Empréstimos da China, credora implacável, levam países mais pobres do mundo ao colapso financeiro

Países precisam pagar empréstimos a juros alto e têm dificuldades em manter escolas abertas, fornecer eletricidade e importar alimentos e combustíveis

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Por Bernard Condon

ASSOCIATED PRESS - Uma dúzia de países pobres enfrenta instabilidade econômica e está diante até de um colapso de suas economias sob o peso de centenas de bilhões de dólares em empréstimos contraídos no exterior, muitos deles de um dos maiores e mais implacáveis credores governamentais, a China. Uma análise da Associated Press de uma dúzia de países endividados com a China — incluindo Paquistão, Quênia, Zâmbia, Laos e Mongólia — constatou que os pagamentos dessas dívidas dificultam a prestação de serviços públicos básicos.

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Alguns países têm dificuldades em manter escolas abertas, fornecer eletricidade e importar alimentos e combustíveis. As dívidas drenam as reservas em moeda estrangeira desses países, que são usadas para pagar os juros desses empréstimos. Estima-se que um terço das receitas dessas pequenas nações vão direto para os cofres de Pequim.

Nos bastidores, há a relutância da China em perdoar dívidas. Pequim também mantém um segredo extremo a respeito de quanto dinheiro emprestou e sob que termos, o que tem evitado que outros credores se apresentem para ajudar. Além disso, há a recente descoberta de que credores têm exigido depósitos em contas-caução secretas, que colocam a China na frente da fila de quem tem dinheiro a receber dessas nações.

Imagem mostra trem de carga no Quênia construído com empréstimo da China de US$ 3,3 bilhões. Ferrovia inaugurada em 2017 aumentou integração da África Oriental Foto: Khalil Senosi/AP

Os países analisados pela AP contraíram até 50% de seus empréstimos no exterior da China. Dois deles, Zâmbia e Sri Lanka, já deram calotes, incapazes de pagar juros de empréstimos destinados ao financiamento de construção de portos, minas e usinas de eletricidade.

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No Paquistão, milhões de trabalhadores do setor têxtil foram demitidos porque o país contraiu dívidas demais no exterior e não consegue manter o fornecimento de eletricidade e as máquinas da indústria funcionando.

No Quênia, o governo reteve os salários de milhares de funcionários públicos para destinar o dinheiro para o pagamento de empréstimos contraídos no exterior. O principal conselheiro econômico do presidente tuitou no mês passado, “Salários ou calote? Façam a sua escolha”.

Desde que o Sri Lanka deu calote, um ano atrás, 500 mil empregos na indústria desapareceram, a inflação chegou a 50% e mais da metade da população passou a se situar economicamente abaixo da linha da pobreza em muitas partes do país.

Especialistas preveem que, se a China não começar a abrandar sua atitude em relação aos empréstimos que concede a países pobres, poderá haver uma onda de mais calotes e instabilidades políticas.

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“Em grande parte do mundo, o relógio do juízo final tocou a meia-noite”, afirmou o economista Ken Rogoff, de Harvard. “A China entrou e deixou essa instabilidade geopolítica, que pode ter efeitos duradouros.”

Como funciona

Um estudo de caso é o que tem ocorrido no Zâmbia, um país sem saída para o mar, com 20 milhões de habitantes, no sul da África, que ao longo das últimas duas décadas pegou bilhões de dólares emprestados de bancos estatais chineses para construir represas, ferrovias e estradas.

Os empréstimos impulsionaram a economia do Zâmbia, mas também elevaram tanto os valores dos pagamentos de juros no exterior que sobrava pouco dinheiro para o governo, o que o forçou a cortar gastos em saúde, serviços sociais e subsídios para agricultores comprarem sementes e fertilizantes.

No passado, sob circunstâncias semelhantes, grandes credores governamentais, como EUA, Japão e França, forjavam acordos para perdoar parte das dívidas, e cada credor revelava claramente o que lhe era devido e sob que termos, para que ninguém se sentisse enganado.

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Imagem de 2019 mostra primeiro-ministro do Paquistão participando do Fórum do Cinturão e Rota e projetos de infraestrutura chineses Foto: Ng Han Guan / AP

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Mas a China não tem jogado segundo essas regras. Em um primeiro momento, a China se recusou até em manter conversas multinacionais, negociando separadamente com Zâmbia e insistindo em uma confidencialidade que impediu o país africano de informar credores não chineses a respeito dos termos dos empréstimos ou se a China definiu uma maneira de forçar um lugar na frente da fila dos pagamentos.

Mais rigor nos empréstimos

Em meio a essa confusão, em 2020 um grupo de credores não chineses recusou-se a atender pedidos desesperados do Zâmbia pela suspensão do pagamentos dos juros, mesmo que por poucos meses. Essa recusa colaborou para o desvanecimento das reservas em moeda estrangeira do Zâmbia, constituídas principalmente de dólares, que o país usava para pagar juros de empréstimos e comprar commodities importantes, como petróleo. Em novembro de 2020, com poucas reservas lhe restando, o Zâmbia parou de pagar os juros, o que impossibilitou futuros empréstimos para o país e desencadeou um ciclo vicioso de cortes de gastos e mais empobrecimento.

A inflação no Zâmbia desde então chegou a 50%, o índice de desemprego é o mais alto em 17 anos, e a moeda do país, o kwacha, perdeu 30% de seu valor em apenas sete meses. As Nações Unidas estimam que 3,5 milhões de zambianos passam fome, índice que quase triplicou este ano.

“Eu só fico dentro de casa pensando no que eu gostaria de comer, porque não tenho dinheiro para comprar comida”, afirmou Marvis Kunda, uma viúva cega, de 70 anos, moradora da Província de Luapula, no Zâmbia, cujos pagamentos de seguridade social foram cortados recentemente. “Às vezes, eu faço uma refeição ao dia, mas se ninguém da vizinhança se lembra de me ajudar, eu passo fome mesmo.”

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Trabalhadores do Quênia finalizam construção de ponte em Nairóbi em 2016, financiada pela China. País sofre para pagar empréstimo Foto: Ben Curtis/AP

Poucos meses antes do Zâmbia dar o calote, pesquisadores constataram que o país devia US$ 6,6 bilhões para bancos chineses estatais, o dobro do que muitos estimavam na época e equivalente a cerca de um terço da dívida total do país.

“Estamos voando às cegas”, afirmou Brad Parks, diretor-executivo do laboratório de pesquisas AidData, da universidade William & Mary, que tornou públicos milhares de empréstimos secretos concedidos pela China e auxiliou a reportagem da AP nesta análise. “Quando a gente revira as almofadas do sofá, de repente percebe: ‘Nossa, olha só o que tem aí debaixo!’. E de fato as coisas estão muito piores.”

A falta de disposição da China em assumir grandes perdas sobre as centenas de bilhões de dólares que lhe são devidos, conforme instado pelo Fundo Monetário Internacional, obriga muitos países a um esforço de pagamentos de juros que asfixia o crescimento econômico que poderia ajudá-los a pagar suas dívidas.

As reservas em moeda estrangeira de 10 dos 12 países analisados pela AP caíram em média 25% em apenas um ano. No Paquistão e na Republica do Congo, despencaram mais de 50%. Sem um resgate financeiro, resta a vários países apenas poucos meses de divisas estrangeiras para importar alimentos, combustíveis e outros itens essenciais. À Mongólia restam oito meses. Ao Paquistão e à Etiópia, no máximo dois.

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“Quando as torneiras financeiras são fechadas, o ajuste ocorre imediatamente”, afirmou Patrick Curran, economista sênior da firma de dados de análise Tellimer. “A economia se contrai, a inflação aumenta, alimentos e combustíveis ficam caros.”

Mohammad Tahir, que foi demitido seis meses atrás do emprego que tinha em uma fábrica têxtil na cidade paquistanesa de Multan, disse que pensou em se suicidar, porque não suporta ver sua mulher e seus dois filhos irem dormir sem jantar.

“Eu tenho enfrentado o pior tipo de pobreza”, afirmou Tahir, que ouviu recentemente que as reservas em moeda estrangeira do Paquistão caíram tanto que o país não consegue mais importar as matérias-primas de sua fábrica. “Não tenho nem ideia de quando nós teremos nossos empregos de volta.”

Os países pobres já tinham sido afetados por escassez de moeda estrangeira, inflação alta, picos no desemprego e fome generalizada antes, mas raramente como no ano passado.

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Aliados à combinação costumeira entre mal governo e corrupção houve dois eventos inesperados e devastadores: a guerra na Ucrânia, que mandou às alturas os preços dos grãos e do petróleo, e a decisão do Federal Reserve (banco central americano) de elevar as taxas de juros dez vezes consecutivas, a mais recente neste mês. Isso tornou empréstimos com juros variáveis para países subitamente muito mais caros.

Tudo isso tem conturbado políticas domésticas e subvertido alianças estratégicas.

Em março, Honduras, um país afundado em dívidas, citou “pressões financeiras” em sua decisão de estabelecer relações diplomáticas formais com a China e cortar relações com Taiwan.

No mês passado, o Paquistão estava tão desesperado para evitar mais apagões que firmou um contrato para comprar petróleo com desconto da Rússia, rompendo com o esforço liderado pelos Estados Unidos de sufocar o financiamento de Vladimir Putin.

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No Sri Lanka, manifestantes tomaram as ruas no fim de julho, incendiaram casas de ministros do governo, invadiram o palácio presidencial e obrigaram o líder, comprometido com onerosos acordos com a China, a fugir do país.

Resposta da China

O ministério chinês de Relações Exteriores, em um comunicado à AP, discordou da noção de que a China é um credor implacável e ecoou comunicados anteriores, colocando a culpa no Federal Reserve. O governo chinês afirmou que, se a China deve atender às demandas do FMI e do Banco Mundial pelo perdão de parte das dívidas, o mesmo deveria ser feito por credores multilaterais, que Pequim considera intermediários dos EUA.

“Conclamamos essas instituições a participar ativamente de ações relevantes em acordo com o princípio de ‘ação conjunta e fardo equitativo’ e fazer contribuições maiores para ajudar países em desenvolvimento superar dificuldades”, afirmou o comunicado do ministério chinês.

A China argumenta que ofereceu ajuda na forma de extensão nos prazos de pagamentos e empréstimos de emergência — e enquanto maior colaboradora de um programa para suspensão temporária de pagamentos de juros durante a pandemia de coronavírus. Pequim também afirma que concedeu 23 empréstimos sem cobrança de juros para países africanos, mas Parks, do laboratório AidData, afirmou que esses empréstimos foram concedidos em sua maioria duas décadas atrás e correspondem a menos de 5% do total que a China emprestou.

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Em conversas de alto escalão em Washington, no mês passado, a China considerou abandonar sua demanda de que o FMI e o Banco Mundial perdoem dívidas se os dois credores se comprometerem em conceder financiamentos e outros tipos de ajuda a países em apuros, segundo informaram várias reportagens. Mas nas semanas recentes não ocorreu nenhum anúncio, e ambos os credores expressaram frustração com Pequim.

“Na minha visão, nós temos de arrastá-los — mas talvez este termo seja rude. Nós precisamos caminhar juntos”, afirmou a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, anteriormente este mês. “Porque se não o fizermos, haverá catástrofe para muitos, muitos países.”

O FMI e o Banco Mundial afirmam que assumir perdas em seus empréstimos rasgaria a cartilha tradicional sobre a maneira de lidar com crises soberanas que lhes confere tratamento especial porque, ao contrário dos bancos chineses, eles já concedem financiamentos a juros baixos para ajudar países em dificuldades a se levantar outra vez. O ministério chinês de Relações Exteriores notou, contudo, que os dois credores multilaterais fizeram exceções às regras no passado.

Conforme o tempo se esgota, algumas autoridades insistem por concessões.

Um motociclista passa por ovelhas em uma estrada recém-construída em Haripur, Paquistão, em 22 de dezembro de 2017. Estrada foi construída com empréstimo da China Foto: Aqeel Ahmed/AP

Ashfaq Hassan, ex-autoridade do Ministério das Finanças do Paquistão para dívidas, afirmou que a carga de juros de seu país é pesada demais e o tempo para o FMI e o Banco Mundial se apresentarem está acabando. Ele também pediu concessões de fundos de investimento privado que emprestaram para o seu país comprando seus títulos. “Todos que possuem obrigações terão de baixar a expectativa”, afirmou Hassan.

Um bom sinal: na quarta-feira o FMI anunciou a aprovação de um empréstimo de US$ 3 bilhões a Gana, sugerindo ter esperança de que um acordo de reestruturação da dívida pode ser alcançado entre os credores.

A China também rejeita a ideia, popularizada durante o governo Trump, de que Pequim empreende uma “diplomacia de armadilha da dívida”, deixando países sobrecarregados com juros que não conseguem pagar para tomar conta se seus portos, minas e outros ativos estratégicos.

Nesse ponto, especialistas que estudam do assunto em detalhe têm ficado do lado de Pequim. Os empréstimos da China vêm de dúzias de bancos espalhados pelo país e são aleatórios e negligentes demais para ser coordenados de cima. De qualquer modo, afirmam eles, os bancos chineses não perdem tanto porque seu timing é terrível, mas porque estão diante de grandes danos ocasionados por empréstimos imobiliários irresponsáveis e uma economia cujo ritmo de crescimento cai dramaticamente.

Mas os especialistas são ágeis em apontar para um papel da China que, apesar de menos sinistro, ainda é bastante assustador. “Não há um indivíduo encarregado”, afirma Teal Emery, ex-analista de fundos soberanos que agora dirige a consultoria Teal Insights.

Sobre Pequim, Parks, do AidData, acrescenta: “Eles fazem as coisas conforme caminham. Não há um planejamento geral”.

Investigador de empréstimo

Grande parte do crédito por revelar os empréstimos ocultos da China vai para Parks, que ao longo da década passada teve de lidar com todo tipo de obstáculos, obscurecimentos e falácias do governo autoritário.

A caça começou em 2011, quando um graduado economista do Banco Mundial pediu para Parks assumir a função de investigar empréstimos chineses. Em alguns meses, usando técnicas de mineração de dados online, Parks e alguns outros pesquisadores começaram a descobrir centenas de empréstimos desconhecidos pelo Banco Mundial.

A China, na época, estava elevando os empréstimos que concedia em um esforço que se tornou parte da “Iniciativa Cinturão e Rota”, de US$ 1 trilhão, para garantir seu abastecimento de minerais importantes, conquistar aliados no exterior e fazer mais dinheiro com seus ativos em dólar. Muitos países em desenvolvimento estavam ávidos por dólares para construir usinas de eletricidade, estradas, portos e expandir operações de mineração.

Mas depois de alguns anos de empréstimos diretos do governo chinês, esses países acabaram pesadamente endividados, e as perspectivas eram terríveis. Eles temiam que empilhar mais empréstimos sobre dívidas antigas os faria parecer irresponsáveis aos olhos das agências de classificação de risco de crédito e encarecer empréstimos futuros.

Então a China começou a criar empresas de fachada para alguns projetos de infraestrutura e emprestou dinheiro para elas, em vez disso, o que permitiu a países pesadamente endividados a evitar registrar essas novas dívidas em seus livros de contábeis. Mesmo se os empréstimos fossem sustentados pelo governo, ninguém perceberia.

No Zâmbia, por exemplo, um empréstimo de US$ 1,5 bilhão, de dois bancos chineses para uma empresa de fachada, para a construção de uma represa de hidroelétrica gigantesca, não apareceu na contabilidade do país por anos.

Na Indonésia, US$ 4 bilhões em empréstimos chineses para ajudar a construir uma ferrovia também nunca apareceram em registros contábeis do governo. Tudo isso mudou anos depois: com a previsão de custo estourada em US$ 1,5 bilhão, o governo indonésio teve de resgatar o orçamento da ferrovia duas vezes.

“Quando esses projetos vão mal, o que foi anunciado como uma dívida privada se transforma em dívida pública”, afirmou Parks. “Há projetos assim por todo o planeta.”

Em 2021, uma década depois de Parks e sua equipe iniciarem sua investigação, eles reuniram informação suficiente para uma constatação estarrecedora: pelo menos US$ 385 bilhões em empréstimos ocultos da China para 88 países, e muitos desses países estavam em situação muito pior do que qualquer um sabia.

Em um dos casos revelados, a China concedeu um empréstimo de US$ 3,5 bilhões para a construção de um sistema ferroviário no Laos que demandaria o equivalente a cerca de um quarto do PIB nacional anualmente para pagar.

Outra revelação do AidData sugeriu que muitos empréstimos chineses vão para projetos em áreas favorecidas por políticos poderosos desses países e com frequência são concedidos justamente antes de eleições cruciais. Algumas das infraestruturas construídas fazem pouco sentido economicamente e são repletas de problemas.

No Sri Lanka, um aeroporto financiado pela China na cidade do então presidente, distante dos maiores centros populacionais do país, é tão pouco usado que elefantes foram vistos circulando por sua pista.

Rachaduras são aparentes em usinas hidroelétricas em Uganda e no Equador — onde em março a Justiça aceitou denúncias de corrupção ligadas ao projeto contra um ex-presidente atualmente no exílio.

No Paquistão, uma usina de eletricidade teve de ser fechada por receio de que sua estrutura desabasse. No Quênia, os últimos quilômetros essenciais de uma ferrovia não foram construídos em razão de mau planejamento e falta de recursos.

Saltando para frente da fila

Conforme foi descobrindo detalhes sobre os empréstimos, Parks se deparou com algo alarmante: cláusulas obrigando os países que pegaram emprestado a depositar dólares em contas-caução secretas, que Pequim poderia acessar caso esses países parassem de pagar os juros de seus empréstimos.

A China, de fato, saltou para a frente da fila para ser paga sem que outros credores soubessem.

Parks revelou que, em Uganda, um empréstimo para expandir o principal aeroporto do país incluiu uma conta-caução que pode ter tido saldo superior a US$ 15 milhões. Uma investigação parlamentar arruinou um ministro das Finanças por ele ter concordado com esses termos, e o responsável pela investigação afirmou que ele deveria ser processado e preso.

Parks não tem certeza quantas dessas contas foram abertas, mas governos insistindo em qualquer tipo de garantia-caução, principalmente na forma de depósitos em dinheiro, é algo raro em empréstimos soberanos. E a mera existência desse mecanismo gerou incômodo entre bancos não chineses, investidores dos mercados de ações e outros credores — e retira sua disposição em aceitar menos do que lhes é devido.

“Os credores estão dizendo, ‘Nós não vamos oferecer nada se a China está, na realidade, na frente da fila do reembolso’”, afirmou Parks. “Isso ocasiona paralisia. Todos estão olhando um para a cara do outro e perguntando, ‘Eu sou o otário nessa história, então?’.”

Empréstimo na forma de ‘operações cambiais’

Enquanto isso, Pequim passou a conceder um novo tipo de empréstimo oculto que colabora para confusões e desconfianças. Parks e outros investigadores descobriram que o banco central chinês tem de fato emprestado dezenas de bilhões de dólares por meio de mecanismos que aparecem em registros contábeis como operações de câmbio de moedas estrangeiras.

Mercados de câmbio de moedas estrangeiras permitem as chamadas operações de swap, em que países essencialmente pegam emprestado quantias nas moedas mais usadas, como o dólar, para suprir baixas temporárias em suas reservas — com objetivo de manter liquidez, não construir coisas, e que duram apenas poucos meses.

Mas as operações de swap chinesas são similares a empréstimos por durar anos e cobrar taxas de juros mais altas do que as correntes. E, mais importante, por não aparecer em registros contábeis como empréstimos, o que elevaria o total das dívidas dos países.

A Mongólia tem obtido anualmente US$ 1,8 bilhão por meio dessas operações há anos, quantia que equivale a 14% de seu PIB anual. O Paquistão adquire aproximadamente US$ 3,6 bilhões anualmente há anos; e o Laos, US$ 300 milhões.

As operações de swap podem ajudar a adiar calotes ao recompor as reservas em moeda estrangeira dos países, mas empilham mais empréstimos sobre as dívidas já existentes e podem piorar muito o colapso econômico, em um fenômeno similar ao que ocorreu anteriormente à crise financeira de 2009, quando os bancos americanos ofereciam hipotecas cada vez maiores para proprietários de imóveis incapazes de pagar até mesmo pelas prestações originais das dívidas que contraíram ao adquiri-los.

Alguns países pobres que enfrentam dificuldades para pagar a China ficaram presos em uma espécie de limbo no crédito: a China não admitirá perdas, e o FMI não oferecerá empréstimos a juros baixos se o dinheiro for destinado a pagar a dívida com a China.

Faz mais de um ano que o FMI aprovou pacotes de resgate para o Chade e a Etiópia, em ditos acordos celebrados em nível de equipes, mas quase todo o dinheiro está retido conforme as negociações entre os credores se arrastam.

“Temos um número crescente de países com economias em maus lençóis”, afirmou Parks, atribuindo o fenômeno à impressionante ascensão da China em apenas uma geração, transformando-se de país recebedor de ajuda internacional no maior credor do mundo. “De alguma maneira, eles conseguiram fazer tudo isso longe do olhar do público”, disse Parks. “Portanto, se nós não compreendermos a maneira que a China empresta e como suas práticas de empréstimo funcionam, nós nunca resolveremos essas crises.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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