O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciou nesta segunda-feira, 6, que renunciará à liderança do Partido Liberal e, consequentemente, ao cargo de primeiro ministro. A renúncia deve ser formalizada quando o Partido Liberal apontar o seu sucessor, processo que pode levar semanas ou até meses.
O fim do governo Trudeau encerra um capitulo importante na política canadense. Trudeau foi de “queridinho” dos progressistas a alvo de piadas do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Ele surgiu no cenário internacional em 2015 como um jovem líder recém-eleito do Canadá, cujo pai também havia sido um primeiro-ministro popular. E ele passou a década seguinte construindo uma imagem de feminista, ambientalista e político pró-imigração.
Apesar de sofrer para formar governos desde 2019, a popularidade de Trudeau realmente despencou em 2024. O político de 52 anos tem apenas 33% de aprovação, de acordo com o Instituto Ipsos. Muito diferente de quando foi eleito pela primeira vez, em 2015, quando chegou a ter 70%. O seu partido não tem maioria na chamada Câmara dos Comuns do Canadá e Trudeau precisou sobreviver a constantes votos de desconfiança do Parlamento para seguir no cargo.
O principal motivo da insatisfação com Trudeau é uma crise no custo de vida, sentida principalmente em áreas urbanas como Toronto e Vancouver. Apesar de o país estar se recuperando de altas taxas de inflação anual, os resquícios ainda são sentidos pela população. O sistema de imigração também gera críticas, já que muitos trabalhadores estrangeiros estão desembarcando no Canadá sem que outros setores como infraestrutura e saúde estejam preparados para o aumento da demanda.
O cansaço com Trudeau também era natural, depois de dez anos no cargo. “Se alguém é o primeiro-ministro do Canadá por quase dez anos, as pessoas já passam a olhar com mais interesse para outros políticos”, avalia Lori Turnbull, professora de ciências políticas da Universidade Dalhousie, em Halifax, Canadá, em entrevista ao Estadão.
Inflação e custo de vida
A maior dor de cabeça de Trudeau é a economia. Canadenses relatam problemas com a inflação, preços mais altos de casas, aluguéis e também para compras de rotina. De acordo com uma pesquisa do governo do Canadá, 45% dos cidadãos do país relataram em setembro que o aumento dos preços estava afetando a sua capacidade de arcar com os custos do dia a dia.
A taxa de inflação anual do Canadá chegou a 8% em 2022, o maior número em 40 anos, obrigando o Banco Central do Canadá a aumentar as taxas de juros de forma agressiva em 2022 e 2023. Os aumentos surtiram efeito e o país registrou uma taxa anual de inflação de 1,9% em novembro de 2024, mas os canadenses ainda sentem as consequências com a alta de preços.
Os números do custo de vida são os mais relevantes agora, avalia Laura Stephenson, professora de ciências políticas da Universidade de Western Ontario. “Não importa o que o Banco Central nos diga, as pessoas ainda dirão que os custos dos produtos nos supermercados estão caros e que está difícil comprar uma casa”, aponta a especialista.
Imigração
O sistema de imigração no Canadá também preocupa a população. O país permitiu a entrada de mais estrangeiros do que poderia suportar nos últimos anos. O erro foi reconhecido pelo primeiro-ministro, que anunciou uma mudança no sistema em outubro.
“Estamos agindo porque nos tempos tumultuados em que emergimos da pandemia, entre atender às necessidades de mão de obra e manter o crescimento populacional, não conseguimos o equilíbrio certo”, afirmou Trudeau, em uma coletiva de imprensa. Ele disse que seu governo havia permitido a entrada de muitos recém-chegados em um período de tempo muito curto, sobrecarregando serviços como moradia e assistência médica.
De acordo com as novas diretrizes, o Canadá deve reduzir o número vistos de residência permanente que concede. A meta anual será reduzida de 500 mil em 2024 para 395 mil no ano que vem, 380 mil em 2026 e 265 mil em 2027.
Saiba mais
Eleição
Com a saída de Trudeau, o Partido Liberal precisará passar por um processo interno de escolha do próximo líder e primeiro-ministro. Já as eleições gerais devem ser convocadas até outubro.
O novo líder da legenda pode decidir convocar o pleito antes de outubro ou perder a confiança da Câmara dos Comuns para que uma eleição seja realizada.
Nas últimas eleições, em setembro de 2021, Trudeau venceu, mas não conseguiu uma maioria. Em 2022 ele alavancou um acordo com o Novo Partido Democrático, uma legenda social democrata, para ter uma maioria parlamentar. Mas o acordo foi rompido em setembro por conta de divergências sobre a forma que o primeiro-ministro acabou com uma greve de trabalhadores ferroviários.
No sistema canadense, o chamado voto de desconfiança acontece quando um primeiro-ministro não governa com uma maioria e precisa aprovar legislação com apoio de partidos que não fazem parte de sua base. Caso um projeto não seja aprovado, entende-se que a Câmara dos Comuns não tem confiança no governo e novas eleições são convocadas./com NYT
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