MIAMI, EUA - Livros didáticos e os parques da Disney, o maior grupo de entretenimento dos Estados Unidos, tornaram-se os mais novos alvos do governo da Flórida, liderado pelo republicano Ron DeSantis.
Em meio ao que analistas americanos classificam como guerra cultural, DeSantis e seus aliados na política estadual têm promovido uma agenda política conservadora -- de inspiração trumpista -- radicalizando os debates sobre temas como imigração, aborto e direitos LGBT.
A cruzada republicana na agenda dos costumes começa a ter efeitos práticos: Quarenta e dois livros didáticos de matemática propostos para uso em salas de aula do Estado foram rejeitados por incorporar tópicos “proibidos ou estratégias não solicitadas”, incluindo tópicos de aprendizado socioemocional.
No caso mais recente, na semana passada, o governador assinou uma lei para acabar com o estatuto especial que permite à Disney atuar como um governo local no Reedy Creek Improvement District, região onde instalou seus parques de diversões em Orlando, após um CEO da companhia se posicionar contra outra lei, aprovada pelo Parlamento estadual, que limita o ensino de questões relacionadas a gênero nas escolas.
O comportamento dos republicanos na Flórida vem sendo descrito por analistas políticos como parte de uma transformação do partido, que se aproxima de narrativas que remontam teorias conspiratórias e radicais. Paul Krugman, vencedor do Nobel de Economia em 2008, defendeu em artigo recente que os acontecimentos na Flórida expõem “sintomas da transformação do Partido Republicano, de partido político normal em um movimento radical fundamentado em teorias de conspiração e intimidação.”
Entenda os principais pontos da controvérsia envolvendo os republicanos, a Disney e livros didáticos na Flórida
Lei proíbe ‘ideologia de gênero’ nas escolas
Em março, DeSantis aprovou a projeto de lei de “direitos dos pais na educação da Flórida”, apelidada por defensores dos direitos LGBT de lei “Don’t say gay” (”Não diga gay”, em tradução livre). Em linhas gerais, a norma proíbe a “instrução ou discussão” em sala de aula sobre questões LGBT do jardim de infância até a terceira série, além de abrir margem para que os pais de alunos processem o distrito escolar, caso abordem temas que não julgam adequado para estudantes de determinada idade.
Grupos de defesa dos direitos LGBT dizem que a nova legislação é discriminatória e processaram o Estado da Flórida por violação de direitos constitucionalmente protegidos, como liberdade de expressão, igualdade e devido processo legal de estudantes e famílias.
Para Entender
Legisladores que aprovaram a lei, em contrapartida, argumentam que os pais devem ser responsáveis sobre em que momento seus filhos devem ser expostos a determinados assuntos.
A lei também determina que as escolas orientem os pais sobre quando seus filhos devem recebem serviços de saúde mental, o que é visto com preocupação pela comunidade escolar, pois pode tirar da escola a capacidade de servir como um refúgio para alunos que não se sintam à vontade para conversar com seus pais sobre sua orientação de gênero ou sexualidade.
Proibição de livros didáticos
Em abril, a Flórida considerou inadequados 42 dos 132 livros didáticos de matemática propostos para uso em salas de aula de escolas públicas por incorporarem “tópicos proibidos ou estratégias não solicitadas”, incluindo aprendizado socioemocional e elementos de teoria racial crítica.
Em uma entrevista na primeira quinzena do mês, DeSantis destacou a presença de material de “aprendizagem social e emocional” nos livros escolares como motivo para serem rejeitados.
“A matemática é sobre obter a resposta certa”, disse ele. “E queremos que as crianças aprendam a pensar para que recebam a resposta certa. Não é sobre como você se sente sobre o problema.”
O jornal americano The New York Times conseguiu revisar 21 dos livros rejeitados por meio das amostras de materiais fornecidos pelas editoras aos distritos escolares da Flórida.
“Na maioria dos livros, havia pouco que tocasse em (questões de) raça ou em uma estrutura acadêmica como a teoria racial crítica. Mas muitos dos livros incluíam conteúdo de aprendizagem socioemocional, uma prática com raízes na pesquisa psicológica que tenta ajudar os alunos a desenvolver mentalidades que podem apoiar o sucesso acadêmico”, revelou o jornal em matéria publicada no dia
Até recentemente, a ideia de desenvolver habilidades socioemocionais era bastante incontroversa na educação americana, com pesquisas sugerindo que alunos com essas habilidades obtêm notas mais altas nos testes. Mas ativistas de direita como Chris Rufo, membro sênior do Manhattan Institute, tentam vincular o aprendizado socioemocional a um debate mais amplo sobre o ensino de raça, gênero e sexualidade nas salas de aula.
Disney x DeSantis
Em meio ao avanço das legislações -- vistas como limitantes da diversidade no ambiente escolar --, ativistas passaram a cobrar um posicionamento do grupo Disney, maior empresa do ramo de entretenimento dos EUA e um dos maiores empregadores do Estado da Flórida.
Inicialmente, a companhia relutou em se posicionar, o que amplificou as declarações de críticos, que apontaram doações da empresa à campanhas anteriores de alguns legisladores estaduais que apoiaram a norma que limita o diálogo sobre gênero nas escolas.
“Quero ser muito claro: eu e toda a equipe de liderança apoiamos inequivocamente nossos funcionários LGBTQ+, suas famílias e suas comunidades. E estamos comprometidos em criar uma empresa mais inclusiva – e um mundo”, escreveu Chapek em um memorando aos funcionários, divulgado pelo site The Hollywood Reporter.
Além de apoio aos funcionários, o grupo Disney também se posicionou a favor da anulação da lei, o que enfureceu os republicanos da Flórida.
DeSantis respondeu em uma coletiva de imprensa a um tuíte feito pelo grupo Disney, que pedia que o legislativo estadual ou o judiciário revogassem a norma. “Acho que eles ultrapassaram os limites”, disse durante uma entrevista, segundo registro do site Politico. “Vamos nos certificar de que estamos lutando quando as pessoas estão ameaçando nossos pais e ameaçando nossos filhos.”
Após a resposta retórica, no fim de março, a resposta factual veio nessa semana, quando o governador assinou uma lei para acabar com o estatuto que permite à gigante do entretenimento Disney atuar como um governo local na região onde instalou seu parque de atrações em Orlando./ NYT e WPOST
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.