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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | Encontro de Dilma e Putin sugere alto grau de coordenação entre Brasil e Rússia; leia a análise

Encontro em São Petersburgo estava desenhado para reduzir o isolamento da Rússia e coordenar políticas comuns para o Sul Global

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Foto do author Lourival Sant'Anna

A estratégia de inserção global do governo Lula e suas implicações ganharam novos contornos com a presença de Dilma Rousseff na cúpula Rússia-África, em São Petersburgo. A participação da presidente do banco dos Brics em um evento desenhado para reduzir o isolamento internacional de Vladimir Putin e reforçar a projeção russa sobre o continente africano sugere alto grau de coordenação entre Brasil e Rússia em suas políticas para o Sul Global.

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No dia 23 de maio, Dilma recebeu o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, na sede do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), em Xangai. Ela criticou as sanções e prometeu ajudar a Rússia.

Uma semana depois, o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, e o presidente do Banco Central, Miguel Pesce, compareceram à reunião anual do banco, com a mesma expectativa: serem salvos da asfixia financeira, em ano de eleições, conforme promessa do governo brasileiro.

O presidente russo Vladimir Putin, à direita, gesticula enquanto fala com Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil e presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, durante suas conversas à margem da Cúpula Rússia-África em São Petersburgo, Rússia, quarta-feira, 26 de julho de 2023.  Foto: Vladimir Smirnov / AP

O NDB existe para financiar projetos de desenvolvimento, não para tapar buracos de caixa. Aparentemente, a ex-presidente ensaiava uma pedalada financeira como a que motivou seu impeachment em 2016.

Há informações de que a China, a mais importante aliada da Rússia, bloqueou a manobra, que não só atropelaria o mandato do banco como o tornaria alvo de sanções dos EUA e da Europa, degradando ainda mais sua avaliação de risco, que já caiu um grau por causa da invasão da Ucrânia.

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Dilma e Putin criticaram a dependência do dólar, como Lula já havia feito ao visitar Xi Jinping. Na cúpula dos Brics entre 22 e 24 de agosto em Johanesburgo, deve ser lançado um sistema de pagamentos em moedas nacionais.

Putin tinha dois objetivos em São Petersburgo: assegurar o fornecimento de trigo para os países africanos depois de romper o acordo de grãos com a Ucrânia e a continuidade da proteção do grupo mercenário Wagner para as ditaduras do continente.

Um mês depois de comandar um motim contra as Forças Armadas russas, o dono do grupo, Ievgeni Prigozhin, compareceu à cúpula e se reuniu com representantes das ditaduras da República Centro-Africana (RCA), Mali e Burkina-Faso, seus clientes. A RCA realiza hoje referendo que retira o limite para a reeleição do presidente Faustin Touadera, no poder desde 2016, sob a proteção de centenas de mercenários do Wagner.

A cúpula coincidiu com um golpe militar no Níger, cujo presidente, Mohamed Bazoum, era um dos únicos eleitos democraticamente na região, e considerado um aliado do Ocidente. O grupo Wagner reivindicou participação. Prigozhin disse que foi um “golpe contra os colonizadores”.

A frase remete aos ressentimentos anti-ocidentais que parecem nortear o governo brasileiro. A conduta coloca o Brasil em choque com seus próprios princípios de respeito à democracia e à soberania territorial.

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Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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