THE NEW YORK TIMES — Quatro parafusos usados para segurar o painel que explodiu em um avião da Alaska Airlines durante um voo em janeiro foram removidos — e aparentemente não foram colocados de volta — na fábrica da Boeing em Washington, de acordo com um relatório preliminar divulgado na terça-feira, 6, pelo Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos Estados Unidos.
O painel, conhecido como um plugue de porta, foi aberto para reparar rebites danificados na fuselagem do avião, segundo os registros da Boeing. O relatório não especificou quem removeu esses parafusos que deixam o plugue de porta no lugar. Mas o conselho de segurança disse que parecia que nem todos os parafusos haviam sido realocados depois que a porta foi reinstalada no avião, após o reparo dos rebites.
Como evidência, o conselho apresentou uma fotografia do plugue de porta depois de ele ter sido reinstalado mas antes da restauração do interior do avião. Na imagem, faltam três dos quatro parafusos da porta. A localização do quarto parafuso está coberta com isolamento.
O relatório disse que a imagem foi anexada a uma “mensagem de texto entre a membros da equipe Boeing no dia 19 de setembro de 2023″. Os funcionários da Boeing “estavam discutindo a restauração interior depois que o retrabalho dos rebites foi concluído durante as operações do segundo turno naquele dia”, diz o documento. O conselho declarou que não há evidência de que o plugue tenha sido aberto novamente depois de deixar a fábrica da Boeing. O avião foi entregue para a companhia aérea Alaska Airlines no fim de outubro.
O documento intensifica o escrutínio sobre a Boeing, que tem lutado há semanas para conter as consequências do acidente, e levanta novas questões sobre se a empresa fez o suficiente para melhorar a segurança depois de dois acidentes fatais de aviões 737 Max 8 em 2018 e 2019. Também responde questões críticas sobre por que o plugue de porta se soltou logo depois de o voo 1282 da Alaska Airlines decolar do Aeroporto Internacional de Portland no Oregon.
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“A Boeing é responsável”
Em um comunicado, o CEO da Boeing, Dave Calhoun, disse que “quaisquer que sejam as conclusões finais, a Boeing é responsável pelo que aconteceu”. “Um evento como esse não deve acontecer em um avião que deixa a nossa fábrica”, acrescentou. “Nós simplesmente devemos fazer melhor pelos nossos clientes e seus passageiros. Estamos implementando um plano abrangente para fortalecer nossa qualidade e a confiança de nossas partes de interesse.”
O conselho de segurança eliminou outras razões possíveis para a instalação incorreta do plugue de porta. A peça foi fabricada na Malásia, em março, e recebida em maio pela Spirit AeroSystems, uma fornecedora da Boeing em Wichita, no Estado do Kansas, que faz fuselagens do modelo Max, de acordo com o relatório.
Embora o conselho de segurança tenha dito que a Spirit detectou um problema pequeno com o “nivelamento da vedação” do plugue de porta, o relatório descobriu que esse problema não exigiu qualquer trabalho de fabricação adicional e que a Spirit não indicou nenhuma outra notificação de qualidade sobre a peça.
O porta-voz da Spirit Joe Buccino disse “nós permanecemos focados em trabalhar de perto com a Boeing e nossos órgãos reguladores na melhoria contínua de nossos processos e em encontrar os patamares mais altos de segurança, qualidade e confiabilidade”.
A fuselagem foi então enviada para a Boeing em 20 de agosto, chegando à fábrica de Renton em 31 de agosto, disse o relatório. Lá, os rebites danificados — que costumam ser usados para unir e fixar peças em aviões — foram sinalizados em 1º de setembro. Assim que o tampão foi removido para acesso aos rebites, os funcionários da Spirit AeroSystems em Renton concluíram os reparos.
Depois que o avião foi entregue à Alaska Airlines, um equipamento de internet Wi-Fi ainda foi instalado em Oklahoma City entre 27 de novembro e 7 de dezembro. Mas a empresa que fez esse trabalho, AAR, disse que “modificou aproximadamente 60″ aviões 737 Max 9 da Alaska Airlines e não precisou remover o plugue de porta para fazer esse trabalho, segundo o documento.
O conselho de segurança disse que sua investigação iria continuar para investigar quais documentos foram usados “para autorizar a abertura e o fechamento” do plugue de porta. Quase imediatamente, o incidente da Alaska Airlines levou a Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês) a suspender alguns jatos Max 9, prejudicando o horário de voos por dias entre a Alaska e a United Airlines, as duas companhias aéreas dos Estados Unidos que voam com este modelo.
”Esse incidente nunca deveria ter ocorrido, e não pode acontecer novamente”, disse a FAA em um comunicado na terça-feira depois que o relatório do conselho foi divulgado. A FAA também limitou de forma indefinida os ambiciosos planos da Boeing de aumentar a produção de todas as aeronaves Max, mergulhando a empresa na incerteza.
A empresa planejava produzir 42 jatos por mês este ano e 50 por mês no ano que vem, mas permanecerá, em vez disso, no marco de 38, possivelmente por muitos meses. Executivos da Boeing negaram na semana passada divulgar uma previsão financeira para o ano, citando o incidente e a necessidade de focar em segurança.
Críticas públicas
Executivos de aviação furiosos deram o raro passo de criticar a Boeing publicamente e de expressar dúvidas sobre se será possível que a companhia entregue aviões no prazo que solicitaram. O incidente e suas consequências em cascata colocaram a Boeing, uma das duas maiores empresas fabricantes de avião do mundo, em uma posição familiar: tentar navegar através de uma crise com custos financeiros e de reputação desconhecidos.
Apenas cinco anos atrás, depois de dois acidentes do Max 8 terem matado quase 350 pessoas, a empresa gastou bilhões de dólares para tornar seus aviões mais seguros e reparar a sua reputação. Esses acidentes foram causados por uma falha nos sistemas de estabilização de voo das aeronaves.
Com Boeing de novo enfrentando problemas, ela corre para garantir aos clientes, órgãos reguladores e membros do Congresso que está focada diretamente em aumentar seu controle de qualidade. Calhoun, o CEO, visitou a Spirit em Wichita. A Boeing também realizou um evento no qual os funcionários da fábrica em Renton interromperam o trabalho por um dia para participar de sessões sobre qualidade. E prometeu recompensar os funcionários “por se manifestarem para desacelerar as coisas, se isso for necessário”.
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50 aviões entregues com atraso
Mas mesmo enquanto tenta resolver os seus problemas, a Boeing disse no sábado, 3, que um fornecedor encontrou um novo problema, na semana passada, com as fuselagens de dezenas de aviões 737 inacabados. O fornecedor constatou que “dois parafusos podem não ter sido perfurados exatamente de acordo com as nossas necessidades”. Embora a Boeing não tenha dito o nome do fornecedor, um porta-voz da Spirit disse que um membro de seu time identificou um problema na semana passada que não estava conforme os seus padrões de engenharia.
A Boeing disse que o problema iria forçá-la a retrabalhar com cerca de 50 aviões, atrasando suas entregas. Em uma chamada com analistas na terça-feira, o presidente-executivo da Spirit AeroSystems, Patrick Shanahan, disse que estava aumentando o número de inspeções que conduzia junto dos aviões produzidos pela Boeing.
Jeff Guzzetti, um ex-investigador do conselho de segurança e da FAA, disse que a Boeing precisava fazer mais mudanças, incluindo mudar seu foco de sua performance financeira para a segurança.
“Dada a totalidade dos problemas recentes da Boeing, começando com os dois acidentes 737 Max e continuando com problemas de produção em outros modelos Boeing, esse relatório acrescenta mais uma gota nas costas do camelo”, disse. “Eu não acho que a Boeing consiga aguentar mais gotas. Eles sabem disso, assim como a FAA.”
Também na terça-feira, Mike Whitaker, o funcionário mais graduado da FAA, disse em um painel do Congresso que a agência iria intensificar a sua presença no terreno, monitorizando a produção de aeronaves da Boeing.
“No futuro, teremos mais pessoal no terreno examinando e monitorando de perto as atividades de produção e manufatura”, disse Whitaker ao Subcomitê de Aviação do Comitê de Transporte e Infraestrutura.
Além de limitar o aumento da produção da Boeing, a agência abriu uma investigação sobre o cumprimento das normas de segurança pela fabricante de aviões. Também iniciou uma auditoria analisando a produção do Max pela empresa, que, segundo Whitaker, levaria seis semanas.
Ele disse que a agência enviou cerca de duas dúzias de inspetores para a Boeing e cerca de meia dúzia para a Spirit.
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