ABBATEGGIO, ITÁLIA - Qual o vilarejo mais lindo da Itália? Bem, segundo o ranking oficial, 334 estão empatados em primeiro lugar. As localidades se espalham das montanhas Dolomitas, no norte, até as estradas interiores da Sicília, no Mediterrâneo, todas com a mesma designação: Aldeia Mais Linda. Elas receberam esse título da associação italiana Borghi Più Belli (Aldeias Mais Lindas), um grupo formado 20 anos atrás com o objetivo de preservar e promover lugarejos em perigo — pelo menos os que se qualificam em seus requisitos.
Desde que cheguei à Itália, quatro anos atrás, e descobri o perfil no Instagram da Borghi Più Belli, usei a lista da associação como bússola ocasional em minhas viagens, um guia para os recantos do país. E posso confirmar: as cidadezinhas são deslumbrantes; e ficam, em sua maioria, longe dos destinos turísticos.
As localidades parecem cápsulas do tempo decadentes — com frequência erguidas em torno de algum castelo, quase sempre abrigando uma boa trattoria. Alguns dos vilarejos, construídos séculos atrás para servir como postos de defesa, são cravados em pontos tão elevados de encostas ou montanhas que mais parecem fantasmas, e entre suas maravilhas está o fato de que estradas sempre foram construídas para alcançá-los.
Até aqui, estive em dúzias de cidadezinhas erguidas em encostas de toda a Itália, incluindo 20 da Lista das Aldeias Mais Lindas, e com frequência fico com a impressão de que seus residentes são bastiões dos mais corajosos, lutando por uma causa que agoniza. Os romanos foram mestres nos aquedutos. Agora, a Itália tenta consertar vazamentos em seus encanamentos.
Não importa quão pequeno o vilarejo, eles organizam festivais e concertos no verão que avançam noite adentro. Oferecem eventos diários com jogos de tabuleiro e aperitivo na piazza central.
Mas também possuem muitas casas abandonadas — resultado de mais de um século de despovoamento rural. Quem não gostaria de viver em uma cidade de contos de fadas com ares medievais em uma colina? Mas quantos de nós realmente poderiam?
Então, quando descobri que a associação Borghi Più Belli estava organizando um festival nacional, não pude deixar de ir. O evento ocorreu este ano em Abbateggio, vilarejo da região de Abruzzo encravado atrás da cadeia montanhosa do centro da Itália, à beira de um parque nacional.
Assim que saí do carro, a cidadezinha me pareceu completamente viva. Música e risos transbordavam das construções de pedra. As portas das casas estavam abertas, revelando lojas que vendiam digestivi produzidos localmente, azeite de oliva e grãos da região; havia até uma galeria de arte. Prefeitos de outras Aldeias Mais Lindas e visitantes conversavam animadamente, e um habitante local de 86 anos tocava acordeão sentado em um banco ao lado de uma garrafa de chianti, enchendo o copo de qualquer um que parasse um momento para ouvir sua música.
Com empolgação, outro homem de Abbateggio, Giacinto De Thomasis, foi meu anfitrião em um tour pela parte mais antiga do vilarejo, atravessando vielas que ele afirmou conhecer porque brincava de esconde-esconde por lá em sua infância. Chegamos a uma escada estreita que separava duas casas — no alto, nada além de um despenhadeiro e a paisagem verdejante; o limite do vilarejo. De Thomasis apontou na direção das fortificações exteriores da localidade. “Esta área”, afirmou ele, “era o castelo”.
Mas seja o que for que tenham sido, as casas de ambos os lados da escadaria estão agora degradadas. O mesmo ocorre numa residência do outro lado da rua, com sua velha porta de madeira entreaberta e décadas de poeira acumulada em seu interior. Por toda rua vê-se cartazes de “À venda”, e até propriedades que parecem bem cuidadas para quem olha de fora, afirmou De Thomasis, não passam de “cascas”. “Não têm água encanada, não têm eletricidade, são inabitáveis”, afirmou ele.
De Thomasis sabia disso porque estava procurando uma casa para comprar no vilarejo. E empreendia essa busca porque deixou Abbateggio há décadas — de onde foi forçado a sair aos 19 anos pela escassez de emprego. Ele se mudou para Montreal, onde passou a idade adulta e constituiu família, vivendo com tantas saudades de Abbateggio que voltou para visitar o vilarejo 43 vezes desde partiu.
O lugarejo onde De Thomasis nasceu, afirmou ele, foi ficando cada vez mais silencioso ao longo dos anos. O açougueiro foi embora, o supermercado fechou. A galeria de arte e as lojas de azeite de oliva só funcionam na temporada — abertas apenas durante o festival, em casas que ficam vazias no restante do ano.
Conforme o crepúsculo se aproximava, grande parte dos habitantes e visitantes do vilarejo se reuniu na praça central, onde luzes haviam sido penduradas próximo de um palco forrado de carpete vermelho. Os prefeitos usavam suas faixas tricolores, ostentando o vermelho, branco e verde da Itália. Arcebispos locais circulavam entre os VIPs. E então, o presidente da associação Borghi Più Belli, Fiorello Primi, subiu ao pódio para discursar.
O que Primi mais quer para todos esses vilarejos, disse ele, é criar um futuro “em que as pessoas tenham alguma chance”.
Primi teve a ideia da associação Borghi Più Belli quando era prefeito do vilarejo de Castiglione del Lago, na Úmbria. A ideia era atrair turismo. Ele e outros prefeitos estavam cansados de assistir ao longe toda atenção e recursos fluírem para Florença, Roma e a Costa Amalfitana.
Mas conforme eles formaram comitês, redigiram seu manifesto e selecionaram as primeiras 54 localidades, a ideia se tornou cada vez mais urgente. Os vilarejos estavam perdendo habitantes. E um ponto sobre o qual o grupo concordou foi que beleza depende de haver uma comunidade. Hoje, um dos objetivos explícitos do grupo é combater o despovoamento.
Primi afirmou que os esforços estão funcionando — em certa medida. Numa entrevista entre espetinhos de cordeiro, ele afirmou que as 334 localidades têm população estável, não em declínio. Em outras palavras, vão melhor do que vilarejos italianos comuns. Mas até algumas das Aldeias Mais Lindas — particularmente no sul, mais pobre — enfrentam problemas. E há incontáveis outras cidadezinhas que não atendem aos requisitos para ser reconhecidas e jamais receberão estímulo. Quando localidades são designadas Aldeias Mais Lindas, afirmou Primi, o valor de seus imóveis tende a subir.
Então, o que significa ser uma Aldeia Mais Linda? A associação Borghi Piu Belli tem uma resposta técnica. Uma localidade é elegível somente se possuir 70% de seus edifícios do centro histórico erguidos antes de 1939. Deve haver “harmonia” entre materiais de construção e elementos decorativos. Há no total 72 parâmetros, que lidam com aspectos como comunidade e história, e uma comissão técnico-científica analisa as candidaturas.
Em certas situações, as localidades podem ganhar status de Aldeia Mais Linda provisoriamente, sob a requisição de que façam algumas mudanças — como, por exemplo, impedir o acesso de carros ao centro histórico. Se não atendem às exigências, elas são descartadas. Como parte da análise final da candidatura dos vilarejos, um especialistas da associação os visitam.
O índice de aprovação é de aproximadamente 40%. Várias localidades se apresentam como candidatas para se tornar a 335.ª Aldeia Mais Linda, tamanha a magnitude da beleza da Itália.
Mas também existem outras maneiras de entender a beleza e, mais tarde naquela noite, enquanto a associação organizava uma palestra sobre bellezza, eu serpenteei as ruas de Abbateggio e me enfiei em uma loja de azeite de oliva. Uma pequena plateia degustava vinhos e pão com azeite. O homem que oferecia as amostras chamou minha atenção, pois transbordava energia, e depois que me identifiquei como repórter, suas ideias começaram a fluir — com tanta intensidade que tive de fazer uma pausa. Combinamos de nos encontrar na manhã seguinte.
Aquela noite, disse ele, foi apenas um “vislumbre furtivo” do que Abbateggio tem capacidade de se tornar. Na manhã que se seguiu, as multidões haviam desaparecido. Parecia que as lojas nunca haviam existido. Além de dois ciclistas pedalando, a única atividade se concentrava no ponto mais alto do vilarejo, o café em que me encontrei com Bernardo Lecci, de 51 anos, que apareceu acompanhado de Donato Parete, de 53.
Tratava-se de uma dupla curiosa — Parete, um abastado investidor milanês, empresário do ramo das abotoaduras; Lecci, um publicitário sob uma cabeleira cheia de cachos, cuja principal ocupação do momento era aconselhar Parete a respeito de como fazer valer seu dinheiro. Lecci passou grande parte de sua carreira na elegante cidade de Treviso, no norte italiano, trabalhando para a Benetton. Agora, dorme em uma cama dobrável, em Abbateggio, e não se considera mais turista.
Eles contaram que têm grandes sonhos para o vilarejo. O pai de Parete, Ermando, nasceu lá. Depois que Ermando morreu, em 2016, e depois de Parete se tornar pai, ele começou a sentir uma necessidade de se conectar com o passado de sua família. Então, foi para Abbateggio e começou a comprar casas — uma, duas, três… 12 ao todo. Ele também ajudou a recuperar o café do vilarejo, que havia fechado no ano passado sem planos de reabertura.
Lecci e Parete começaram a sonhar com maneiras de ressuscitar o vilarejo — ideias em sua maioria ainda no campo da conjectura. Talvez, afirmou Parete, eles possam recrutar pesquisadores em universidades interessados no meio ambiente montanhoso. Talvez consigam atrair nômades digitais. Talvez possam transformar suas propriedades em um hotel — com os quartos espalhados por diferentes imóveis na cidade.
Parete afirmou que isso é um projeto “que levaria uma vida” para se concretizar, porque neste momento Abbateggio não tem muito a oferecer aos visitantes — nem sequer a trattoria obrigatória.
Lecci me levou para conhecer seus 12 imóveis, e minha impressão foi que muitos precisariam de grandes reformas. Uma das casas era apenas uma sala de estar, congelada no tempo de uma década anterior, com um console de TV empoeirado, garrafas verdes e uma pequena foto de Jesus. Outro imóvel — que Lecci e Parete estão de olho para comprar — parecia ter sido abandonado às pressas: havia uma mala aberta no chão, cheia de roupas, e uma pilha de móveis quebrados ocupava um dos lados da residência.
Mas eu sou o tipo de pessoa que desistiria diante da trabalheira que dá esse tipo de projeto; Lecci não. Ele já passou meses tentando encontrar as melhores partes de Abbateggio e suas cercanias; se entusiasma ao falar das azeitonas locais e das vizinhas que lhe vendem queijo; e afirma que a macellaria a 25 quilômetros de lá é a “Tiffany’s dos açougues”. Lecci gostou tanto de uma cerveja produzida na região que comprou um estoque para o café do vilarejo. E também consegue ver potencial nos imóveis. “Com um pouco de imaginação…”, disse ele, abrindo uma porta atrás da outra. “Sei que a coisa está feia agora, mas…”
Caminhamos por mais algumas ruelas estreitas e chegamos ao ponto máximo do tour: um jardim oculto do restante do vilarejo. Algumas janelas das casas de seu entorno revelam as paredes cheias de teias de aranha dos imóveis vazios, com seu exterior descascando-se trazendo à tona pedras ainda mais antigas — camada sobre camada da história. Mas Lecci não estava pensando no passado, estava pensando no futuro — e num jardim repleto de mesas algum dia. Talvez para o chá, talvez para o café. “Para as pessoas”, disse ele. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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