A América Latina tem uma nova crise diplomática entre países. Depois de meses de impasse entre Venezuela e Guiana em torno da região de Essequibo, agora são Equador e México, que protagonizaram um episódio incomum e sem precedentes, quando policiais equatorianos invadiram a embaixada do México em Quito na noite de sexta-feira, 5, e prenderam o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas, procurado pela Justiça do Equador por crimes relacionados a corrupção.
Após a operação equatoriana, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, optou por romper as relações diplomáticas com Quito. A Nicarágua fez o mesmo no sábado, 6. Diversos países da região se manifestaram com palavras de solidariedade a AMLO, apelido do presidente mexicano, e pediram respeito às convenções internacionais.
A Convenção de Viena, que garante a inviolabilidade do território de uma embaixada, foi citada pela maioria dos países que rejeitaram o cerco à sede da missão mexicana.
Entenda a crise diplomática entre Equador e México.
Inicio da crise
A crise diplomática começou na quarta-feira, 3, quando López Obrador estabeleceu um paralelo entre a violência que marcou a campanha presidencial equatoriana de 2023, durante a qual o candidato Fernando Villavicencio foi assassinado, e a criminalidade que ocorre no México, em meio à proximidade das eleições marcadas para 2 de junho.
Segundo o presidente mexicano, a morte de Villavicencio criou um “ambiente envenenado de violência” que provocou a queda nas pesquisas da candidata de esquerda Luisa González e o aumento na popularidade de Daniel Noboa, que acabou vencedor. O atual presidente equatoriano não era um dos favoritos para o pleito e surpreendeu ao chegar ao segundo turno. Entre Noboa e González, o eleitorado equatoriano elegeu Noboa para um mandato tampão, até maio de 2025.
Após os comentários de AMLO, o Equador expulsou a embaixadora do México no Equador, Raquel Serur, e o México aumentou a tensão ao anunciar, na sexta-feira, 5, a concessão de asilo político ao ex-vice-presidente Jorge Glas (2013-2017), que estava na mira da polícia equatoriana por crimes relacionados a corrupção.
Prisão na embaixada
O México solicitou o salvo-conduto, documento que permitiria a saída de Glas do Equador, mas foi negado pelo governo de Noboa, que deu a autorização para que os policiais equatorianos entrassem na embaixada e prendessem o político.
O ex-vice-presidente equatoriano estava refugiado havia mais de quatro meses na embaixada mexicana. Glas chegou à representação diplomática do México no dia 17 de dezembro do ano passado, após sair da prisão no final de novembro. O político pediu asilo por temer por sua “segurança e liberdade pessoal”.
O encarregado de negócios da embaixada do México no Equador, Roberto Canseco, que estava no comando da embaixada após a expulsão da embaixadora, estava no local quando os policiais invadiram. Canseco foi contido pelos policiais do Equador e afirmou estar preocupado com o bem-estar de Glas, apontando que as autoridades podem até matar o ex-vice-presidente.
Quito acusa o México de intervir em seus “assuntos internos” ao conceder a Glas um asilo “ilícito”. Além disso, considerou as declarações de López Obrador “muito infelizes”, ao colocar “em dúvida a legitimidade das eleições de 2023″, “banalizando o assassinato” de Villavicencio, disse no sábado a chanceler Gabriela Sommerfeld.
O governo do Equador afirmou também que o país era “soberano” e não iria permitir que Glas ficasse impune. Quito também afirmou que o ex-vice-presidente tinha sido colocado à disposição das autoridades competentes. O político foi transferido para uma prisão de segurança máxima em Guayaquil.
Rompimento
Após o ocorrido, o México rompeu as relações diplomáticas com o Equador. Em uma mensagem na rede social X, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador descreveu o incidente como uma “violação flagrante do direito internacional e da soberania do México”.
A chanceler Alicia Bárcena anunciou o rompimento e avisou que recorreria à Corte Internacional de Justiça para denunciar o Equador.
“Tendo em vista a violação flagrante da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e os ferimentos sofridos pelo pessoal diplomático mexicano no Equador, o México anuncia o rompimento imediato das relações diplomáticas com o Equador”, disse Bárcena em um vídeo publicado no X.
O corpo diplomático mexicano deve sair de Quito neste domingo, 7, em um voo comercial. De acordo com um comunicado do governo mexicano, 18 diplomatas do México e suas famílias estarão acompanhados de funcionários de “países amigos e aliados”, que se ofereceram para garantir a segurança dos diplomatas.
Reações
Diversos países condenaram as medidas do governo equatoriano. O governo da Nicarágua anunciou no sábado, 6, o rompimento de “todas as relações diplomáticas” com o Equador após a invasão policial à embaixada mexicana em Quito.
O governo de Daniel Ortega manifestou a sua solidariedade ao México e recordou que retirou o seu embaixador de Quito em 2020, depois de o governo equatoriano ter retirado o refúgio na sua embaixada em Londres do australiano Julian Assange, que divulgou documentos confidenciais dos EUA na sua rede WikiLeaks.
“Nossa solidariedade e apoio, em qualquer ação legal que possa surgir disso, ao Presidente do México, Dom Andrés Manuel López Obrador”, afirmou o governo Ortega. “No dia 1.º de setembro de 2020 retiramos nossa Embaixada em Quito e com esta Declaração formalizamos o rompimento de todas as relações diplomáticas”, acrescentou.
Saiba mais
Em um comunicado, o Itamaraty condenou “nos mais firmes termos” a medida levada adiante pelo governo equatoriano. É “uma clara violação” de convenções internacionais que estabelecem que “os locais de uma missão diplomática são invioláveis”, e constitui um “grave precedente” que merece um “enérgico repúdio”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores.
Já o Ministério das Relações Exteriores da Argentina emitiu um comunicado condenando a invasão da embaixada mexicana em Quito, ao mesmo tempo em que pede a plena observância das disposições da Convenção sobre Asilo Diplomático de 1954 e da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.
O governo de Javier Milei lembrou no documento que a Argentina “recentemente concedeu essa condição (de asilo diplomático) a líderes políticos venezuelanos e aguarda a emissão dos respectivos salvo-condutos”.
Países como Venezuela, Cuba, Bolívia, Chile, Panamá e Costa Rica também se manifestaram com notas de solidariedade ao México e repúdio ao governo do Equador.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, ressaltou a importância de que locais diplomáticos tenham sua segurança preservada, como diz o direito internacional./com AFP
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