Pela primeira vez desde o fim do apartheid, em 1994, o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), partido político sul-africano que tem o ex-presidente Nelson Mandela como seu maior símbolo, não conquistou a maioria parlamentar desde que chegou ao poder há 30 anos. O resultado, que pode significar uma grande mudança política no país, foi celebrado por votantes mais jovens, que reclamam da economia e da falta de segurança pública.
O anúncio oficial da contabilização de votos foi feito neste domingo, 2, e mostrou que o ANC conquistou 159 cadeiras das 400 na Assembleia Nacional da África do Sul, o que representa 41%. O resultado demonstra uma queda na popularidade do partido do atual presidente Cyril Ramaphosa, já que, nas últimas eleições de 2019, ele obteve quase 58% dos votos. A situação custa a maioria no Parlamento, responsável por eleger o presidente do país.
“Talvez eles tivessem um plano para combater o apartheid, mas não um plano para a economia”, disse Buhle Mathivha, sul-africana de 34 anos que comemorou a derrota do partido de Mandela enquanto assistia a apuração com o marido, Khathu Mathivha, de 36.
Por mais que o ANC continue a ser o partido líder das eleições, a contagem é vista como uma derrota política e uma reprovação para eleitores como o da família Mathivha, que ficam irritados com o único partido que conhecem desde o fim do apartheid.
Segundo o jovem casal, o partido pode ser descrito como “corrupto” e, ao decidirem não votar no ANC, romperam com convicções familiares e até mesmo com votos anteriores. Eles fazem parte do maior grupo de eleitores registrados do país, que tem entre 30 e 39 anos e compõem quase um quarto dos votantes. Os mais velhos, entre 40 e 49 anos, compõem mais de um quinto.
Leia também
O que explica a “desilusão” dos mais jovens pelo Congresso Nacional Africano é a idade. Os sul-africanos nascidos após o apartheid, não experimentaram a euforia e o crescimento econômico da África do Sul como as gerações passadas, mas sim um declínio. Na região onde os Mathivhas vivem, na província de Gauteng, o ressentimento entre os eleitores negros têm crescido, uma vez que o ANC tem falhado em fornecer os serviços mais básicos.
Buhle e Khathu Mathivha, que têm um filho de 3 anos, não confiam mais nas escolas públicas e precisam economizar para pagar o ensino particular. A despesa será mais uma para a conta, em um momento com uma alta inflação. O local onde vivem também tem sofrido apagões elétricos frequentes, o que deixa a rua vazia e escura durante a noite.
Quando depositaram o voto na última semana para a Aliança Patriótica, partido criado há cerca de uma década por um ex-condenado que virou empresário, a segurança pública foi um dos principais aspectos levados em consideração. “O crime é uma grande preocupação para nós”, disse a esposa.
Gayton McKenzie, líder do partido, prometeu ser duro contra os crimes e pediu a volta da pena de morte. Quando foi prefeito de um distrito rural na província de Western Cape, ele trouxe empregos para a cidade, melhorou a infraestrutura e não aceitou o salário pelo cargo, segundo Buhle Mathivha, que acredita que quem ainda vota no ANC “temem o racismo e o apartheid mais do que temem a pobreza”.
“Se o ANC tivesse resolvido a infraestrutura, policiamento, educação, os fundamentos, provavelmente eu teria votado neles”, reforçou Khathu Mathivha.
Apesar do otimismo com o resultado, a família está preocupada com a instabilidade dos governos de coalizão. Julius Malema, líder do Combatentes da Liberdade Econômica (EFF, na sigla em inglês), fez declarações exigindo um papel no Ministério da Fazenda como condição para a cooperação.
O partido defende a nacionalização do Banco Central do país e fez incursões entre a classe média negra nos centros urbanos. No entanto, nesse setor, o recém-chegado, o uMkhonto we Sizwe, ou partido MK, liderado pelo antigo presidente do ANC, Jacob Zuma, obteve mais sucesso e ficou com a terceira maioria. “Mais do que tudo, o ANC foi humilhado”, celebrou Buhle Mathivha. / The New York Times
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.