Espião russo se passou por brasileiro, morou no Rio de Janeiro e abandonou namorada para fugir

Segundo o jornal britânico The Guardian, o espião era dono de uma empresa de impressão 3D que produzia, entre outras coisas, esculturas de resina e chaveiro para militares brasileiros

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Foto do author Roberta Jansen
Atualização:

Mais um caso de espião russo que se passava por brasileiro foi confirmado nesta semana. Gerhard Daniel Campos Wittich, morador do Rio de Janeiro há pelo menos cinco anos, que se dizia brasileiro de família austríaca, é um “suposto espião russo”, de sobrenome Shmyrev, afirmou o jornal britânico The Guardian.

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Ele teria simulado desaparecimento em janeiro e já estaria de volta a Moscou, junto com sua mulher Maria Tsalla ou Irina Romanova, que teria morado como espiã em Atenas, na Grécia. Os dois teriam deixado namorados locais para trás.

O caso de ambos foi revelado por veículos gregos como Zougla e Kathimerini, e foi aprofundado pelo The Guardian com detalhes como o recente aluguel de um imóvel próximo ao consulado americano no Rio.

Segundo o Guardian, o espião russo dirigia uma série de empresas de impressão 3D no Rio de Janeiro que produziam, entre outras coisas, esculturas de resina para militares brasileiros e chaveiros. Ele desapareceu em janeiro, no meio de uma viagem à Malásia. Sem mandar mensagens para sua namorada no Rio de Janeiro, ela prontamente iniciou uma “busca frenética por seu parceiro desaparecido”, afirma o Guardian.

Uma imagem de Gerhard Daniel Campos Wittich circulou no Facebook depois que ele desapareceu Foto: Facebook/Reprodução

O Itamaraty e as comunidades do Facebook na Malásia se mobilizaram para procurar o desaparecido. Mas Campos Wittich teria reaparecido em Atenas, na Grécia.

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Contratos no Brasil

A empresa de impressão do espião russo forneceu, de acordo com o Portal da Transparência, a empresa 3D Rio Impressão 3D Especializada Ltda forneceu material ao governo federal em cinco ocasiões diferentes, quatro delas em 2020 e outra em 2022. O portal registra compras não especificadas para o Ministério (então secretaria) da Cultura, o Comando da Marinha e o Comando do Exército, em valores que variam de R$ 8.500 a R$ 3.000.

A empresa foi aberta em 08 de janeiro de 2018 e apresenta como sede um endereço em Curicica, na zona oeste do Rio, região dominada por milicianos. Segundo o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, a atividade principal da 3Drio é “promoção de vendas”. Como atividades secundárias, surgem algumas especificidades como venda de material de informática, eletrodomésticos, equipamentos de áudio e vídeo, bijouterias, souvenires, artesanatos e obras de arte.

A Marinha se manifestou por nota enviada ao Estadão:

“Em atenção aos seus questionamentos, a Marinha do Brasil (MB), por meio do Centro Tecnológico do Corpo de Fuzileiros Navais, informa que adquiriu serviços ocasionais relativos a suprimentos para impressão na empresa 3D RIO - durante as operações de enfrentamento à Covid-19. Os produtos adquiridos, portanto, não comprometeram o sigilo e a segurança das operações da MB e tampouco atestam qualquer tipo de relacionamento entre a Força e o senhor Gerhard Daniel Campos Wittich.”

O Ministério da Cultura e o Exército também foram procurados pela reportagemm, mas não se pronunciaram. O Estadão tentou ainda contato com a 3D, por meio de um telefone celular que consta do registro da empresa na Receita Federal. Ninguém atendeu.

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Infiltrado na Grécia

A mídia grega, citando fontes do serviço de inteligência do país, ele era um russo “ilegal”, um espião infiltrado trabalhando para um programa de inteligência de elite, que havia sido treinado durante anos na Rússia para poder se passar por um estrangeiro.

Ele teria sido casado secretamente com outra ilegal, que se fazia passar por uma fotógrafa greco-mexicana chamada Maria Tsalla, que dirigia uma loja de artigos de tricô em Atenas. Ambos haviam sido despachados em uma missão de décadas para servir os serviços de inteligência de Vladimir Putin.

Pelo menos seis desses supostos ilegais foram desmascarados em vários locais no ano passado, sugerindo que pode haver um ou mais desertores passando informações para o ocidente, segundo revelou o Guardian.

Analistas acreditam que a inteligência russa pode estar usando mais de seus espiões ilegais, expondo-os a riscos adicionais, porque muitos de seus espiões “legais” baseados em Embaixadas russas foram expulsos durante a guerra na Ucrânia.

A Grécia acredita que Campos Wittich era um ilegal russo com o sobrenome Shmyrev, disse uma fonte ao The Guardian, enquanto sua esposa, “Maria Tsalla”, nasceu Irina Romanova. Ela se casou com ele na Rússia antes do início de suas missões e adotou o sobrenome dele, afirmam as fontes da Inteligência da Grécia. Ela deixou Atenas às pressas no início de janeiro, logo após a saída de Campos Wittich do Brasil. Nenhum dos dois voltou.

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Espiões disfarçados costumam trabalhar em pares, como casais, mas o caso de Campos Wittich e Tsalla é o primeiro exemplo de um casal ilegal trabalhando em países separados, com vidas separadas, afirmou o The Guardian.

“Temos poucas dúvidas de que eles eram casados”, disse a autoridade grega ao The Guardian, acrescentando que se tratava de um caso incomum. Ele afirmou que a dupla planejou encontros na Grécia, Chipre e França nos últimos tempos, possivelmente encontros românticos misturados com espionagem.

Em dezembro, autoridades eslovenas prenderam um casal se passando por argentinos, que administravam uma galeria de arte online em Ljubljana. Fontes disseram ao Guardian que eles eram oficiais do serviço de inteligência estrangeiro SVR da Rússia e acreditam que eles operavam em toda a Europa.

“Não tínhamos nenhuma evidência de que ela fazia espionagem na Grécia; a única coisa ilegal pela qual ela poderia ser acusada era o uso de documentos falsos”, disse a fonte do The Guardian. No entanto, ela viajou muito e os serviços de inteligência em toda a Europa estão investigando seus movimentos.

Dos dois, foi Campos Wittich quem mais fez contatos em círculos que poderiam ser interessantes para a inteligência russa. Ele morou no Rio de Janeiro por pelo menos cinco anos e sua empresa de impressão 3D tinha instalações militares e agências governamentais entre seus clientes.

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Uma dessas criações, de uma cobra verde fumando cachimbo e disparando dois revólveres, foi encomendada pelo 1º Batalhão da Polícia do Exército como uma homenagem aos esforços do Brasil na 2ª Guerra.

Na época de seu desaparecimento, Campos Wittich estava fazendo os últimos pagamentos de uma nova sede que havia adquirido para a firma no centro do Rio. Ele ficava em um prédio comercial a menos de 50 metros do consulado dos EUA.

Enquanto se preparava para pagar a última parcela das reformas, teria chegado a ligação para que ele fugisse, em meio a temores de que as prisões na Eslovênia possam ter comprometido outros ilegais.

Outros casos de espiões russos no Brasil

Dois nomes de supostos brasileiros ganharam notoriedade entre as autoridades de segurança nacional do Ocidente nos últimos 12 meses: Victor Muller Ferreira e José Assis Gianmaria. Ambos nomes apareceram em investigações e logo foram descobertos como falsos para esconder a identidade de espiões da Rússia. Na verdade, os homens por trás desses nomes são, respectivamente, Serguei Cherkasov e Mikhail Mikushin, que atuavam para levar informações de outros países ao Kremlin.

Uma possível razão para escolherem a cidadania brasileira, segundo informações do Washington Post, são vulnerabilidades nos sistemas nacionais de imigração e registros cartoriais e ajuda interna obtida mediante suborno.

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Serguei Cherkasov foi preso no início de abril de 2022 pela Polícia Federal após a polícia holandesa interceptá-lo no aeroporto, onde desembarcou para atuar no Tribunal Penal Internacional, e enviá-lo de volta ao Brasil. Ele atuou durante anos como espião do serviço de inteligência militar da Rússia, o GRU, nos Estados Unidos, fingindo ser um estudante brasileiro.

Imagens mostram Serguei Cherkasov conversando com uma mulher em um restaurante de Moscou, em meados de 2017 Foto: Departamento de Justiça dos EUA

Como Victor Muller Ferreira, Sergei fez graduação na Universidade John Hopkins, em Washington, a capital americana, onde poderia se aproximar de qualquer setor do establishment de segurança dos Estados Unidos, do Departamento de Estado à CIA. Segundo um depoimento registrado pelo FBI, o acesso que obteve possibilitou que o espião colhesse informações a respeito das maneiras com que as autoridades do governo Biden responderam à concentração de tropas russas nas proximidades da Ucrânia, pouco antes da invasão.

Depois que se formou na faculdade, Cherkasov chegou perto de alcançar uma inserção mais influente, ao ser convidado para ocupar uma posição no TPI, em Haia. Ele estava prestes a iniciar um estágio de seis meses na corte, no ano passado, no momento em que a instituição iniciava a investigação sobre crimes de guerra da Rússia na Ucrânia, mas acabou rejeitado pelas autoridades holandesas, que receberam informações do FBI sobre a atuação dele em Washington.

O espião segue preso no Brasil e é investigado por atos de espionagem, lavagem de dinheiro e corrupção. Em junho do ano passado, ele foi condenado, em primeira instância, a 15 anos de prisão pela Justiça Federal por uso de documentos brasileiros falsos. No dia 18 deste mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou o pedido da Rússia para extradição, mas determinou que isso só deve ocorrer após o fim das apurações sobre os supostos crimes cometidos no País. O chanceler russo, Serguei Lavrov, tem viagem marcada para o Brasil no fim de abril, o que levanta a possibilidade de Moscou tentar encontrar uma maneira de garantir sua libertação.

Mikhail Mikushin foi preso pela polícia da Noruega em outubro do ano passado após fingir ser pesquisador brasileiro em uma universidade do país. Ele foi detido por suspeita de espionagem, mas as supostas ações dele ainda eram desconhecidas no momento da prisão.

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Imagem mostra Mikhail Mikushin, acusado de ser espião russo na Noruega. Mikushin se identificava como pesquisador brasileiro para esconder a verdadeira identidade Foto: Divulgação/via Twitter de Christo Grozev

Antes de ser preso, Mikushin estava atuando como pesquisador há cerca de um ano e meio na cidade de Tromso, localizada perto do Ártico, há cerca de um ano e meio. Ele se concentrou em estudar a política norueguesa na região, na qual o país compartilha 198 quilômetros de fronteira com a Rússia, e ameaças híbridas. Segundo Thomas Blom, autoridade do serviço de inteligência norueguês, esse fato por si só pode comprometer a segurança nacional por colocá-lo em contato com pesquisadores que fornecerem informações às autoridades para a formulação de políticas públicas.

Segundo os investigadores, Mikushin procurou criar uma rede de contatos, lançar canais de informação e entrar nos círculos que lidam com informações confidenciais.

Antes de se mudar para a Noruega, Mikhail Mikushin morou no Canadá, onde frequentou a Carleton University e a University of Calgary. Em Ottawa, ele se ofereceu como voluntário para uma campanha política, de acordo com a Global News. Ele obteve o mestrado no Centro de Estudos Militares, de Segurança e Estratégicos da Universidade de Calgary em 2018. /Com informações do Washington Post

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