populares nas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, em Zaporozhskaya e Khersonskaya oblast sobre adesão dessas regiões à Federação da Rússia. Os resultados são bem conhecidos e consagrados na nossa Constituição”, afirmou a embaixada.

Liderada pelo embaixador Alexei Labestkii, a representação russa também rebateu as acusações sobre mudanças em leis para conter críticas no país, sobretudo os novos artigos contra supostas “desinformação” e “descredibilização”, tendo como pano de fundo a guerra na Ucrânia. Esses são dois dos quatro pontos-chave da repressão, segundo os defensores de direitos humanos. Os demais seriam as classificações de pessoas e entidades como “agente estrangeiro” ou “organização indesejada”.

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Grigori Vaipan, Tamilla Imanova e Daria Guskova relatam a ofensiva para calar opositores desde o rompimento de Putin com o Ocidente a partir da invasão da Ucrânia, em 2022 Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

A embaixada afirmou ainda que a designação de veículos de imprensa como “agente estrangeiro” ocorre apenas como o reconhecimento de um fato de que elas recebem financiamento externo, mas pontuou que não os impede de operar o país “sem obstáculos”. No entanto, a chancelaria russa em Brasília confirmou que as suas publicações requerem o uso de rótulos.

“O nosso reconhecimento de alguns destes meios de comunicação como agentes estrangeiros nada mais é do que uma declaração de fatos. No entanto, ao contrário dos Estados Unidos, na Rússia esses meios de comunicação podem continuar as suas atividades jornalísticas sem obstáculos, receber acreditação para eventos e publicar materiais, sujeitos a requisitos de rotulagem e reportagem”, diz o comunicado russo.

A embaixada disse que as decisões de eventual bloqueio na veiculação de conteúdo por mídias estrangeiras passam pelo crivo de autoridades competentes e têm justificativa em fatos específicos. Em junho deste ano, por exemplo, a Rússia determinou a suspensão de 81 veículos de imprensa de origem europeia, em retaliação à restrição imposta pela União Europeia a quatro veículos controlados pelo Kremlin.

“Na Rússia, está bloqueada apenas a transmissão dos meios de comunicação que violam as normas da legislação russa. Por trás de cada bloqueio está uma decisão das autoridades judiciais baseada em fatos específicos. No Ocidente, as proibições são uma medida puramente política, à qual se recorre sem qualquer pontada de consciência sob os slogans de ‘combate à propaganda russa’. Isto é um claro desrespeito pelas normas de uma sociedade democrática, um claro exemplo da ditadura do neoliberalismo”, disse a representação de Moscou.

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Embaixada russa acusa os ativistas opositores de espalhar falsidades e difamar a imagem do país durante visita ao Brasil Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

A embaixada russa afirmou ainda que o trio de opositores tenta “difamar a imagem da Rússia” por meio de “falsidades” e de versões “enganosas” sobre o que ocorre no país. A embaixada também levantou um suposto elo financeiro - acusou os exilados de estarem sendo “remunerados, sem dúvidas, por agências ocidentais”.

“Nosso país sempre reconheceu grandes lutadores por direitos humanos, políticos e ativistas, porém todos eles tinham algo em comum – sentido de amor profundo pela sua pátria. Infelizmente, ao que tudo indica, essas três pessoas apenas visam ganhar alguns pontos políticos ao denegrir o nosso país, em vez de tentar contribuir para o bem e para os interesses do nosso povo”, afirmou a diplomacia russa no País.

Leia a íntegra da nota da Embaixada da Rússia no Brasil

A Embaixada da Rússia no Brasil recebe com profunda perplexidade e surpresa as notícias de que os tais chamados ativistas de direitos humanos e os “membros da oposição russa” (que sequer são conhecidos por alguém na Rússia) ganham destaque nas manchetes num dos maiores jornais do país por meios de contar coisas falsas, enganosas e por difamar a imagem da Rússia.

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Nosso país sempre reconheceu grandes lutadores por direitos humanos, políticos e ativistas, porém todos eles tinham algo em comum – sentido de amor profundo pela sua Pátria. Infelizmente, ao que tudo indica, essas três pessoas apenas visam ganhar alguns pontos políticos ao denegrir o nosso país, em vez de tentar contribuir para o bem e para os interesses do nosso povo.

Agora, vamos desmascarar algumas mentiras proferidas por essas pessoas. Sobre suposto “cerceamento massivo à liberdade de expressão e à política” em si no país e sobre “agentes estrangeiros”.

Vale a pena lembrar que no Ocidente apenas os meios de comunicação social que recebem financiamento ocidental e servem os interesses ocidentais são classificados como “independentes”. Neste sentido, o nosso reconhecimento de alguns destes meios de comunicação como agentes estrangeiros nada mais é do que uma declaração de fatos. No entanto, ao contrário dos Estados Unidos, na Rússia esses meios de comunicação podem continuar as suas atividades jornalísticas sem obstáculos, receber acreditação para eventos e publicar materiais, sujeitos a requisitos de rotulagem e reportagem.

Na Rússia, está bloqueada apenas a transmissão dos meios de comunicação que violam as normas da legislação russa. Por trás de cada bloqueio está uma decisão das autoridades judiciais baseada em fatos específicos. No Ocidente, as proibições são uma medida puramente política, à qual se recorre sem qualquer pontada de consciência sob os slogans de “combate à propaganda russa”. Isto é um claro desrespeito pelas normas de uma sociedade democrática, um claro exemplo da ditadura do neoliberalismo.

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Quanto à responsabilidade pela divulgação de “notícias falsas”, dando continuidade ao tema do abuso de conceitos que não têm segurança jurídica, importa salientar que na Rússia, no que diz respeito às notícias falsas, são inequívocas e não permitem definições de dupla interpretação são utilizados os consagrados em leis, que permitem estabelecer e comprovar judicialmente a prática de um delito sob a forma de divulgação de um determinado tipo de informação falsa destinada a minar a segurança do Estado e perturbar a ordem pública. Tais medidas não contradizem de forma alguma os documentos fundamentais no domínio da proteção dos direitos humanos, incluindo os consagrados no artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e no artigo 19.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966.

Os comentários sobre o início da Operação Militar Especial nem merecem críticas. As razões para o início da Operação são bem conhecidas e foram reafirmadas pelo Presidente Vladimir em diversas ocasiões: desmiltarização e desnazificação da Ucrânia. A tese de “conquista do território ucraniano” é simplesmente ridícula: em 29 de setembro de 2022 foram realizados os pleitos populares nas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, em Zaporozhskaya e Khersonskaya oblast sobre adesão dessas regiões à Federação da Rússia. Os resultados são bem conhecidos e consagrados na nossa Constituição.

Afinal das contas, queria enfatizar quem tenho profundo respeito ao jornalismo brasileiro, que é composto por profissionais de alto escalão, mas é lamentável e traz muita perplexidade o fato de que tais “ativistas”, que estão sendo remunerados, sem dúvidas, por agências ocidentais, ganham palco num dos maiores e mais respeitados jornais do Brasil.

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