O presidente da Argentina, Javier Milei, está enfrentando uma investigação por corrupção devido à sua promoção de uma memecoin, um tipo altamente especulativo de criptomoeda que ganhou popularidade depois que o ex-presidente Donald Trump e sua mulher lançaram seus próprios tokens.
O crescente escândalo na Argentina foi apelidado localmente de “cryptogate” e envolve um elenco diversificado de personagens, incluindo um influenciador de destaque dos EUA, um desenvolvedor cripto que usa o pseudônimo “Meow” e um empresário americano de 28 anos que afirmou ter ajudado a lançar a memecoin de Melania Trump no mês passado.
O que é uma memecoin?
Memecoins são criptomoedas que geralmente surgem como brincadeiras baseadas em memes da internet, momentos virais ou celebridades, sem a intenção de trazer novas tecnologias ou resolver problemas. Muitas vezes, elas têm nomes peculiares, como Dogecoin ou Fartcoin.
Críticos — incluindo muitos entusiastas de criptomoedas — as classificam como esquemas digitais que enriquecem insiders à custa de investidores comuns. Defensores argumentam que essas moedas podem indicar novas formas de revolução financeira na internet. “Novas tecnologias frequentemente parecem brinquedos no início, mas evoluem para algo muito mais poderoso”, disse Brian Armstrong, CEO da Coinbase, em uma postagem recente nas redes sociais.

O que aconteceu com a memecoin associada a Milei?
Em resumo, um desastre. No dia 14 de fevereiro, Milei postou no X sobre a memecoin $LIBRA, que havia acabado de ser lançada, dizendo que estava “incentivando o crescimento econômico ao financiar pequenas empresas e startups”. O preço da moeda disparou imediatamente, elevando seu valor de mercado para mais de US$ 4 bilhões.
Poucas horas após o lançamento, os primeiros detentores da moeda começaram a vender suas participações, causando o colapso do preço. O movimento teve as características de um “rug pull”, um fenômeno comum com memecoins, no qual insiders despejam suas participações quando o preço está alto, derrubando o valor e prejudicando os investidores mais novos.
Milei apagou sua postagem inicial após o colapso do preço e se distanciou do projeto. Na segunda-feira, dezenas de queixas criminais já haviam sido apresentadas, um juiz na Argentina foi designado para investigar acusações de fraude e a principal oposição do país pediu seu impeachment. Na sexta-feira, um promotor federal abriu formalmente uma investigação para determinar o envolvimento de Milei e outras cinco pessoas na criação e promoção da $LIBRA, sob suspeita de crimes como suborno, fraude, tráfico de influência e abuso de autoridade.
Milei insistiu que agiu de boa-fé e pediu ao Escritório Anticorrupção do Ministério da Justiça que investigasse se ele ou qualquer outra pessoa cometeu irregularidades.
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Quem são os principais envolvidos?
Hayden Davis, um desenvolvedor americano de 28 anos que afirma ser assessor de Milei e ter ajudado a lançar a $LIBRA, emergiu como uma figura central. O gabinete de Milei negou qualquer ligação com Davis.
Em entrevista ao jornalista independente de cripto Stephen Findeisen, Davis afirmou que as memecoins são essencialmente um jogo manipulado que beneficia um pequeno grupo de pessoas em detrimento dos investidores comuns. “É um jogo de insiders. Este é um cassino não regulamentado”, disse Davis. Ele afirmou que a $LIBRA não foi um rug pull, mas sim um experimento para demonstrar o potencial das moedas digitais dentro da visão de Milei de transformar a Argentina em um polo de inovação.
Davis também disse ter participado do lançamento da memecoin de Melania Trump, que passou por uma trajetória semelhante à $LIBRA — uma valorização inicial seguida de uma queda acentuada. O escritório de Melanie se recusou a comentar.
Quem mais esteve envolvido?
O influenciador online Dave Portnoy, fundador do império de podcasts Barstool Sports e entusiasta de apostas, afirmou nas redes sociais que Davis o informou sobre o lançamento da $LIBRA antes de sua divulgação pública e pediu que promovesse o projeto. Portnoy também disse que houve conversas sobre a possibilidade de entrevistar Milei, assim como fez com Trump durante seu primeiro mandato.
Portnoy declarou que só comprou $LIBRA após o post de Milei no X e perdeu dinheiro quando o preço desabou. Davis alegou ter reembolsado suas perdas.
O desenvolvedor cripto “Meow”, cofundador de uma empresa envolvida no lançamento de memecoins, incluindo a $LIBRA, afirmou nas redes sociais estar confiante de que ninguém na empresa praticou negociações internas ou irregularidades financeiras. Ainda assim, Meow disse que a empresa contratou um escritório de advocacia para conduzir uma investigação independente e que um de seus líderes renunciou devido a “falta de julgamento”.

O que acontece agora com Milei?
O “cryptogate” é o primeiro grande escândalo da presidência de Milei. Analistas alertam que isso pode abalar a confiança pública nele, que construiu sua reputação como um economista outsider prometendo domar a inflação altíssima da Argentina e eliminar a corrupção da elite política.
Ainda não está claro como o escândalo afetará a percepção do governo Milei entre investidores estrangeiros, especialmente em um momento crítico em que a Argentina busca aliviar os rígidos controles cambiais e negociar um empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Atualmente, Milei está em Washington, onde se encontrará com o CEO da Tesla, Elon Musk, e outros líderes do setor de tecnologia para promover sua agenda econômica.
E as memecoins?
As memecoins não devem desaparecer tão cedo, mas sua trajetória serve como um alerta para investidores e criadores. As moedas promovidas por Trump e Melania sofreram quedas significativas após seus lançamentos e enfrentaram críticas de democratas e até de entusiastas cripto.
A influenciadora Hailey Welch, conhecida como Hawk Tuah Girl, viu sua popularidade despencar depois que sua memecoin colapsou em meio a acusações de rug pull. Além disso, a celebridade Caitlyn Jenner enfrenta uma ação coletiva movida por investidores que alegam ter sido enganados e perdido dinheiro na moeda $JENNER. Tanto Welch quanto Jenner negam qualquer irregularidade.
Até mesmo a República Centro-Africana, um dos países mais pobres do mundo, emitiu uma memecoin no início deste mês. Após um breve pico, seu preço também despencou./AP