WASHINGTON – O governo de Joe Biden anunciou nesta sexta-feira, 7, novos limites para a venda de tecnologia de semicondutores para a China. O ato visa incapacitar o acesso de Pequim a tecnologias necessárias para tudo, desde supercomputadores até armamentos atuais.
O movimento é o sinal mais claro de que há um impasse perigoso na área da tecnologia entre as duas maiores superpotências atuais. Os Estados Unidos tentam sufocar a tecnologia avançada de computação e semicondutores, essencial para as ambições militares e econômicas da China.
O pacote de restrições, lançado pelo Departamento de Comércio, foi projetado em grande parte para retardar o progresso dos programas militares chineses, que usam supercomputação para modelar explosões nucleares, guiar armas hipersônicas e estabelecer redes avançadas para vigiar dissidentes e minorias, entre outras atividades.
O subsecretário de comércio para indústria e segurança, Alan Estevez, disse que o gabinete trabalha para impedir que os serviços militares, de inteligência e de segurança da China adquiram tecnologias sensíveis com aplicações militares. “O ambiente de ameaças está sempre mudando, e estamos atualizando nossas políticas hoje para garantir que estamos lidando com os desafios colocados pela RPC (República Popular da China) enquanto continuamos nossa divulgação e coordenação com aliados e parceiros”, disse ele.
Segundo especialistas em tecnologia, as regras parecem impor os controles de exportação mais amplos dos últimos 10 anos. Embora semelhante à restrição do governo Donald Trump à gigante de telecomunicações Huawei, as novas regras são muito mais amplas e afetam dezenas de empresas chinesas. Elas também estabelecem uma política mais abrangente do que a de Trump, impedindo exportações de ponta para uma série de empresas de tecnologia chinesa e cortando a capacidade inicial da China de produzir chips avançados.
“É uma abordagem agressiva do governo dos EUA para começar a realmente prejudicar a capacidade da China de desenvolver algumas dessas tecnologias críticas”, disse Emily Kilcrease, membro sênior do Center for a New American Security, um think tank americano.
Corrida tecnológica
Com as novas regras, as empresas americanas estão proibidas de fornecer chips avançados, equipamentos de fabricação de chips e outros produtos para a China, a menos que recebam uma licença especial. De acordo com um funcionário do governo Biden, a maioria dessas licenças será negada. Envios para instalações que sejam operadas por empresas americanas na China ou países aliados serão avaliados caso a caso.
Resposta da China preocupa
O novo passo de Joe Biden pode provocar uma resposta da China em medidas semelhantes, segundo Samm Sacks, membro sênior da Yale Law School e especialista em política tecnológica da China. Pequim pode impor restrições a empresas americanas ou de outros países que cumprem as regras dos EUA, mas que ainda querem manter operações na China.
“A questão é: este novo pacote cruzaria um limite que desencadeia uma resposta que não vimos antes?”, questiona Samm. “Muitas pessoas estão antecipando isso. Eu acho que nós vamos ter que esperar para ver”, acrescentou.
As medidas foram tomadas em um momento particularmente sensível para Pequim. Os líderes chineses realizarão uma grande reunião política a partir de 16 de outubro, onde o líder Xi Jinping deverá garantir um terceiro mandato para se tornar o líder mais antigo do país desde Mao Tsé-Tung.
Segundo a porta-voz da Embaixada da China em Washington, Liu Pengyu, os Estados Unidos estavam tentando “usar sua proeza tecnológica como uma vantagem para mancar e suprimir o desenvolvimento de mercados emergentes e países em desenvolvimento”. “Os EUA provavelmente esperam que a China e o resto do mundo em desenvolvimento permaneçam para sempre na parte inferior da cadeia industrial”, acrescentou.
O governo chinês investiu pesado na construção de sua indústria de semicondutores, mas ainda fica atrás dos Estados Unidos, Taiwan e Coreia do Sul em sua capacidade de produzir os chips mais avançados. Em outros campos, como a inteligência artificial, a China não está mais significativamente atrás dos EUA, mas dependem dos chips avançados por empresas não chinesas para desenvolvê-las.
Restrições
As restrições impostas por Joe Biden limitam as exportações americanas de chips de alta tecnologia, colocam limites em chips específicos de supercomputadores chineses e impedem que empresas sediadas nos EUA fabriquem equipamentos relacionadas à produção destes chips para a China, a menos que haja uma licença.
Além disso, proíbem empresas em qualquer lugar do mundo de vender chips usados em inteligência artificial ou em supercomputadores se eles forem fabricados com tecnologia, software ou máquinas dos EUA. Essas restrições, em específico, foram impostas com a Regra do Produto Direto Estrangeiro, a mesma utilizada pelo ex-presidente Trump para prejudicar a Huawei.
Outra regra sobre empresas estrangeiras proíbe uma gama mais ampla de produtos fabricados com a tecnologia dos EUA de serem enviados a 28 empresas chinesas específicas, colocadas em uma “lista de entidades” que preocupam a segurança nacional americana.
Funcionários do alto escalão da administração Biden disseram que as medidas seriam limitadas aos chips mais avançados e não teriam um amplo impacto comercial sobre as empresas privadas chinesas. Entretanto, admitiram que as medidas poderiam se tornar mais restritivas ao longo do tempo, dado que a tecnologia começará a superar os padrões tecnológicos avançados explicitados nas regras.
Executivos do setor dizem que muitas indústrias chinesas que dependem de inteligência artificial e algoritmos avançados alimentam essas habilidades com unidades americanas de processamento gráfico, que agora serão restritas. Isso inclui empresas como SenseTime e ByteDance, a empresa chinesa de internet que possui o TikTok.
Impacto
O impacto real das restrições dependerá de como a política é executada. Para a maioria das medidas, o Departamento de Comércio tem a prudência de conceder às empresas licenças especiais para continuar a vender os produtos restritos para a China, embora tenha dito que a maioria seria negada.
Alguns legisladores republicanos criticaram o departamento por estar muito disposto a emitir tais licenças, permitindo que as empresas dos EUA continuem vendendo tecnologia sensível para a China, mesmo quando a segurança nacional pode estar em jogo.
“Se você quiser pará-lo, você pode simplesmente pará-lo”, disse Derek Scissors, membro sênior do American Enterprise Institute. “Quando você cria um requisito de licenciamento, você está anunciando ao mundo: Nós não queremos pará-lo. Estamos apenas fingindo”, acrescentou.
Com seu vasto ecossistema de fábricas, a China continua a ser um enorme e lucrativo mercado para as exportações de chips dos EUA. As minúsculas tecnologias são cruciais para os smartphones, laptops, cafeteiras, carros e outros bens que as fábricas chinesas bombeiam para consumo interno e exportam para o mundo. Muitas empresas americanas há muito argumentam que suas vendas para a China são uma importante fonte de receita que lhes permite reinvestir em pesquisa e desenvolvimento e manter uma vantagem competitiva.
Entretanto, fazer negócios com a China se tornou preocupante para os Estados Unidos nos últimos anos, à medida que as tensões entre os dois países se transformaram em uma competição que se assemelha à Guerra Fria. O governo chinês tem procurado desfazer limites entre seu setor de defesa e a indústria privada, utilizando empresas chinesas de big data, inteligência artificial, tecnologias aeroespaciais e computação quântica para alimentar a modernização militar do país.
Os exercícios militares chineses que visavam intimidar Taiwan, e o alinhamento da China com Moscou após a invasão russa da Ucrânia, reforçaram o caso da regulação tecnológica.
Ainda assim, executivos do setor e alguns analistas argumentam que cortar a China de chips estrangeiros aceleraria o esforço de Pequim para desenvolvê-los e fará com que as empresas americanas percam para concorrentes estrangeiros, a menos que outros países também imponham restrições semelhantes.
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