ENVIADO ESPECIAL A QUITO, EQUADOR - Após um primeiro turno violento, marcado por assassinatos encomendados de líderes políticos e pelo terror imposto nas ruas, o Equador votou amplamente neste domingo, 20, para mudar de forma decisiva os rumos de um país que se encontra, há mais de três anos, imerso em uma profunda crise política e social. Agora, duas fórmulas estruturalmente opostas devem disputar a presidência da nação sul-americana: a esquerda tradicional, liderada por Luisa González, 45 anos, que é apoiada pelo ex-presidente Rafael Correa; e Daniel Noboa, um empresário de direita de 35 anos que derrubou todas as previsões das pesquisas eleitorais e surpreendeu o público com um sólido resultado no sufrágio.
Os dois políticos enfrentam um cenário historicamente desafiador. Na primeira metade deste ano, a Polícia Nacional registrou 3.568 mortes violentas, número que supera as 2.042 registradas no mesmo período de 2022. O narcotráfico, que se fortaleceu de forma inédita nos últimos três anos, domina as ruas e é a nova autoridade em regiões onde o estado não é mais presente. E de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censo do Equador, 27% dos cidadãos deste país vivem na pobreza na terceira nação mais desigual do continente.
Neste contexto, contudo, a incerteza continua assombrando o pleito eleitoral equatoriano, com a dificuldade de ambos candidatos para argumentar, de forma eloquente, como suas propostas podem solucionar os problemas da nação.
No último 13 de agosto, em um debate presidencial assistido em todo o Equador, González replicou comentários dos seus rivais repetindo como consigna uma mesma frase que bem poderia resumir o proposto na sua campanha: “Já fizemos isso”. Seu objetivo, disse ela, é retomar as conquistas dos governos de Rafael Correa (2007-2017) para tornar o Equador estável novamente.
“A nostalgia tem dominado a campanha de Luisa González. No debate, seu discurso pareceu vazio, sem grandes novidades, e é este um dos fatores que enfraquecem a sua imagem”, disse Ingrid Rios, cientista política equatoriana. Para Ingrid Rios, os votos conquistados por González representam, na maior parte, o chamado “voto duro” do correísmo, de pessoas que acreditam fortemente nas políticas dos governos do passado e que estão dispostas a apoiar a continuidade.
Contudo, disse ela, a grande dificuldade da líder do partido Revolución Ciudadana será atrair votos dos indecisos e conquistar os votos dos céticos. “A raiz do assassinato de [Fernando] Villavicencio e do último debate, sua mensagem parou de ressoar com o público que busca soluções reais. O jogo político mudou totalmente. No segundo turno, ela deverá mudar a mensagem política e passar a focar nas propostas importantes”, disse a cientista política em entrevista ao Estadão. “No segundo turno é muito provável que Luisa González suba um pouco [na expectativa de votos], mas sua campanha teria que trabalhar muito forte para encontrar alianças e se posicionar com menos tom de confronto, pois discursos de vingança não vão chamar a atenção de uma população que vive com medo”.
No evento que encerrou sua campanha, na semana anterior, Daniel Noboa falou amplamente sobre propostas de treinamento e entrega de recursos para que o sistema judicial e as forças de segurança possam enfrentar e prevenir o crime organizado. Para lidar com a crise carcerária, que tem gerado ao menos 18 chacinas nos últimos anos, o plano de Noboa trata da aceleração dos procedimentos judiciais para garantir o direito a um julgamento rápido e justo, além do investimento em infraestrutura para melhorar as condições carcerárias.
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“Ele [Daniel Noboa] tem a vantagem de entender o que as pessoas precisam em termos de segurança”, disse ao Estadão o especialista em segurança e docente da Universidade Regional Autônoma dos Andes, Kleber Carrión. “O maior problema da esquerda progressista de Luisa González é o desencontro com o povo em relação a quais devem ser as políticas públicas que vão garantir a segurança. O Equador vive tempos difíceis, e a população quer soluções rápidas que as liberte do medo contínuo”, disse ele.
Segundo Carrión, na campanha para o primeiro turno das eleições a segurança dominou o debate público, com candidatos como Jan Topic e o falecido Fernando Villavicencio focando em um discurso de “linha dura” contra o crime. “Isso não está enfaticamente presente na campanha de Revolución Ciudadana”, afirma Carrión.
Para Ingrid Rios, Noboa é a novidade em um cenário político em ebulição, assim como Correa também foi na sua época, e isso pode fazer toda a diferença no segundo turno. “Noboa pode se tornar o presidente mais jovem do Equador, e isso tem uma grande força política muito significativa pelo contexto atual da América Latina. Já vimos algo similar ocorrer no Chile, com Gabriel Boric (apesar das tendências opostas)”, afirmou a cientista política.
“No primeiro turno, o voto dos indecisos foi para Daniel Novoa. Já no segundo turno, é muito mais provável que o voto depositado em candidatos de direita como Jan Topic e Christian Zurita vá para Noboa do que para Luisa González”.
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