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Empresa de hackers de Israel manipulou 33 eleições no mundo, indica investigação

Ferramenta criou quase 40 mil perfis falsos e assumiu o controle dos sistemas de mensagens de várias autoridades africanas de alto escalão, por exemplo; África foi o continente mais manipulado

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Por Redação
Atualização:

Uma equipe de hackers israelenses que afirmam ter manipulado 33 eleições presidenciais em todo o mundo usando perfis falsos e desinformação automatizada nas mídias sociais foi exposta em uma nova investigação. Uma ação conduzida pelo jornal isralense Haaretz em parceria com o britânico Guardian mostra como foi a atuação da chamada unidade “Team Jorge”.

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A unidade é dirigida por Tal Hanan, um ex-agente das forças especiais israelenses de 50 anos que agora trabalha para o setor privado usando o pseudônimo “Jorge”, e parece ter manipulado eleições em vários países por mais de duas décadas. Ele está sendo desmascarado por um consórcio internacional de jornalistas.

Três jornalistas (da Radio France, do Haaretz and do TheMarker) de um consórcio que inclui repórteres de 30 veículos - como Le Monde, Der Spiegel e El País - fingiram ser possíveis clientes para coletar informações durante vários meses sobre o “Team Jorge”. O projeto foi coordenado pelo grupo Forbidden Stories (“Histórias Proibidas”, em tradução literal), uma organização sem fins lucrativos francesa cuja missão é prosseguir com o trabalho de repórteres assassinados, ameaçados ou presos.

Caso de desaparecimento dos 43 estudantes continua sem muitas respostas no México  Foto: Henry Romero/REUTERS

Hanan disse aos repórteres disfarçados que seus serviços estavam disponíveis para agências de inteligência, campanhas políticas e empresas privadas que queriam manipular secretamente a opinião pública. Ele disse que eles foram usados em toda a África, América do Sul e Central, EUA e Europa.

Os encontros com Hanan ocorreram por meio de videochamadas e uma reunião presencial na sede do “Team Jorge”, um escritório não identificado em um parque industrial em Modi’in, a 32 quilômetros de Tel-Aviv.

De acordo com o Guardian, na primeira conversa com os jornalistas disfarçados, Hanan disse que o grupo estava envolvido em uma eleição na África. “Temos uma equipe na Grécia e uma equipe nos Emirados. Concluímos 33 campanhas presidenciais, 27 foram bem-sucedidas”, completou. Mais tarde, ele disse que estava envolvido em dois “grandes projetos” nos EUA, mas alegou não se envolver diretamente na política americana.

Perfis falsos e notícias falsas

Nas 33 eleições em que atuou, a maioria na África, a empresa usou uma plataforma digital, a AIMS, desenvolvida ao longo de seis anos, que lhe permitia criar inúmeras contas falsas nas redes sociais e, sobretudo, ativá-las e alimentá-las, explica o grupo de jornalistas Forbidden Stories. O pacote de software sofisticado, controla os perfis falsos no Twitter, LinkedIn, Facebook, Telegram, Gmail, Instagram e YouTube. Alguns avatares ainda têm contas da Amazon com cartões de crédito, carteiras de bitcoin e contas do Airbnb..

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Desde janeiro de 2023, o sistema explorou 39.213 perfis falsos, “que poderiam ser consultados em uma espécie de catálogo”. Nele, há “avatares de todas as etnias, nacionalidades, gêneros, solteiros, ou casados... Seus rostos são retratos de pessoas reais tirados da Internet, e seus patronímicos, a combinação de milhares de nomes e sobrenomes próprios armazenados em um banco de dados”, explicou a Radio France.

“Para demonstrar a eficácia de uma de suas ferramentas, Jorge assumiu o controle dos sistemas de mensagens de várias autoridades africanas de alto escalão. ‘Estamos dentro’, disse aos jornalistas que viram duas contas do Gmail, um Google Drive e um diretório, assim como uma série de contas do Telegram”, relata o Forbidden Stories.

Uma vez infiltrado nos sistemas, Jorge conseguia “se fazer passar pelo dono e trocar com seus contatos”, acrescenta o coletivo. A empresa também pode lançar operações para pressionar pessoas importantes em processos decisórios, ou jornalistas, em nome de seus clientes.

Grande parte de sua estratégia parecia ser sabotar campanhas rivais. Segundo o Guardian, a equipe até alegou ter enviado um brinquedo sexual entregue pela Amazon para a casa de um político, com o objetivo de dar à mulher dele a falsa impressão de que ele estava tendo um caso.

Os métodos e técnicas descritos pelo “Team Jorge” levam a novos desafios para as grandes plataformas de tecnologia, que há anos lutam contra a disseminação de fake news em suas plataformas.

México e Espanha

Além dos países na África, a Espanha e o México também foram alvos da manipulação da empresa israelense.

No México, a empresa teria atuado em favor de Tomás Zerón, ex-funcionário do governo investigado pelo desaparecimento de 43 estudantes em 2014. Envolvido na aquisição do programa de espionagem Pegasus pelas autoridades mexicanas, Zerón está foragido em Israel, que rejeita sua extradição.

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Zerón, chefe da Agência de Investigação Criminal de 2013 a 2016, é acusado de sequestro, tortura e manipulação de provas, no caso do desaparecimento dos jovens de Ayotzinapa, localidade do Estado de Guerrero.

Na Espanha, “Team Jorge” teria influenciado o referendo, não reconhecido pelo governo espanhol, organizado pelos separatistas catalães em 2014, diz o site da Radio France.

Valores

O jornal The Guardian afirma que a empresa israelense disse aceitar pagamentos em várias moedas, incluindo criptomoedas ou dinheiro. Hanan disse que cobraria entre € 6 milhões e € 15 milhões para intervir em eleições.

No entanto, e-mails vazados para o jornal britânico mostram Hanan citando taxas mais modestas. Um de 2015 mostra que ele pediu US$ 160 mil da agora extinta consultoria britânica Cambridge Analytica para se envolver em uma campanha de oito semanas em um país latino-americano.

Em 2017, Hanan novamente tentou trabalhar para a Cambridge Analytica, desta vez no Quênia, mas foi rejeitado pela consultoria por motivos financeiros. Não há evidências de que qualquer uma dessas campanhas tenha ido adiante. Outros documentos vazados, no entanto, revelam que, quando o “Team Jorge” trabalhou secretamente na corrida presidencial nigeriana em 2015, o fez ao lado da Cambridge Analytica.

A Cambridge Analytica trabalhou em diversas campanhas ao redor do mundo, como na que levou à vitória de Donald Trump nos EUA, e a do Brexit, no Reino Unido. / AFP e NYT

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