Era Juan Guaidó chega ao fim na Venezuela com oposição se preparando para negociar com o chavismo

Antigos aliados de Juan Guaidó na Assembleia Nacional encerram sua presidência legislativa e põem fim ao governo autoproclamado

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Por Ana Vanessa Herrero, Samantha Schmidt e Karen DeYoung

CARACAS – No início de 2019, enquanto Nicolás Maduro reivindicava a reeleição após uma eleição denunciada amplamente como fraudulenta, o presidente da Assembleia Nacional ficou diante de uma multidão exaltada de milhares de pessoas na Praça João Paulo II, na capital venezuelana, e se apresentou como o verdadeiro líder do país.

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“Vamos ficar nas ruas até que a Venezuela seja livre!”, prometeu Guaidó.

O então líder de 35 anos da Assembleia controlada pela oposição foi rapidamente apoiado pela gestão Trump e por governos de todo o mundo sob o argumento de que ele era agora o funcionário de maior escalão escolhido de forma democrática no país.

Uma figura unificadora pouco comum entre a oposição historicamente problemática, Guaidó disse que atuaria como “presidente interino” do país até a renúncia de Maduro – ou, pelo menos, até que ele concordasse em realizar eleições livres e justas.

Líder opositor da Venezuela, Juan Guaidó, durante um comício em Caracas em 16 de setembro de 2022 Foto: Ariana Cubillos / AP

Mas quase quatro anos depois e com pouco para mostrar por esforço próprio, o experimento chegou ao fim. Os legisladores da oposição, antigos apoiadores de Guaidó, encerraram nesta sexta-feira o mandato dele, acabando com seu governo interino. Eles aprovaram a medida em uma votação com 72 votos a favor, 29 contra e 8 abstenções.

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“Depois de quatro anos, não devemos continuar a manter um sistema que não deu resultados e é um fardo burocrático”, disse Nora Bracho, integrante de um dos três principais partidos da oposição que votaram pelo fim do governo interino, ao Washington Post. “Temos de nos reinventar e avançar na nossa luta.”

Em jogo não está apenas a perspectiva de eleições competitivas sob o Estado socialista autoritário de Maduro e o envolvimento dos Estados Unidos com o país, mas também o controle dos principais ativos do governo no exterior. Sob sanções dos EUA e de outros países, o governo interino administrou a Citgo Petroleum Corp., com sede em Houston, e o ouro armazenado no Bank of England.

Os legisladores que apoiam a retirada de Guaidó do poder dizem que criariam um comitê para proteger esses ativos e gerenciar as despesas. A Assembleia Nacional, eleita em 2015, continuaria no poder até 2023, mas apenas para legislar sobre questões relacionadas com os ativos.

A assembleia estava programada para se reunir nesta quinta-feira para uma segunda e última votação. Entretanto, na quarta-feira à noite, por meio de sua conta no Twitter, que é controlada pelo gabinete de Guaidó, foi anunciado que a sessão tinha sido adiada para o dia 3 de janeiro. Ainda não está claro por que ela foi antecipada para esta sexta-feira.

Os partidos da oposição Primeiro Justiça e Ação Democrática, que são a favor da destituição de Guaidó, responderam que não tinham sido consultados e que a sessão aconteceria como previsto. Em seguida, a conta da Assembleia tuitou que ela não poderia se reunir sem o presidente.

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Guaidó, agora com 39 anos, disse ao Post no ano passado que continuaria como presidente interino “até que houvesse uma eleição presidencial livre e justa. (...) Esse é o meu mandato constitucional”.

Sergio Vergara, deputado da oposição pelo Vontade Popular, o único partido grande que ainda apoia Guaidó, alertou que tirá-lo do poder equivaleria a reconhecer a eleição de Maduro.

“Minha pergunta a todos aqueles encorajando isso é se a comunidade internacional concordaria com uma violação da constituição”, disse ele ao Post. Segundo Vergara, alguns membros da Assembleia ainda poderiam ser convencidos com facilidade.

Presidente Donald Trump e o líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, juntos na Casa Branca, em Washington, em 5 de fevereiro de 2020 Foto: Doug Mills / NYT

O governo Biden planeja reconhecer qualquer órgão que a oposição criar, de acordo com um alto funcionário da gestão que falou sob condição de anonimato para poder compartilhar discussões políticas internas.

“Se eles mudarem de nome ou qualquer outra coisa, ainda os chamaremos de governo interino, com o objetivo de fomentar conversas” com o governo de Maduro e manter as sanções em vigor como meio de estimular as negociações em relação às novas eleições, disse o funcionário.

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“Nosso ponto é que estamos com as cartas na mão, neste momento, em termos de política de sanções”, disse o funcionário. “Se (Maduro) quer que mudemos essa estratégia e suspendamos as sanções, o que precisamos ver são resultados democráticos.”

Como o controle do poder de Maduro mostrou-se duradouro, o governo Biden tem demonstrado disposição em lidar com ele. Autoridades dos EUA fizeram uma rara visita ao Palácio de Miraflores em março para discutir as sanções energéticas e garantir a libertação de dois americanos detidos.

Depois de uma ronda inicial de negociações entre a oposição e o governo de Maduro no mês passado, o governo permitiu à Chevron reabrir as suas instalações de produção de petróleo na Venezuela, sob a condição de que todo o petróleo produzido fosse vendido aos EUA e todos os royalties e impostos devidos à Caracas fossem utilizados para pagar a dívida com Washington.

Autoridades disseram que flexibilizariam ainda mais as sanções se as negociações moderadas pela Noruega na Cidade do México continuassem e dessem resultados, mas não acreditam muito que Maduro leve a sério a possibilidade de abrir mão do poder por meio de eleições livres e justas.

No entanto, o envolvimento diplomático pode se intensificar, dizem analistas, depois que vitórias decisivas dos Republicanos na Flórida nas eleições intermediárias diminuíram o valor do estado como campo de batalha. Funcionários do governo Biden, menos preocupados em tentar conquistar o apoio dos opositores de Maduro no Estado, podem perceber menos custos para lidar com ele, disse David Smilde, sociólogo da Universidade Tulane.

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Presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, durante discurso no Palácio Presidencial de Miraflores em Caracas em novembro deste ano Foto: Federico Rios / NYT

A União Europeia deixou de reconhecer Guaidó como presidente interino, assim como vários países da América Latina. Muitos se recusaram a reconhecer qualquer pessoa como presidente da Venezuela.

Os EUA, com a ajuda de aliados conservadores na América Latina, conseguiram impedir que representantes de Maduro ocupassem assentos venezuelanos em organizações internacionais e regionais, entre elas a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e preenchê-los com apoiadores de Guaidó. Mas uma sequência de eleições em alguns dos países mais poderosos da região, como Brasil, Argentina, Colômbia e Chile, elegeu políticos de esquerda com prioridades diferentes.

“O que queremos que eles façam é não normalizar ou basicamente ignorar o que está acontecendo dentro da Venezuela”, onde as violações dos direitos humanos e a corrupção ainda são abundantes, disse o alto funcionário do governo americano. “Essas são questões que vão ser combatidas” nas organizações regionais. “Temos os votos para convencer outros governos a não empossar ninguém?”

O funcionário disse que a política de Trump de reconhecer Guaidó estava centrada na destituição de Maduro; a gestão Biden está focada nas negociações para as eleições.

“É uma estratégia que nos mantém focados em apoiar o processo democrático e faz com que seja menos relacionada com Guaidó”, disse o funcionário.

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Não está claro quanto dinheiro a oposição administra – ou como o está usando. Em uma entrevista coletiva em setembro, Guaidó disse que entre 2020 e 2021, o governo gastou US$ 130 milhões de fundos “protegidos pelos Estados Unidos”. Segundo ele, em 2021, seu governo usou o dinheiro para ajudas humanitárias, “defesa da democracia”, com a Assembleia Nacional e a gestão de ativos no exterior.

Nos últimos quatro anos, o governo interino enfrentou acusações de corrupção e uso indevido de recursos – incluindo por parte de alguns de seus integrantes.

Guaidó, um parlamentar da oposição relativamente desconhecido antes de ser nomeado presidente interino, a certa altura, declarou ter o apoio de quase 60% dos venezuelanos nas pesquisas. Porém, uma consulta recente da Universidade Católica Andrés Bello e do instituto de pesquisa Delphos indicou que mais entrevistados votariam em Maduro do que em Guaidó hoje. Acima de 56% disseram que o governo interino deveria desaparecer completamente.

“A maioria da população quer mudanças, não apenas tirar Guaidó do poder”, disse Luis Vicente León, diretor da agência de pesquisas Datanalisis, com sede em Caracas. “Eles também se sentem desconectados da oposição e do governo em geral. Sentem-se desconectados da política.” /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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