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Equador prendeu chefão do narcotráfico — e ele acaba de lançar um videoclipe musical da prisão

Vídeo evidencia o controle das gangues sobre sistema prisional que tem nível recorde de violência em meio à disputa de grupos narcotraficantes

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Por Samantha Schmidt

O videoclipe musical de qualidade profissional parece muito e soa quase exatamente como uma tradicional balada mexicana. Uma mulher aparece cavalgando em um campo, dois homens com chapéu de caubói começam a cantar, após uma introdução em acordeão, a respeito de um um “homem de muita honra”. E então o astro, um dos mais temidos chefões do narcotráfico do Equador, aparece posando para a câmera dentro da penitenciária mais famosa do país.

O vídeo, aparente gravado nas dependências da prisão de Guayaquil e postado no YouTube no fim de semana passado, homenageia José Adolfo “Fito” Macías Villamar, um assassino condenado pela Justiça que ajudou a liderar a gangue Los Choneros — que, segundo relatos, associa-se com o Cartel de Sinaloa para traficar cocaína para os Estados Unidos.

Detentos pedem volta de chefe de gang para presídio regional do Equador, Guayaquil, 14 de agosto de 2023.  Foto: EFE/Jonathan Miranda

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“El Corrido del León” (A balada do leão), do grupo Mariachi Bravo, escarnece de um governo que se provou incapaz de retomar das gangues cada vez mais poderosas no Equador o controle do sistema carcerário do país. Com o vídeo altamente profissional em termos de produção, gravado em parte dentro de uma penitenciária em que os criminosos mais perigosos do Equador estão presos, os detentos estão mandando um sinal claro a respeito de quem está no comando.

“É o chefe e patrão, senhores”, cantam os homens. Ele manda.

Semanas atrás, numa tentativa de demonstrar força, o presidente equatoriano, Guillermo Lasso, enviou milhares de agentes de segurança à prisão de Guayaquil para transferir Fito para uma penitenciária de segurança máxima. “O Equador recuperará a paz e a segurança”, postou Lasso na plataforma X, no passado conhecida como Twitter.

Então, anteriormente este mês, a Justiça autorizou o retorno de Fito para uma prisão regional. Um drone carregado de explosivos aterrissou no telhado da penitenciária de segurança máxima. E na noite da sexta-feira, Fito apareceu no pátio da prisão regional, ao lado de muros com seu nome pintado. Num determinado momento do vídeo, ele aparece alisando um galo dentro da prisão, exibindo um enorme anel de ouro. Sua filha, a artista conhecida como Queen Michelle, canta a respeito do pai descrevendo-o como um homem de família.

Jornalistas questionaram como, num sistema prisional que raramente concede acesso a operadores de câmera, uma equipe de produção audiovisual foi capaz de gravar imagens de seu mais proeminente detento. As autoridades prisionais não deram explicação.

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O vídeo evidencia ainda mais o controle das gangues sobre um sistema prisional acometido por níveis recorde de violência entre grupos de narcotraficantes em disputa. Centenas de detentos foram mortos em batalhas sangrentas nos dois anos recentes. As gangues são conhecidas por trazer para a cadeia drogas, telefones celulares, armas e granadas, artefatos explosivos que eles usam para abrir buracos nas paredes. Carcereiros, segundo relatos, deixaram as dependências de prisões enquanto detentos decapitavam e desmembravam inimigos.

Detentos mandam sinal com cartaz escrito "queremos Fito de volta" em torre de vigilância em presídio de Guayaquil, Equador. Foto: Bloomberg /Karen Toro

Portanto não deveria surpreender, afirma o advogado e professor equatoriano David Cordero-Heredia, que as gangues sejam capazes de trazer uma equipe de produção para dentro da prisão para gravar um videoclipe musical. Cordero-Heredia estuda o sistema carcerário.

“É inadmissível que algo assim possa ter acontecido sem a intervenção de forças do Estado”, afirmou Cordero-Heredia. Lançar o vídeo nas redes sociais, afirmou ele, mostra que as gangues não sentem mais necessidade de agir em segredo.

Trata-se do mesmo tipo de zombaria visto em proeminentes chefões do narcotráfico do passado na Colômbia e no México.

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“Nós já tínhamos ouvido narcocorridos mexicanos ou colombianos, mas equatorianos não”, afirmou Christian Palacios, ativista defensor dos direitos humanos e pesquisador com foco no sistema prisional do Equador. “Isso normaliza o crime e mostra, publicamente, que é possível triunfar sendo delinquente.”

No México, as baladas conhecidas como narcocorridos — conjunção que combina o termo que define “chefão da droga” em língua espanhola com o verbo “correr” — exploram há muito a figura de foras-da-lei em estilo Robin Hood e suas batalhas com as forças policiais. Alguns Estados mexicanos proibiram a execução de narcocorridos em espaços públicos. Canções parecidas a respeito de narcotraficantes e guerrilheiros bombam nos alto-falantes de bares em certas regiões rurais da Colômbia, onde o estilo é conhecido como “corridos proibidos”.

A chegada do gênero ao Equador pode refletir a crescente influência de cartéis mexicanos que cada vez mais trabalham com gangues locais para competir pelo controle de rotas de tráfico de drogas dentro do país. O Equador, localizado entre os dois maiores produtores de coca no mundo, Colômbia e Peru, emergiu como um importante entreposto para a cocaína a caminho dos Estados Unidos e da Europa — e um campo de batalha para narcotraficantes e gangues que ocasionaram níveis recorde de violência em um país que no passado foi considerado relativamente seguro.

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A violência alcançou os níveis mais altos da política quando um candidato presidencial, Fernando Villavicencio, foi assassinado dias antes do primeiro turno da eleição. Pouco antes de sua morte, Villavicencio tinha denunciado uma ameaça de morte que ele afirmou ter recebido de uma pessoa que alegou ser ligada a Fito.

A guerra de gangues dentro e fora das prisões deixou a gangue Los Choneros, no passado considerado o grupo criminoso mais poderoso do país, fragmentada e com a liderança enfraquecida, de acordo com o instituto de análise InSight Crime. Mas Fito e seus aliados ainda controlam uma grande porção da prisão de Guayaquil.

Pouco após Lasso anunciar orgulhosamente a transferência de Fito para a penitenciária de segurança máxima de La Roca, no mês passado, detentos da prisão de Guayaquil subiram no telhado para protestar. Muito depois da manifestação acabar, um cartaz ainda permanecia pendurado a uma das torres de vigilância: “Queremos Fito de volta”.

Semanas depois, ele voltou. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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