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Extrema direita pode perder influência na UE por falta de cooperação, avalia cientista política

Nathalie Tocci, diretora do Instituto de Assuntos Internacionais da Itália, aponta que divisão entre partidos da direita radical pode diminuir impacto no Parlamento Europeu

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Foto do author Daniel Gateno
Atualização:
Foto: Reprodução/Instituto de Assuntos Internacionais da Itália
Entrevista comNathalie Toccicientista política e diretora do Instituto de Assuntos Internacionais da Itália

Os partidos de extrema direita são tão nacionalistas que não são bons na cooperação internacional, avalia Nathalie Tocci, cientista política e diretora do Instituto de Assuntos Internacionais da Itália. Tocci aponta que a divisão entre os partidos da direita radical pode fazer com que a influência deles não seja tão grande no Parlamento Europeu.

As eleições para o Legislativo Europeu que foram encerradas no último domingo, 9, mostraram um avanço da extrema direita no Legislativo da União Europeia (UE), apesar da dianteira de partidos centristas tradicionais. Mesmo assim, a direita radical pode não aproveitar os ganhos, já que está dividida entre o partido Identidade e Democracia (ID), que tem o partido Reagrupamento Nacional, da francesa Marine Le Pen na dianteira, e os Reformistas e Conservadores Europeus (RCE), da primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni.

“Eles discordam em muitas questões, têm grandes divisões. Um exemplo disso é a questão da imigração, eles podem odiar os imigrantes, mas discordam sobre como lidar com a questão. Eles também discordam em relação a como lidar com a Rússia, dependendo da posição geográfica”, aponta Tocci, em entrevista ao Estadão.

Segundo projeções divulgadas pelo Parlamento Europeu, o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, deve conquistar 185 cadeiras, seguido pela Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, de centro-esquerda, que deve conquistar 137 cadeiras. O partido centrista Renovar a Europa, liderado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, será a terceira força do Parlamento, com 79 cadeiras, uma perda de 23 assentos. Já os Reformistas e Conservadores Europeus (RCE), de extrema direita, devem chegar a 73 cadeiras, seguidos pelo Identidade e Democracia (ID), também da direita radical, com 58 cadeiras.

O partido Alternativa para a Alemanha, de extrema direita, ficou em segundo lugar nas pesquisas na Alemanha, mas entra no Parlamento Europeu sem grupo partidário após ser expulso do ID devido a comentários revisionistas de Maximilian Krah, então principal nome do partido para as eleições no Parlamento Europeu. Krah afirmou em entrevista ao jornal italiano La Reppublica que nem todos os membros da SS, organização paramilitar nazista, eram criminosos.

A cientista política italiana, que foi Conselheira Especial dos Altos Representantes da UE, Federica Mogherini e Josep Borrell, destacou que a União Europeia (UE) precisa de uma frente unida para lidar com os desafios externos. “Nós estamos com muitos problemas na Europa, com uma guerra no continente, além da crise climática, uma outra guerra no Oriente Médio, Donald Trump pode retornar a Casa Branca e nós não temos boas relações com o chamado Sul Global”, avalia Tocci. “Então temos muito trabalho no contexto externo e precisaríamos de uma união no Parlamento Europeu para enfrentar tudo isso”.

A líder do partido Reagrupamento Nacional Marine Le Pen participa de um comício ao lado de Jordan Bardella, jovem estrela do partido de extrema direita, em Paris, França  Foto: Thomas Padilla/AP

Confira trechos da entrevista:

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Quais são as principais pautas das eleições para o Parlamento Europeu?

As eleições para o Parlamento Europeu são muito peculiares. Anteriormente, eram eleições que funcionavam como um referendo de cada governo nacional, não era necessariamente com um enfoque em questões europeias; mas isso tem mudado e as pautas têm ficado mais europeias.

Não necessariamente porque os cidadãos sabem mais sobre os temas europeus ou sobre o que acontece no Parlamento Europeu, mas existe uma consciência da importância da União Europeia como modelo de governança. Com isso, a participação popular aumentou.

Por outro lado, o projeto europeu se tornou mais polarizado e houve um aumento do apoio a partidos eurocéticos, de extrema direita. Então se antes as pessoas que não gostavam da UE não votavam nas eleições para o Parlamento, agora elas fazem questão de votar, mesmo que votem contra o projeto europeu.

Eu tenho a certeza de que essa será uma eleição mais europeia do que nacional de cada país, mas não necessariamente pró-UE.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, participa de uma coletiva de imprensa ao lado da primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni  Foto: Cecilia Fabiano/AP

A extrema direita pode fazer parte da maioria no Parlamento Europeu?

A França e a Alemanha representam esse avanço da extrema direita, principalmente porque são países que têm muitos eurodeputados proporcionalmente. Os países têm números de cadeiras diferentes dependendo de seu tamanho, mas a extrema direita não deve fazer parte da maioria.

A extrema direita na Alemanha sofreu um baque com a expulsão do partido Alternativa para a Alemanha do grupo europeu de extrema direita Identidade e Democracia (ID), após as declarações do então líder do partido no Parlamento, Maximilian Krah, que afirmou que nem todos os oficiais da SS eram criminosos.

Então o Alternativa para a Alemanha terá parlamentares, mas sem um grupo no Parlamento Europeu eles não conseguem ter influência.

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O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, conversa com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, em Bruxelas, Bélgica  Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP

Até agora, os partidos da extrema direita não tiveram tanta influência no Parlamento Europeu porque os partidos nacionalistas não são muito unidos, eles discordam em muitas questões, têm grandes divisões. Um exemplo disso é a questão da imigração, eles podem odiar os imigrantes, mas discordam sobre como lidar com a questão. Eles também discordam em relação a como lidar com a Rússia, dependendo da posição geográfica.

As legendas nacionalistas não são muito boas em cooperação internacional e por isso não são efetivas. Mas isso pode mudar. Marine Le Pen está tentando conversar com Meloni para que os dois partidos trabalhem juntos. Minha aposta é que eles não vão conseguir trabalhar de forma efetiva, mas estão tentando e se conseguirem criar uma união, podem se transformar em uma minoria barulhenta no Parlamento.

No contexto externo, um Parlamento de extrema direita seria bem ruim. Nós estamos com muitos problemas na Europa, com uma guerra no continente, além da crise climática, uma outra guerra no Oriente Médio, Donald Trump pode retornar a Casa Branca e nós não temos boas relações com o chamado Sul Global. Então temos muito trabalho no contexto externo e precisaríamos de uma união no Parlamento Europeu, precisaríamos de uma frente unida.

Como os partidos de extrema direita vão lidar com parlamentares que fazem comentários revisionistas como os que o membro do Alternativa para a Alemanha fez?

Acredito que ainda exista uma incógnita em relação à extrema direita. Se eles vão pretender ser menos de extrema direita para se tornarem mais palatáveis para eleitores mais moderados. Não sabemos se Marine Le Pen, por exemplo, irá seguir o caminho de Giorgia Meloni, que teve mais sucesso em uma plataforma mais moderada.

Le Pen expulsou o Alternativa para a Alemanha do Identidade e Democracia (ID), mas eu não acredito que estes políticos sejam moderados. Muitos pretendem ser e são ótimos nisso, mas meu medo é que essa moderação seja mais perigosa no futuro.

Maximillian Krah, eurodeputado do Alternativa para a Alemanha, participa de uma sessão do Parlamento Europeu em Estrasburgo, França  Foto: Jean-francois Badias/AP

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, quer outro mandato. Se a extrema direita fizer parte da maioria, existe a possibilidade de von der Leyen não ser reeleita? Ou ela tentará obter o apoio desse grupo?

Depois das eleições, o Conselho Europeu se encontra e eles apresentam os nomes para as 3 principais funções da União Europeia: presidente da Comissão Europeia, presidente do Conselho Europeu e o Alto representante da União Europeia para política externa. Depois disso, o presidente da Comissão Europeia precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu. Eu estou confiante de que von der Leyen será o nome indicado pelo Conselho Europeu, não existe outro candidato no momento.

Contudo, ela precisa ser aprovada pelo Parlamento. Nas últimas eleições, em 2019, o nome dela foi aprovado, mas não foi unânime, ela teve apenas 8 votos acima do necessário para sua aprovação. Além disso, o voto é secreto, então mesmo que ela tenha uma suposta maioria, alguns parlamentares da suposta coalizão de von der Leyen podem não votar nela.

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Então ela sabe que mesmo que tenha uma maioria no Parlamento Europeu, ela precisa de mais votos para se garantir. Por isso ela está conversando especialmente com Giorgia Meloni e o partido de extrema direita Irmãos da Itália. Acredito que ela será o nome do Conselho Europeu, mas não tenho tanta certeza de que ela vai ser reeleita. Existe uma probabilidade de 55% de que ela seja reeleita.

E se ela não for aprovada pelo Parlamento, não existe um segundo voto. Se ela não for eleita, provavelmente a legenda de centro-direita, o Partido Popular Europeu (PPE) deve escolher um segundo nome. Muitas pessoas falam que o primeiro-ministro da Grécia, Kyriákos Mitsotákis, poderia ser um bom nome ou o Andrej Plenković, primeiro-ministro da Croácia.

Podem os resultados das eleições para o Parlamento Europeu influenciar as eleições nacionais?

Acredito que se tivermos uma mensagem clara das eleições do Parlamento Europeu, isso poderia respingar nas eleições nacionais. Esta mensagem clara seria uma espécie de confirmação das expectativas que temos de uma guinada à direita. Se essa expectativa for confirmada ou for até melhor do que esperávamos, isso pode ter um impacto positivo para os partidos de direita na Europa.

Mas temos que entender o que seria essa guinada à direita e o que seria uma vitória. Narendra Modi ganhou as eleições na Índia, todos esperavam que seria uma vitória esmagadora, que não se concretizou. Ele foi reeleito primeiro-ministro, mas as eleições não representaram uma vitória para ele.

Quero mudar um pouco de assunto. Com a guerra na Ucrânia e a possibilidade de Donald Trump voltar a Casa Branca, os países europeus precisam gastar mais em defesa, além de apoiarem a Ucrânia?

Nós não temos escolha. Temos que gastar mais em defesa e temos que continuar apoiando a Ucrânia. A segurança da Ucrânia é importante para a segurança europeia. Eu consigo imaginar uma realidade em que os EUA não apoiem mais Kiev, mas a Europa vai continuar apoiando. Nós temos que fazer mais pela nossa defesa, não temos escolha.

O secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, David Cameron, conversa com o presidente da França, Emmanuel Macron, ao lado do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz e do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em meio a comemorações pelos 80 anos do dia D  Foto: Ludovic Marin/AFP

Na entrevista do presidente Macron a The Economist, ele disse que a segurança europeia está em perigo por causa da Rússia. Você acredita que as forças da OTAN precisam ser enviadas para a Ucrânia para lutar lá ao lado dos ucranianos?

Se chegarmos em uma situação catastrófica em que a Ucrânia esteja perto de perder a guerra, imagino que sim, a Otan poderia enviar tropas para a Ucrânia. Eu não acho que estamos nesta situação agora.

Acredito que o ponto que o presidente Macron quis expressar é que tudo está na mesa, não podemos excluir nenhuma possibilidade. E não vamos falar ao inimigo o que vamos fazer ou não, isso não é inteligente.

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Não acho que tropas da Otan irão para a Ucrânia. Macron quis dizer também que esta guerra não é só sobre a Ucrânia, é sobre a segurança europeia, então não podemos deixar a Ucrânia perder.

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