Enquanto líderes europeus visitavam Kiev, Putin cortava seu fornecimento de gás

Em um momento crítico da guerra, a Rússia está reduzindo estrategicamente os fluxos de gás para aumentar os preços e prejudicar as economias europeias que já sofrem com a alta inflação

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Por Katrin Bennhold e Melissa Eddy

THE NEW YORK TIMES, BERLIM - Enquanto os líderes das três maiores economias da Europa apareceram em Kiev na quinta-feira para enviar uma mensagem de apoio à Ucrânia, o presidente Vladimir Putin, da Rússia, tinha sua própria mensagem para eles: não se esqueçam, suas indústrias estão à minha mercê.

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Com a inflação já próxima da maior alta em 40 anos, os preços do gás subiram ainda mais quando a Rússia cortou os fluxos para o gasoduto de gás natural mais importante da Europa pelo segundo dia consecutivo na quinta-feira. Alemanha, Itália, Áustria e República Checa relataram déficits.

A Gazprom, gigante do gás da Rússia controlada pelo Estado, disse que “reparos foram os culpados pela redução”. Mas autoridades europeias acusaram Putin de usar suprimentos de energia como arma, enterrando qualquer último fragmento da noção de que, pelo menos em energia, Moscou era um parceiro confiável.

As exportações de gás deram a Moscou uma poderosa ferramenta diplomática no continente, onde grande parte da indústria depende da energia russa. Quando o chanceler Olaf Scholz, da Alemanha, o presidente Emmanuel Macron, da França, e o primeiro-ministro Mario Draghi, da Itália, se encontraram com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, em Kiev, Putin os lembrou que ele tem o dedo no gatilho do gás – e o destino das economias europeias na mão.

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O presidente romeno Klaus Iohannis, o primeiro-ministro italiano Mario Draghi, o presidente ucraniano Volodmir Zelenski, o presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz chegam para uma entrevista coletiva em Kiev, Ucrânia, Foto: Ludovic Marin/Reuters

“Nós, a Alemanha e outros países acreditamos que são mentiras”, disse Draghi a repórteres em uma entrevista coletiva em Kiev na quinta-feira, quando questionado sobre a queda nos fluxos de gás e os reparos declarados pela Gazprom. Ele comparou isso ao bloqueio da Rússia a outras exportações ucranianas: “Na realidade, há um uso político do gás, como há um uso político dos grãos”.

Não é a primeira vez que Putin corta estrategicamente o fornecimento de gás da Europa desde o início da guerra. No mês passado, a Rússia suspendeu as exportações de eletricidade e os embarques de gás para a Finlândia depois que o país abandonou sua neutralidade de longa data e solicitou formalmente a adesão à Otan.

Em abril, Moscou interrompeu o fornecimento de gás natural para a Polônia e a Bulgária, dois países da Otan que se opuseram especialmente à Rússia na guerra.

As exportações de gás são vitais para a economia da Rússia, mas os cortes na oferta, longe de prejudicarem Moscou, aumentaram tanto os preços que eles mais do que se pagaram. Algumas autoridades russas e executivos de gás sequer escondem sua alegria.

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“Sim, temos uma diminuição no fornecimento de gás para a Europa em várias dezenas por cento”, disse Alexei Miller, executivo-chefe da Gazprom, no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo na quinta-feira. “Mas os preços subiram dezenas por cento, várias vezes. Portanto, não vou mentir: não guardamos rancor.”

O vice-primeiro-ministro da Rússia, Alexander Novak, falando na mesma conferência, disse que os europeus estão pagando cerca de 400 bilhões de euros a mais do que antes dos cortes, e deu a entender que mais reduções estão por vir. “Este não é o limite em nossa opinião”, disse Novak. “Tudo pode ser muito mais crítico.”

Com a maioria dos europeus não aquecendo suas casas durante o verão e o ar-condicionado relativamente raro em todo o continente, a situação é tolerável por enquanto. Autoridades em todos os quatro países insistiram que a queda não representa uma ameaça iminente.

Mas a dependência da Europa do gás russo, construída ao longo de décadas, está se mostrando difícil de reverter rapidamente. Levou apenas algumas semanas para a União Européia concordar com um embargo de carvão russo e, no mês passado, os países haviam se livrado do petróleo russo o suficiente para adicioná-lo à lista de sanções. Mas o gás é outra história.

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Na Alemanha, a maior economia da Europa e o cliente de gás mais importante da Rússia no continente, uma em cada duas residências é aquecida com gás, que também abastece grande parte da colossal indústria de exportação do país. O poderoso lobby industrial da Alemanha, a Federação da Indústria Alemã, disse que as empresas já estão mudando para o carvão, disponibilizando mais gás natural para reabastecer os tanques de armazenamento para o inverno, mas que a transição levará tempo.

“Desde o início da guerra russa na Ucrânia, a indústria alemã vem reduzindo seu consumo de gás na geração de energia o mais rápido possível”, disse o grupo.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia disparou um alarme para a Alemanha, que por décadas apostou que a interdependência econômica com Moscou manteria a paz na Europa – e que, mesmo em momentos de tensão geopolítica, a Rússia poderia ser confiável como fornecedora de energia.

Até a invasão da Ucrânia pela Rússia, Berlim dependia sem preocupação de Moscou para mais da metade de suas importações de gás, um terço de seu petróleo e metade de suas importações de carvão, ignorando os avisos dos Estados Unidos e outros aliados sobre a influência que isso dava à Rússia. Abandonar esse hábito não será fácil no curto prazo sem um choque para a economia alemã, que, como outras na Europa, ainda está se recuperando da pandemia.

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O governo está tomando medidas para tornar a Alemanha independente do carvão russo até o final do verão e do petróleo russo até o final do ano. A participação das importações de petróleo da Rússia já caiu para 20%, e as importações de carvão da Rússia caíram pela metade.

O gás, no qual a Alemanha está apostando como ponte para seu objetivo de uma economia neutra em carbono até 2045, provou ser muito mais difícil de se desvencilhar.

Logo da empresa russa de energia Gazprom é vista em estação em Sofia, Bulgária, em 27 de abril de 2022 Foto: Spasiyana Sergieva/Reuters

Robert Habeck, ministro da Economia da Alemanha e vice-chanceler, disse que tornar-se independente da energia russa levaria pelo menos dois anos. Mas nesta semana ele pediu aos alemães que ajudem a acelerar o processo economizando mais energia.

“Chegou a hora de fazer isso”, disse Habeck em um apelo postado no Instagram na quarta-feira. “Cada quilowatt-hora ajuda nessa situação.”

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“Putin está reduzindo a quantidade de gás. Não tudo de uma vez, mas passo a passo”, disse Habeck. “Isso confirma o que temíamos desde o início.”

Mesmo enquanto os políticos procuravam tranquilizar os europeus, o chefe da agência federal alemã de monitoramento de redes de gás e energia alertou que, se a Gazprom continuasse a reduzir os fluxos, a situação poderia se tornar mais perigosa à medida que as temperaturas caíssem.

Essas preocupações são compartilhadas em outras partes da Europa, onde vários países dependem do gás russo que chega via Alemanha.

“Se Putin limitar o fornecimento de gás para a Alemanha a longo prazo, é praticamente certo que a inflação na República Checa atingirá 20% até o final do verão”, disse Lukas Kovanda, economista-chefe do Trinity Bank, no Twitter. “Se ele desligar completamente, pode estar bem acima disso.”

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O principal fornecedor de gás da República Checa, a CEZ, informou que seus suprimentos da Gazprom foram reduzidos para cerca de 40% de seu volume habitual, disse Ladislav Kriz, porta-voz da empresa, na quinta-feira. O ministro da indústria e comércio checo, Jozef Sikela, disse que as reservas podem durar até o final de outubro.

A empresa de energia austríaca OMV disse que a Gazprom a informou sobre os cortes, mas se recusou a oferecer mais detalhes. Tanto a República Tcheca quanto a Áustria estão entre os países mais vulneráveis da Europa quando se trata de gás russo, contando com Moscou para quase todo o seu suprimento de gás natural.

A Itália, que importa 95% de seu gás, compra 40% disso da Rússia. O fornecimento da Gazprom para a Itália caiu 15% na quarta-feira e permaneceu assim, disse a empresa italiana de energia Eni. A redução também estava ligada aos fluxos reduzidos através do gasoduto Nord Stream 1 que liga a Rússia à Alemanha, e a empresa de energia russa culpou “a manutenção necessária”.

Mas os líderes europeus não acreditaram na explicação. Roberto Cingolani, ministro da transição ecológica da Itália, vinculou o aperto diretamente à viagem do primeiro-ministro.

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“Hoje, Draghi está em Kiev e isso pode ser uma pequena manifestação de retaliação”, disse Cingolani.

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