WASHINGTON – O setor de inteligência dos Estados Unidos acredita que a Ucrânia tem uma janela de oportunidade na guerra contra a Rússia nas próximas seis semanas, antes que o inverno tenha início e os exércitos sejam forçados a parar e se reagrupar. A brecha, dizem as autoridades, pode permitir a continuidade das contraofensivas no sul e no nordeste do país.
Autoridades americanas dizem que há pouca chance de um colapso generalizado nas forças russas que permitiria à Ucrânia tomar outra enorme faixa de território, semelhante à recuperada no último mês. Entretanto, na avaliação das autoridades, unidades russas específicas podem perder batalhas diante de uma pressão ucraniana sustentada – o que permitiria que o exército de Kiev continuasse retomando cidades no Donbas e potencialmente retomasse Kherson.
Embora cautelosos nas previsões, autoridades dos EUA e da Ucrânia dizem que os combates devem continuar por meses apesar dos ganhos recentes da Ucrânia. Além disso, uma série de variáveis podem se tornar pertinentes na mudança de trajetória do conflito: condições de combate mais difíceis em dezembro; os limites do presidente russo Vladimir Putin no conflito; o apoio do bloco europeu durante o inverno do Hemisfério Norte, à medida que os preços de energia sobem; e o ambiente político potencialmente em mudança nos EUA, que pode resultar em uma diminuição do apoio à Ucrânia.
Uma das questões que dificultam as previsões é o fato de a atual guerra ter passado por diferentes fases, ora com a Rússia em vantagem, ora com a Ucrânia. De início, ucranianos derrotaram os russos na batalha por Kiev, mas depois sofreram reveses brutais no Donbas.
Os combates voltaram a se tornar intensos nos últimos dias. No entanto, analistas militares dizem que a Ucrânia tem uma vantagem que fornece uma chance de determinar onde concentrar os esforços para recuperar território. “Há uma janela de oportunidade ucraniana aqui”, disse Mason Clark, analista militar russo do Instituto para o Estudo da Guerra. “Os ucranianos têm a liberdade de escolher onde vão atacar”.
Autoridades dos EUA dizem em particular que a Ucrânia deve manter nas próximas semanas a pressão onde está com a vantagem, mas não a ponto de abrandar as linhas de abastecimento militar ou dar à Rússia a chance de explorar pontos fracos nas linhas defensivas.
Guerra na Ucrânia
Publicamente, altos funcionários ucranianos falaram com otimismo sobre as perspectivas de vitórias significativas no campo de batalha. Oficiais em campo concordam que estão fazendo ganhos, mas a um alto custo. “Estamos avançando, mas não tão rapidamente quanto na província de Kharkiv”, disse o major Iaroslav Galas, comandante da 128ª Brigada de Assalto à Montanha Separada, que está lutando na região de Kherson. “E há muitas perdas.”
Pressão em Kherson e no nordeste
Autoridades americanas acreditam que o avanço ucraniano poderia em breve obrigar as forças russas em Kherson a recuar em relação ao rio Dnipro, devolvendo a maior parte da cidade ao controle da Ucrânia. Os comandantes russos recomendaram o recuo das tropas, mas Putin rejeitou a ordem. Em contrapartida, ordenou que mais de 60 mil pessoas de Kherson saíam da cidade, que começa a se preparar para o conflito.
Após a ofensiva de setembro, as forças ucranianas tiveram que desacelerar e fortalecer as linhas de abastecimento no nordeste. À medida que a Rússia se moveu para reforçar essas posições, a contraofensiva relâmpago se transformou mais uma vez em uma batalha violenta.
Ainda assim, algumas autoridades americanas disseram que os ucranianos pareciam prontos para avançar e quebrar o impasse em Luhansk, onde pode ser possível cercar ou quebrar as linhas defensivas russas. Segundo estas autoridades, se as forças ucranianas assumirem o controle de uma das rodovias de Luhansk nas próximas semanas, um caminho-chave utilizado pela Rússia para reabastecer as tropas em áreas ocupadas será cortado.
Os militares russos ainda lidam com desafios existentes desde o início da guerra. Problemas com a logística impediram Moscou de manter os soldados adequadamente abastecidos. A comunicação entre as unidades russas continua difícil, forçando-os a enviar oficiais superiores perto de linhas de frente e dificultando movimentos coordenados. Os reservistas que agora chegam forçados aos campos de batalha são mal treinados e mal equipados.
Mesmo que esteja perdendo força agora, a Rússia, de acordo com oficiais americanos e analistas militares, ainda não perdeu a guerra. E, ressaltam, é fundamental nunca subestimar um adversário.
Chances da Rússia
Os militares de Moscou ainda podem realizar operações de artilharia em larga escala, e a Rússia possui duas forças potenciais: uma injeção de tropas da mobilização forçada que o Putin realizou por insistência dos comandantes-chave e uma capacidade de absorver grandes perdas no campo de batalha.
Os militares russos sofreram uma perda de equipamento e soldados que teriam quebrado a maioria dos exércitos na Europa. Um relatório do governo dos EUA divulgado na semana passada indica que os russos perderam 6 mil equipamentos. Estimativas de baixas russas esbarram em milhares. Mas uma força fundamental no exército russo é obter mais equipamentos e mais soldados em momentos cruciais. Apesar das perdas, as autoridades americanas dizem que a Rússia e Putin parecem prontos para continuar lutando – mas há limites.
“Claramente, a Rússia está enfrentando alguns desafios significativos de logística e sustentação agora”, disse o general-de-brigada Patrick Ryder, porta-voz do Pentágono, na terça-feira. “Esses só vão ficar mais difíceis à medida que os meses de inverno se estabelecerem. E, portanto, o tempo é certamente essencial quando se trata de capitalizar isso do ponto de vista operacional.”
A Ucrânia, por outro lado, foi sustentada por dezenas de bilhões em ajuda, armamento e financiamento americanos que mantiveram a economia em movimento e permitiram que o exército primeiro conseguisse retardar o avanço russo e, agora, recuperasse território.
Dada a dinâmica do campo de batalha, as autoridades americanas não acham que haverá uma longa pausa no combate. A neve de inverno não vai retardar os combates, mas a lama que costuma surgir na região no final de outubro, chamada de ‘rasputitsa’ pelos russos, vai. Uma vez que o solo volte a ficar sólido em fevereiro, por volta do primeiro aniversário da invasão, os exércitos podem mais uma vez se mover rapidamente.
A Rússia pode usar os próximos quatro ou cinco meses para se reagrupar, possivelmente dando algum treinamento aos soldados recém-mobilizados. Mas o que acontece a seguir, disseram as autoridades americanas, é uma questão aberta: o país poderia tentar recuperar a área perdida desde setembro ou ordenar uma escalada no conflito – potencialmente a ponto de usar armas nucleares – para mudar o perigo do exército. Além disso, a Rússia pode procurar se contentar com os ganhos obtidos e tentar negociar com os ucranianos, contando com as capitais europeias receosas de uma escassez de combustível durante o inverno para pressionar Kiev a concordar com um cessar-fogo.
Brechas nas avaliações
As autoridades americanas advertem que há ressalvas importantes à avaliação que fazem da guerra. As autoridades ucranianas ainda não compartilham a maioria de seus planos operacionais. E, embora os Estados Unidos tenham melhor inteligência sobre o planejamento russo, as intenções de Putin para a próxima fase da guerra são difíceis de discernir. Atualmente há poucos contatos regulares entre oficiais americanos e homólogos russos.
Mesmo que a Ucrânia impeça a Rússia de alcançar objetivos estratégicos de derrubar o governo em Kiev e forçar o país a se afastar da Europa, isso não significa que o Putin pare de lutar. A realidade da guerra moderna é que o vencedor não tem uma palavra a dizer quando a luta para. Segundo as autoridades, é improvável que Putin aceite a derrota nos próximos meses.
“Muitas vezes cabe ao perdedor decidir quando a guerra realmente acaba”, disse Michael Kofman, diretor de estudos russos da C.N.A., um instituto de pesquisa americano. “Há uma divergência nas expectativas das pessoas de quando os combates podem acabar contra a guerra que está realmente terminando. A luta pode acabar, mas não significa que a guerra em si vai acabar.”
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