A União Europeia concedeu à Ucrânia nesta quarta-feira, 23, o status de candidata a país-membro do bloco após repetidos discursos do presidente ucraniano Volodmir Zelenski sobre o desejo de ser parte do grupo. A candidatura é o primeiro passo oficial para isso e representa, no contexto da guerra com a Rússia, uma vitória simbólica de Kiev e um sinal de como o conflito reposicionou o mundo geopolítico.
O processo até se tornar país-membro é demorado e pode levar décadas, mas para autoridades europeias e nacionais a candidatura é histórica. Além da Ucrânia, a Moldávia, outra ex-república soviética, também se tornou candidata e a Geórgia está prestes a ganhar o status, após cumprir determinadas condições. “Esse é um momento definidor e um dia muito bom para a Europa”, disse Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, em Bruxelas.
Com o status atual, a Ucrânia passa a ter de imediato uma retaguarda política que ajuda o país a se afastar da esfera de influência da Rússia. Zelenski comemorou a concessão como um “momento único” para as relações com a UE e disse que o futuro do país “está dentro” do bloco.
Segundo o chefe da delegação ucraniana na União Europeia, Vsevolod Chentsov, se tornar candidata também passa o recado que a Ucrânia é uma nação soberana com poder de escolha. Ele, assim como outras autoridades europeias, avalia que o presidente russo Vladimir Putin enxerga o país como se ainda não fosse completamente independente.
Da parte de Bruxelas, o status de candidata põe à prova uma das ferramentas mais bem-sucedidas da política externa do mundo pós-Guerra Fria e envia outra mensagem a Moscou: a de uma recusa da visão de Putin sobre o que é Europa.
Derrota simbólica para a influência russa na Ucrânia pós-soviética
Desde a semana passada, o presidente Volodmir Zelenski repete na maioria de seus discursos que o povo ucraniano deseja entrar na União Europeia. Segundo ele, o ingresso ajudaria o país a derrotar a Rússia na guerra.
O discurso recupera um movimento pró-União Europeia que cresceu entre os ucranianos nas últimas décadas. Em 2014, foram protestos deste movimento que derrubaram o então presidente Viktor Ianukovich, defensor de uma política de aproximação com o Kremlin. O fato desencadeou uma divisão entre ucranianos pró-UE e pró-Russos que resultou na anexação russa da Crimeia e nos movimentos separatistas da região do Donbas, atual prioridade da Rússia no campo de batalha.
Vladimir Putin já sabia da possibilidade da candidatura da Ucrânia à UE e tem dito publicamente que se trata de uma decisão soberana do país de Zelenski. O tom das declarações é diferente do utilizado por Putin com relação à possibilidade da Ucrânia entrar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), vista como uma ameaça ao poder da Rússia.
Segundo Putin, a diferença é que a União Europeia se trata de um bloco econômico, e a Otan, um bloco militar. “Nós sempre fomos contra a expansão militar para dentro do território ucraniano porque ameaça a nossa segurança”, declarou o presidente russo em São Petersburgo recentemente. “Mas uma integração econômica, por favor, pelo amor de Deus, é a escolha deles”.
Entretanto, Putin está ciente que o caminho entre ser candidato e se tornar país-membro da UE é longo. Diplomatas em Bruxelas afirmam que o russo pode dificultar o processo para Zelenski com diversos obstáculos. Isso porque para se tornar país-membro a Ucrânia precisa cumprir diversas condições, uma tarefa que a realidade da guerra torna mais difícil.
O que a Ucrânia precisa fazer para se tornar país-membro
A Ucrânia precisa se adequar a diversas condições, que envolvem reformas e mudanças na legislação, durante o processo de se tornar país-membro. Segundo as autoridades europeias, o procedimento vai seguir todos os passos estabelecidos pelo bloco e vai ser focado no mérito, independente da existência da guerra.
A candidatura está ligada a revisões e mudanças no Estado de direito dos países no que diz respeito à Justiça e a anticorrupção. Elas incluem, para a Ucrânia, fortalecimento dos aparatos de luta contra corrupção e contra o poder de oligarcas, mudanças na legislação sobre a seleção de juízes para o tribunal superior e proteção de minorias sociais.
As reformas são especialmente difíceis porque o país tem tido dificuldades na luta contra a corrupção e ainda precisa lidar com as consequências da guerra.
A principal autoridade da UE para os assuntos de ampliação, Oliver Varheli, afirmou que as negociações de adesão serão feitas somente mais adiante, depois das reformas. “Hoje não é sobre isso. Assim que as condições forem atendidas, teremos que voltar a isso e refletir”, disse.
A Comissão disse que avaliaria o progresso no final deste ano, o que dá a um país devastado pela guerra menos de sete meses para introduzir as mudanças, vistas como complexas e caras.
Riscos da Ucrânia durante o processo
Autoridades de países como a Albânia e a Macedônia do Norte deram declarações menos animadoras para a Ucrânia sobre o status de candidata. Os dois países, assim como Sérvia e Turquia, esperam há anos entrar no bloco, mas continuam apenas com a candidatura. O caso turco é o mais longínquo e se prolonga desde 1987.
Presente em Bruxelas nesta quinta-feira, o primeiro-ministro albanês Edi Rama expressou frustração com a lentidão do processo. “Bem-vindo à Ucrânia. É uma coisa boa dar o status de candidato, mas espero que o povo ucraniano não tenha muitas ilusões sobre isso”, declarou.
Quando as negociações e as reformas necessárias estiveram concluídas, a Ucrânia também vai precisar do aval de todos os países-membros da UE para se tornar parte. Trata-se de outro desafio para Zelenski, que pode enfrentar oposição de países como a Bulgária, que veta a entrada da Macedônia do Norte e a Albânia. O governo búlgaro pró-Ucrânia foi derrubado nesta quarta-feira, 22, por uma moção de censura votada pelo parlamento e pode enfrentar novas eleições -- o que abre a possibilidade de uma política aliada a Moscou.
Outros riscos são países da Europa Ocidental que continuam relutante sobre a entrada da Ucrânia. Apesar de Zelenski ter recebido apoio das maiores nações do bloco (Alemanha, França e Itália), existem dúvidas sobre até onde vai. A Ucrânia se tornaria o 5º país mais populoso do bloco e de longe o mais pobre, o que leva diplomatas ouvidos em anonimato pelo Washington Post a afirmarem que alguns países se preocupam sobre um desequilíbrio entre a Europa Ocidental e Oriental e uma maior dificuldade para tomar decisões.
Possíveis ganhos da Ucrânia como país-membro da UE
A entrada da Ucrânia na União Europeia faria o país estar junto do maior bloco econômico do mundo. Os ganhos mais visíveis são de benefícios econômicos, maior poder diplomático e maior capacidade de atrair investimentos, devido ao status de estabilidade da UE, funcionando como uma âncora para o país.
Os ganhos econômicos são significativos para um país que teve no ano passado o PIB per capita de US$ 4.872, menos da metade do atual membro mais pobre da UE, a Bulgária, que teve US$ 11.683, segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Por isso, a comemoração da Ucrânia nesta quinta-feira, 23, é significativa em termos simbólicos da relação com a Rússia, mas também de perspectivas de desenvolvimento do país. “Grato a @CharlesMichel (Charles Michel), @vonderleyen (Ursula von der Leyen) e aos líderes da UE pelo apoio. O futuro da Ucrânia está dentro da UE”, agradeceu Zelenski no Twitter. /WP, NYT, REUTERS, AP
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