Com tantos problemas políticos, econômicos e sociais para enfrentar, como Reforma Tributária, Reforma Administrativa, regulamentação do garimpo em terras indígenas e uma dezena de outros temas de grande relevância, o Senado preferiu legislar em causa própria e reviver uma emenda à Constituição (PEC 34/2021) que permitirá, se aprovada, a designação de parlamentar (Deputado ou Senador) para chefia de Missão diplomática de caráter permanente sem perda de mandato do parlamentar designado.
O Itamaraty está em pé de guerra contra a PEC que permite deputados e senadores serem nomeados embaixadores sem perda de mandato. Será o fim da política externa como vemos hoje.
Na justificativa, entre outros argumentos discutíveis, Davi Alcolumbre, autor da proposta, diz que essa restrição é uma “discriminação odiosa aos parlamentares”, e critica aqueles que apontam a indicação de Deputados e Senadores para a Chefia de Embaixadas como o sequestro da política internacional pela “política miúda, fisiológica, em troca de apoio ao Chefe do Poder Executivo”.
A emenda constitucional vai contra 200 anos de Cartas Magnas anteriores e não se coaduna com a longa história e com a forma de funcionamento da diplomacia brasileira. O regime atual resguarda o equilíbrio imprescindível entre os Poderes, em que o Executivo propõe e o Legislativo avalia, com as necessárias isenção e objetividade, as designações a chefias de missão diplomática.
O modelo vigente obedece, ainda, à relação hierárquica que garante a unidade e a coerência da política externa brasileira. Por definição e por força de suas prerrogativas constitucionais, fundamentais ao exercício de suas altas funções no Congresso Nacional, os parlamentares não se submetem à hierarquia inerente ao serviço exterior brasileiro.
Caso seja aprovada, a designação de congressistas para funções do Executivo sem perda de mandato pode interferir na operação e execução da política externa. Não se pode excluir a possibilidade de interesses de Estado, nacionais, acima de partidos e ideologias, defendidos pela política externa, não coincidirem com prioridades regionais e partidárias que poderiam influir na ação externa do parlamentar, incluindo com a provocação, por parte dele, de interferência do Congresso, contra uma ação diplomática a favor dos interesses maiores do país, definidos pelo Executivo.
Além desse aspecto político negativo, deve-se atentar para o fato de que o congressista designado para a chefia de uma embaixada será substituído por seu suplente, em muitos casos parente próximo ou financiador de sua campanha eleitoral, criando uma renovada situação de compadrio pouco saudável para a democracia.
Essa iniciativa é mais uma atitude que desmerece o Congresso por beneficiar interesses políticos menores propiciando barganhas, nem sempre republicanas com o Executivo, como estamos acompanhando com a prática de verbas secretas e orçamento paralelo, aproveitando a fragilidade do Executivo neste momento. Não estamos em um regime parlamentar, nem semipresidencialista.
*É PRESIDENTE DO IRICE E EX-EMBAIXADOR DO BRASIL EM WASHINGTON E LONDRES
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