Envio de imigrantes para redutos democratas expõe sistema americano sobrecarregado; leia análise

Longos atrasos na resolução de casos de asilo se tornaram uma crise grave e autoperpetuante nos Estados Unidos

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Por Farah Stockman*

Desde abril, o governador Greg Abbott, do Texas, transportou de ônibus mais de 7,9 mil imigrantes do Estado para a capital do país, Washington. Em agosto, ele começou a enviá-los para Nova York. Agora, o governador da Flórida, Ron DeSantis, está entrando em ação, enviando dois aviões de migrantes para Martha’s Vineyard, em Massachusetts.

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Abbott diz que os prefeitos democratas estão blefando quando afirmam que vão receber imigrantes indocumentados. Também faz parte de um plano republicano não tão secreto para incitar a raiva contra os democratas antes das eleições de meio de mandato.

Política à parte, uma coisa é clara: o sistema de imigração dos EUA está sobrecarregado e desatualizado há muito tempo, e o processo de asilo é uma grande parte do que não está funcionando.

Imigrantes se despedem antes de deixar Massachusetts nesta sexta-feira, 16. Governador da Flórida os enviou em meio a uma provocação política com os democratas  Foto: Ron Schloerb / AP

O número de novos pedidos de asilo apresentados nos tribunais de imigração dos EUA aumentou para 156.374 em 2022 – ainda faltando quatro meses para encerrá-lo – de 32.895 em 2010. Isso se deve em parte porque os conflitos e a covid-19 impulsionaram a migração em massa em todo o mundo.

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Os tribunais de imigração não conseguiram acompanhar o aumento de recém-chegados. Em 2010, havia um acúmulo de cerca de 100 mil casos de pedidos de asilo pendentes. Hoje, esse número aumentou para mais de 660 mil. Quando outros tipos de casos, como ordens de deportação, são incluídos, o acúmulo nos tribunais de imigração sobe para mais de 1,8 milhão.

Os números refletem um aumento recente na migração. Nos últimos dois anos, cerca de 1 milhão de pessoas foram autorizadas a entrar no país para aguardar audiências no tribunal de imigração, de acordo com uma reportagem recente do New York Times.

Cada pessoa tem um ano para apresentar um pedido de asilo. Esse não é apenas um fenômeno da era Biden: um número semelhante foi admitido pelo governo Trump durante um período de 24 meses em 2018 e 2019, o último grande aumento na migração.

Combinados, esses números quebraram o sistema. Embora as audiências de asilo devam ser realizadas dentro de 45 dias após a apresentação de um pedido, os tempos de espera atuais para uma audiência de asilo são em média de quase quatro anos e meio, de acordo com dados de pesquisadores compilados no centro TRAC da Universidade de Syracuse.

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Quanto mais tempo leva para resolver um caso, mais difícil pode ser remover pessoas cujos pedidos de asilo foram negados, como aconteceu em mais da metade dos casos no ano passado. Prevê-se que mais de 745 mil processos de deportação tenham sido iniciados em 2022, mais do dobro do que em qualquer outro ano, com exceção de 2019.

Os longos atrasos na resolução de casos de asilo tornaram-se uma crise grave e autoperpetuante: eles incentivam as pessoas a apresentar pedidos de asilo infundados, sabendo que isso lhes renderá anos, mesmo que sejam eventualmente deportados.

Parte do problema é que o asilo é um dos poucos caminhos legais que pessoas economicamente desesperadas podem usar para obter permissão para viver e trabalhar nos Estados Unidos. De acordo com a lei dos EUA e as convenções das Nações Unidas estabelecidas após a 2ª Guerra, as pessoas que expressam um “fundado temor de serem perseguidas por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política” têm permissão para aguardar a decisão de seus casos de asilo dentro dos EUA, onde podem solicitar autorização para trabalhar 150 dias após o pedido de asilo.

Imigrante na chegada a Martha's Vineyard, em Massachussetts, na quarta-feira, 14 Foto: Ray Ewing/Vineyard Gazette via Reuters

Os Documentos de Autorização de Trabalho devem ser renovados a cada dois anos, criando mais uma montanha de papelada que a burocracia deve acompanhar.

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Os requerentes de asilo com casos genuínos estão entre os mais prejudicados por alegações falsas, o que aumenta muito o tempo que eles devem esperar por proteção legal.

O governo Trump tentou vários métodos para desencorajar as pessoas de apresentar novos pedidos de asilo, incluindo forçar algumas delas a permanecer no México enquanto solicitavam asilo nos EUA.

No entanto, os pedidos de asilo na verdade aumentaram acentuadamente sob o presidente Donald Trump, em parte por causa de um aumento na migração, mas também como uma defesa contra seu esforço intensificado para deportar pessoas.

O surto global de covid-19 apresentou uma nova oportunidade para reduzir os pedidos de asilo. O Título 42 - a política de saúde pública relacionada à pandemia que o governo Trump instituiu em março de 2020 - permitiu que as autoridades dos EUA expulsassem rapidamente os migrantes na fronteira sem lhes conceder a chance de registrar um pedido de asilo. Muitos são empurrados de volta para o México, expondo-os a mais perigos.

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O governo Biden anunciou que reabriria o processamento de asilo na fronteira e buscaria interromper o uso do Título 42, mas mais de 20 procuradores republicanos processaram o governo para manter a medida em vigor, mesmo quando alguns deles lutaram contra outros esforços com relação à covid insistindo que a pandemia estava sendo exagerada. Até agora, os esforços do governo para mudar a política foram bloqueados por um juiz federal.

O Título 42 acabará derrubado e o país voltará a contar com o Título 8, a medida pré-pandemia sob a qual os agentes dos EUA podem deportar ou multar rapidamente pessoas pegas entrando ilegalmente nos EUA, a menos que sejam consideradas elegíveis para solicitar asilo.

Isso é justo. Um sistema bem administrado deve ser capacitado para remover rapidamente pessoas com alegações infundadas, enquanto conecta aqueles com casos genuínos a redes de apoio social.

Nessa frente, o governo Biden não recebeu o crédito que merece por uma mudança de regra importante, embora subestimada, que poderia reformar o sistema. Há alguns meses, oficiais de asilo treinados estão julgando alguns pedidos de asilo em instalações de detenção de imigrantes no Texas, aliviando os tribunais. Os requerentes de asilo que tiverem pedidos negados ainda podem recorrer a um juiz. A esperança é que julgamentos rápidos de novos casos impeçam o acúmulo de pedidos e desencorajem pedidos falsos ou sem mérito.

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A nova regra não é um tapete de boas-vindas que muitos ativistas dos direitos dos imigrantes queriam do governo Biden após quatro anos de Trump. Tampouco é o tratamento de tolerância zero que muitos republicanos veem como a única maneira de impedir que os imigrantes se acumulem na fronteira. Mas é uma política sólida baseada em recomendações e extensa pesquisa de grupos respeitados, incluindo o Instituto de Políticas de Migração, apartidário.

Em uma época em que quase tudo que um presidente faz sobre imigração atrai uma ação judicial, ela foi cuidadosamente escrita para ser o mais à prova de litígios possível. Combinado com os esforços bipartidários para aumentar a capacidade de abrir processos na fronteira em centros de recepção que têm todos os departamentos e agências relevantes no mesmo local, ela poderia eventualmente transformar um sistema quebrado em um muito mais eficiente, moderno e justo.

Em um momento em que os americanos já estão em desacordo uns com os outros sobre o que podemos chamar de valores centrais – as crenças culturais que unem nosso país – é razoável se preocupar se a adição de recém-chegados complicará a tarefa de forjar um futuro comum.

No entanto, essa também é uma questão que vai ao cerne do que os EUA são e se continuarão a ser um lugar onde as massas cansadas, pobres e amontoadas do mundo podem ter uma segunda chance.

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Para ser fiel à sua identidade como um país pluralista, precisa de um sistema de asilo que garanta que as pessoas que se qualificam para proteção possam obtê-lo – minimizando o abuso do sistema por aqueles que estão apenas tentando pular a fila.

*É JORNALISTA