PARIS — Foi o entregador de ovos local que espalhou a fofoca mais picante sobre a escassez de mostarda.
Alguém em uma pequena cidade francesa encontrou uma maneira de comprar dois potes no supermercado – apesar da limitação imposta por muitas lojas, já que o país enfrenta a escassez de seu amado condimento.
“A audácia!” disse Claire Dinhut, que ouviu sobre o escândalo da mostarda do “mensageiro dos ovos” enquanto estava na casa de sua família ao sul de Tours, no centro-oeste da França, enquanto compartilhava o “drama da cidade” em um vídeo do TikTok que foi visto mais de 600 mil vezes. Como o bandido da mostarda fez isso: ele saiu da loja com um pote e voltou sorrateiramente por um segundo, passando as compras com um vendedor diferente.
Assim como os churrascos atingem seu ápice de popularidade no verão no Hemisfério Norte, a demanda extra pelo condimento picante também cresce na estação, o que levou a França a enfrentar uma escassez de mostarda que já dura semanas.
Para alguns, parece terrível – uma consequência a nível pessoal dos extremos climáticos que dizimaram o fornecimento de sementes de mostarda dentro e fora da França, e das interrupções na cadeia de suprimentos que ainda reverberam em todo o mundo como resultado da pandemia de coronavírus. A escassez está provocando pedidos para intensificar a produção de sementes de mostarda em solo nacional, para depender menos de outros países.
O The Washington Post visitou quatro mercearias no oeste de Paris nesta semana que não tinham mostarda à venda ou estavam sem duas marcas comuns de mostarda – Maille e Amora, que fazem parte da mesma empresa de propriedade da Unilever.
“Não como mostarda há três meses. Você também não encontrará (em nenhum outro lugar)”, disse Hassan Talbi, dono de uma bodega na Rue de Courcelles. Talbi diz que seu fornecedor, o varejista francês Carrefour, enviou-lhe um carregamento de potes de mostarda há cerca de dois meses – e desde então, nada. Nenhuma palavra sobre quando ele pode conseguir mais.
A mostarda é um alimento básico na dieta da maioria dos franceses – adicionando uma porção sempre às batatas fritas e aos sanduíches – e um ingrediente-chave em pratos icônicos como o bife tártaro. É também uma fonte de orgulho nacional: a produção de mostarda foi regulamentada na França já na Idade Média, e a mundialmente famosa mostarda Dijon vem da região de Borgonha. Enquanto os historiadores dizem que a mostarda não foi inventada na França, muitos franceses afirmam que ela é sua.
“Este é um molho que é amado em todo o mundo – e é nosso”, disse Dinhut ao The Washington Post.
No entanto, apesar de ser o maior consumidor de mostarda em todo o mundo, a França tem apenas cerca de 4.500 hectares de sementes de mostarda plantados – a maior parte na Borgonha, lar da cidade de Dijon.
Secas e ondas de calor que ocorreram no ano passado no Canadá – fonte de cerca de 80% das importações de sementes de mostarda da França – interromperam severamente a oferta global. Contêineres para transporte de alimentos são difíceis de encontrar, e o alto custo do combustível fez com que os custos de envio disparassem. Produtores franceses dizem que insetos que se alimentam de sementes de mostarda, que prosperam em temperaturas mais quentes, também estão prejudicando as plantações.
Tudo isso causou uma séria reflexão entre os agricultores e os amantes da mostarda francesa sobre como chegaram a esse ponto. A escassez pode ser “um tremendo acelerador” para a indústria repatriar a produção de sementes de mostarda, disse Paul-Olivier Claudepierre, coproprietário da Martin-Pouret, uma empresa agroalimentar francesa, ao jornal francês Le Monde.
As pessoas também estão culpando os acumuladores de mostarda: os franceses que leram sobre a escassez e decidiram estocar mostarda extra podem estar alimentando o problema, dizem os produtores.
No TikTok, os franceses postaram instruções sobre como fazer mostarda em casa. As teorias da conspiração também são abundantes on-line, com alguns usuários compartilhando vídeos que dizem mostrar estoques de mostarda em armazéns de supermercados e especulam que as empresas estão retendo o condimento para aumentar artificialmente os preços. Esses vídeos foram desmascarados e varejistas como o Carrefour disseram que estão colocando mostarda nas prateleiras o mais rápido possível.
Hubert Guillaume e Naël Bernard, que trabalham em Paris na Monoprix, uma rede de supermercados, disseram que ficaram aliviados quando receberam um carregamento de mostarda na semana passada, depois de um mês sem o produto. “As pessoas vinham em massa para nos perguntar, e não havia nada”, disse Guillaume. Algumas pessoas vinham todos os dias, disse Bernard, esperando que a mostarda tivesse chegado. Todos os dias, ele tinha que mandá-los embora.
Isso é literalmente o assunto da cidade. Onde o pai de Dinhut mora, no centro-oeste da França – e em outras cidades pequenas como essa – “se você está fazendo compras em uma mercearia, por exemplo, você fica tipo ‘Ah, ainda sem mostarda!’ É como conversar sobre o clima”, disse ela.
Comediantes da França e de outros países aproveitaram a escassez para zombar dos franceses por suas reações dramáticas.
A escassez começou no Canadá, onde o clima excepcionalmente seco e quente nas regiões de Alberta e Saskatchewan no ano passado levou à redução das colheitas. O país é o maior exportador de sementes de mostarda do mundo, respondendo por 31% das exportações globais, segundo a empresa de pesquisa de mercado Tridge. A França é o segundo maior importador de sementes de mostarda, que são usadas para fazer o condimento amarelo cremoso.
Enquanto isso, as plantações de sementes de mostarda cultivadas na França foram duramente atingidas por insetos este ano, diz Paul Delacour, que trabalha na fazenda de seus pais a noroeste de Paris, que produz as sementes localmente.
Delacour e outros produtores dizem que as restrições francesas e europeias a certos pesticidas nocivos podem dificultar a resposta.
A mudança climática também desempenhou um papel, de acordo com Fabrice Genin, presidente da Associação de Produtores de Semente de Mostarda da Borgonha, que diz que os invernos mais amenos têm sido mais favoráveis aos insetos.
“De 12.000 toneladas (de sementes de mostarda produzidas) em 2016, caímos para 4.000 toneladas em 2021. É simples, não podemos mais controlar as pragas”, disse Genin ao jornal francês Liberation. “Há (também) um efeito climático, isso é óbvio”.
Não é apenas oferta: quando há mostarda, é mais caro. A baixa oferta do Canadá, combinada com a inflação em todo o mundo e o aumento do custo de transporte, energia e matérias-primas para embalagens, contribuiu para um aumento no preço da mostarda na França – pelo menos 13% em junho em relação ao ano anterior, segundo à empresa francesa de dados de varejo IRi.
Marc Désarménien, gerente geral da Edmond Fallot, um produtor familiar de mostarda com sede na Borgonha, diz que o preço de seus produtos subiu 9% em média no início do ano e aumentará novamente no próximo ano para acompanhar a inflação. Mas ele acredita que, se as sementes de mostarda canadenses se tornarem mais caras e a escassez continuar a atormentar os produtores franceses, a produção doméstica aumentará.
Na Borgonha, onde os produtores concordam antecipadamente com um preço por tonelada de semente para o ano, o preço do próximo ano foi fixado em 2.000 euros (R$ 10.566 no câmbio atual) para a safra de 2023, relata o jornal local Ouest France – um aumento de 48% em relação ao preço deste ano, de cerca de 1.350 euros (R$ 7.132). Grupos de produtores de mostarda da Borgonha acreditam que isso poderia tornar a produção local mais lucrativa. Até agora, importar sementes do Canadá era de 15% a 20% mais barato do que semear e colher na França, de acordo com Désarménien.
“Esta é uma oportunidade para o setor agrícola realocar a produção”, disse Claudepierre, da empresa agroalimentar Martin-Pouret, ao Le Monde – “e para o público perceber o absurdo da situação: cultivamos uma semente a milhares de quilômetros que vamos colher, trazer para o porto, atravessar o oceano em um contêiner, e acabar transformando em casa”, disse, alegando ser uma logística cara e ruim para o meio ambiente.
Mas mesmo que a escassez leve a uma mudança na forma como a mostarda é feita na França, o processo “levará um pouco de tempo”, disse Désarménien. E muitos produtores não esperam que a escassez se resolva logo.
“Temo que demore um pouco mais até que possamos reabastecer”, disse Luc Vandermaesen, presidente do grupo industrial Mostarda da Borgonha, ao Le Monde este mês. “Vai ser tenso até 2024″.
Isso se os franceses puderem esperar tanto.
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