THE NEW YORK TIMES - Na madrugada de sábado, 7, no sul de Israel, o grupo terrorista Hamas assassinou centenas de pessoas em um festival de música e sequestrou outras sob a mira de armas para servirem de escudos humanos em Gaza. No domingo, 8, à tarde, em Midtown Manhattan, um orador em um comício de grupos pró-palestinos e de esquerda comemorou essa atrocidade — uma das milhares sofridas pelos israelenses nos últimos dias, que mais tarde soubemos incluir a morte de bebês e crianças pequenas.
“Como vocês devem ter visto, houve uma espécie de rave ou festa no deserto em que eles estavam se divertindo muito, até que a resistência chegou em asas-deltas eletrificadas e levou pelo menos várias dezenas de hipsters”, disse um palestrante. “Mas tenho certeza de que eles estão se saindo muito bem, apesar do que diz o The New York Post”. Ele foi recebido com aplausos.
Fui ver a manifestação por mim mesmo: haveria uma condenação, mesmo que superficial, dos métodos do Hamas? Um breve aceno de simpatia pela angústia de Israel? Algum aceno banal para a causa da paz e da não violência? Não que eu tenha ouvido. O que vi foi alegria e regozijo, como se o time de alguém tivesse vencido a Copa do Mundo. O Hamas havia cometido o maior massacre de judeus em um único dia desde o Holocausto, e a multidão estava eufórica.
Cenas semelhantes se desenrolaram em todo o mundo. Em Londres, cerca de 5 mil manifestantes se reuniram perto da embaixada israelense e dispararam fogos de artifício em direção ao prédio.
Em uma manifestação na Sydney Opera House, na Austrália, os cantos de “Palestina Livre” deram lugar à emoção subjacente: “Fodam-se os judeus”. Em Harvard, quase 40 grupos do campus emitiram uma declaração conjunta considerando “o regime israelense totalmente responsável por toda a violência que se desenrola”. Uma declaração do Yalies4Palestine insistiu que “sair de uma prisão exige força, não apelos desesperados ao colonizador”.
Independentemente do que possa ser dito sobre essas manifestações e declarações, os manifestantes e os redatores dos manifestos merecem destaque pela honestidade.
“Pró-Palestina”, para muitos deles, é pró-Hamas. “Anti-ocupação” é a oposição ao direito de Israel de existir em qualquer forma. Os israelenses são culpados em virtude de serem israelenses, portanto, seus assassinatos e humilhações são motivo de riso. Quando “o sionismo é genocídio”, como diziam os cartazes na manifestação, nenhum meio é terrível demais para acabar com ele.
Se o dobro de israelenses tivesse sido assassinado no sábado, isso teria penalizado os manifestantes ou os teria deixado duplamente contentes?
Manifestações
Nem toda a extrema esquerda foi tão longe. A seção da cidade de Nova York do Democratic Socialists of America promoveu a manifestação nas mídias sociais, mas Alexandria Ocasio-Cortez, o membro mais proeminente do grupo, denunciou a manifestação e emitiu uma declaração de 66 palavras na qual condenou “o ataque do Hamas nos termos mais fortes possíveis”.
Em seguida, exigiu “um cessar-fogo imediato e uma redução da escalada”. Alguém deveria dizer à congressista de Nova York: pedir um cessar-fogo agora é proteger os assassinos das consequências e negar às suas vítimas o direito à autodefesa efetiva. Isso é, na linguagem da velha esquerda, “objetivamente” pró-Hamas, mesmo quando se disfarça como um apelo à paz.
Algo semelhante deve ser dito sobre uma faixa muito mais ampla da esquerda que olha com horror sincero para o que aconteceu no sábado, mas raramente para pensar se ela desempenhou algum papel na criação do clima moral e intelectual para o que aconteceu.
Saiba mais
Estou falando da turma “bien-pensant” para quem o antissionismo — não apenas a oposição legítima a vários aspectos da política israelense, mas a negação do direito de Israel de existir sob qualquer forma — é uma posição política respeitável, e não apenas uma forma atualizada de antissemitismo.
Estou falando dos relatores das Nações Unidas e das outrora grandes organizações de direitos humanos que traficam a mentira de que Israel criou deliberadamente uma “prisão a céu aberto” em Gaza, sem se importar com o fato de que Gaza faz fronteira com o Egito, ou que Israel desocupou o território há quase 20 anos apenas para ser recompensado por ataques intermináveis de cima e de baixo do solo.
Estou falando dos reitores de universidades que defendem a liberdade de expressão quando se trata de antissemitismo, mas que se tornam notavelmente censuradores quando se trata de outras formas de discurso polêmico.
Estou falando dos líderes políticos que prometem repetidamente solidariedade a Israel, mas que logo exigem moderação quando Israel procura destruir a infraestrutura com a qual o Hamas mantém sua máquina de guerra.
Estou falando de narrativas que parecem calibradas para criar a impressão ultrajante de que os soldados israelenses matam deliberadamente crianças palestinas.
Estou falando das pessoas cuja fúria contra o governo israelense parece nunca diminuir, mas que mal fazem uma pausa para observar que o Hamas é uma ditadura de fanáticos religiosos ou que o presidente Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, é um antissemita inveterado.
Considerados separadamente, nada disso ameaça diretamente a vida de um único israelense. Em conjunto, isso explica muito bem como Israel, a nação dos judeus, é rotineiramente tratada, como alguns disseram, como “o judeu das nações”, com consequências escritas com sangue.
Se alguns membros da esquerda anti-Israel se encontrarem horrorizados com o que aconteceu no sábado, agora é um bom momento para darem uma longa e crítica olhada em si mesmos.
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