A China enfrenta a mais visível onda de protestos contra o governo em seu território continental em anos, com milhares de manifestantes tomando as ruas das principais cidades do país para pedir o fim da rígida política de tolerância zero contra a covid-19 estabelecida pelo governo central. No último fim de semana de novembro, Pequim e Xangai registraram protestos massivos, marcados pela forte contestação ao governo e por relatos de repressão a manifestantes.
Em todo o país, os cidadãos parecem ter chegado a um ponto de ruptura com o governo pela política de “covid zero”. Em nome do controle da pandemia, o governo chinês submete seus cidadãos a quase três anos de controles sociais implacáveis, como lockdowns que afetam milhões de pessoas, envios de cidadãos a centros de quarentena, impedimentos de circulação normal em regiões inteiras e testagem quase diárias. Apesar disso, os números da doença voltaram a aumentar no país nas últimas semanas.
Embora a insatisfação com a política contra a pandemia ― uma das mais prolongadas e rigorosas do mundo ― venha aumentando a meses, a gota d’água para mobilização dos protestos deste fim de semana foi um incêndio mortal registrado na cidade de Urumqi, capital da província de Xinjiang, na quinta-feira, 24. Dez pessoas, incluindo três crianças, morreram depois que bombeiros não conseguiram chegar perto o suficiente de um prédio em chamas para prestar socorro, o que moradores relacionam às medidas de lockdown.
Autoridades inicialmente negaram que as restrições tenham afetado a tentativa de resgate, e acusaram “forças mobilizadas por motivos ocultos” de terem vinculado o incêndio ao combate à pandemia.
A desculpa não convenceu aos moradores da cidade, que saíram para protestar ainda na sexta-feira, 25, com muitos deles agitando bandeiras chinesas e pedindo que os bloqueios fossem totalmente suspensos. A inquietação se espalhou pelo país e, no sábado, moradores de Xangai se reuniram para uma vigília à luz de velas na Wulumuqi Middle Road, em homenagem a Urumqi, que se transformou em manifestação.
Na cidade mais populosa da China, manifestantes seguraram folhas de papel em branco, em uma oposição simbólica à censura generalizada do país, e colocaram flores e velas para as vítimas de Urumqi, observados por policiais. O protesto com as folhas de papel em branco foram repetidos por estudantes da universidade Tsinghua, em Pequim, no domingo.
Os protestos não ficaram restritos apenas às medidas anti-covid especificamente, com parte dos manifestantes, em cidades como Pequim, Xangai e Wuhan, aproveitando para vocalizar sua insatisfação com o presidente recém-reeleito Xi Jinping e com o Partido Comunista Chinês. Gritos de “Xi Jinping, renúncia!”, “PCC (Partido Comunista Chinês) renúncia” ou “Não aos confinamentos, queremos liberdade” foram ouvidos em meio aos atos.
Confrontos violentos foram registrados no domingo entre as forças de segurança e manifestantes em Xangai e Pequim. Na capital chinesa, viaturas da polícia foram enviadas para as proximidades do rio Liangma, onde mais de 400 jovens protestaram aos gritos de “Todos somos moradores de Xinjiang”.
Embora não haja uma contabilidade oficial em razão do forte controle da informação pelas autoridades, relatos de jornalistas internacionais e das redes sociais apontam para uma repressão policial intensa aos atos, com a dispersão de manifestantes por meio da força e a prisão de ativistas. Há relatos também de censura na Internet.
Informação sobre as manifestações parece ter sido eliminada de todas as redes sociais chinesas, como na plataforma Weibo. Buscas por “Rio Liangma” e “rua Urumqi” não apresentavam nenhum resultado relacionado com a mobilização.
Na manhã desta segunda-feira, 28, a polícia estava mobilizada em vários pontos de Pequim e Xangai, perto dos locais em que foram organizados os protestos de domingo. Segundo um correspondente da France-Presse, manifestantes foram obrigados por agentes de segurança a apagar fotografias de seus smartphones.
A polícia de Xangai, cidade mais duramente afetada pela política de covid zero durante a pandemia, não revelou quantas detenções foram efetuadas no fim de semana. Um dos presos, porém, foi o jornalista britânico Ed Lawrence, da BBC, que foi agredido por agentes chineses, segundo a emissora.
Autoridades locais afirmaram que Lawrence não apresentou suas credenciais de repórter em meio ao protesto. Em um comunicado, a rede britânica afirmou que o governo chinês não forneceu nenhuma explicação oficial ou pedido de desculpas, a não ser a justificativa de funcionários que mais tarde liberaram o jornalista e disseram que o prenderam para seu próprio bem, para que ele não pegasse covid no meio da multidão. “Não consideramos esta uma explicação credível”, completou a BBC no comunicado.
Abrandamento
O governo chinês não comentou os protestos ou as críticas a Xi Jinping e ao Partido Comunista Chinês nesta segunda-feira e a avisaram que a política de covid zero será mantida. No entanto, alguns sinais de abrandamento de regras mais rigorosas parecem surgir, mesmo em um momento de subida dos casos de covid no país.
Em Pequim, autoridades municipais anunciaram que deixariam de instalar portões para bloquear o acesso a complexos de apartamentos onde forem confirmados casos da doença.
“As passagens devem permanecer livres para transporte médico, fugas de emergência e resgates”, disse um funcionário da cidade encarregado do controle epidêmico, Wang Daguang, de acordo com o China News Service, sem mencionar o caso em Xinjiang.
Em Guangzhou, metrópole manufatureira e comercial do sul, o maior ponto crítico na última onda de infecções da China, o governo anunciou que alguns residentes não precisarão mais passar por testes em massa, citando a necessidade de conservar recursos. Em Urumqi, mercados e outros negócios em áreas consideradas de baixo risco de infecção devem reabrir nesta semana, bem como o serviço de ônibus público será retomado./ Com WPOST, AFP e AP
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