‘Estamos conscientes da oportunidade que temos’, diz ministro colombiano sobre crise da coca

Governo de Gustavo Petro pretende tirar cerca de 75 mil famílias da produção de folha de coca

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:
Foto: Nelson Cardenas/Ministerio de Justicia y del Derecho de Colombia
Entrevista com​​​​​​​​​​​​Néstor Osuna​ PatiñoMinistro da Justiça e do Direito da Colômbia

ENVIADA ESPECIAL A BOGOTÁ - Apesar das críticas de que o governo colombiano atua com lentidão em sua política de combate à cocaína, o ministro de Justiça e do Direito do país, Néstor Osuna Patiño, afirma que a equipe do presidente Gustavo Petro está consciente da oportunidade que tem para retirar famílias da produção da folha da droga enquanto os preços estão baixos. “As causas que explicam a queda dos preços (da folha e da pasta de coca) são múltiplas, e o governo não as controla. Mas, sim, podemos aproveitar este momento”, disse ao Estadão.

O governo tem como meta retirar da produção de folha de coca cerca de 75 mil famílias (50% do total) nos próximos três anos e meio. Para isso, lançou um programa em que incentivos serão destinados a grupos de agricultores, e não a pessoas individualmente. O plano custará o equivalente a R$ 26 bilhões em dez anos, mas os recursos ainda não estão garantidos.

Em relação à dificuldade do governo para aprovar projetos no Congresso – como a lei de humanização carcerária –, Osuna Patiño destacou que a situação não se deteriorou após as eleições regionais do fim de outubro, das quais a esquerda saiu derrotada. “Temos problemas de governabilidade típicos de um Executivo que não tem maioria no Congresso. Por isso, é preciso trabalhar em cada reforma.”

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Como o governo está acompanhando a crise no mercado da coca?

Os preços da folha e da pasta de coca caíram de modo significativo no último ano. Isso dá uma janela de oportunidade para o governo acelerar uma política de substituição de economias ilícitas por lícitas. Os agricultores de coca nunca foram milionários. Mas, sem dúvida, esse momento de crise faz com que eles estejam mais dispostos a substituir seus cultivos. Estamos conscientes disso. Estamos atuando mais rapidamente nessa política de substituição. Neste mês de novembro, começará a missão em que chega todo o Estado a uma região onde tem muito cultivo, no departamento de Cauca. As causas que explicam a queda dos preços são múltiplas, e o governo não as controla. Mas, sim, podemos aproveitar este momento.

Quais são as causas?

É possível que haja uma mudança no mercado, no sentido de que há oferta de outros países da América Central e da América do Sul. Também é possível que haja algumas mudanças no consumo, provavelmente não nos Estados Unidos, mas talvez em países europeus. Também é certo que a mudança de estratégia das nossas Forças Armadas e de seus dirigentes a tornou mais eficientes na luta contra a droga. Isso tornou mais difícil para os primeiros, digamos, comerciantes da cadeia do narcotráfico retirarem a droga dos locais de produção.

​​​​​​​​​​​​Estratégia elaborada no ministério de Osuna​ Patiño é fazer substituição do cultivo da folha de forma gradual Foto: Nelson Cardenas/Ministerio de Justicia y del Derecho de Colombia

Pesquisadores do assunto afirmam que o governo está trabalhando muito lentamente na política de substituição de cultivo, o que pode fazer com que se perca essa janela de oportunidade.

Transitar de um modelo que era absolutamente proibicionista, que criminalizava todos, a um modelo que permita isso não é algo que se pode desenhar da noite para o dia. É uma mudança de uma política que vinha sendo aplicada há 50 anos e, por isso, tivemos que pensar muito: Quanto custa? Como fazer? Quais regiões priorizar? Para fazer a substituição, primeiro precisamos de segurança. Temos trabalhado todo esse tempo nisso, tanto em Cauca como na região de Catatumbo. Se não, não faz sentido levar estrada, projetos de agroindústria e hospitais a lugares que estão tomados por estruturas criminais.

Há um plano para acelerar isso?

Sim. Cauca e Catatumbo têm sido prioridades e, aí, a atuação da força militar tem sido importante, combinada ao diálogo com os grupos armados e também à política de submeter à Justiça essas estruturas criminais. Mas, sim, há avanços visíveis na segurança que permitem o Estado entrar.

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Mas qual é o plano? O último, o Pnis (Programa Nacional Integral de Substituição de Cultivos de Uso Ilícito, lançado em 2017), não deu certo. O que planejam fazer de diferente?

O maior problema do Pnis foi ter pensado que a substituição da coca por produtos lícitos era um assunto de cada agricultor. O agricultor simplesmente recebia uma ajuda econômica que lhe servia para sobreviver por alguns meses e depois voltava a cultivar coca, porque não tinha outra alternativa. A nossa política não vai oferecer estímulos individuais, mas coletivos para que comunidades inteiras transitem para a legalidade. O estímulo não vai ser dinheiro. O estímulo é promover um projeto agroindustrial, construir estradas, levar tecnologia onde seja necessária e financiamento para que toda essa comunidade entre na legalidade.

Há um orçamento de 21 bilhões de pesos (cerca de R$ 26 bilhões) para isso, correto? O governo já tem o montante?

Ainda não temos todo esse valor. É um plano feito para dez anos, mas, se conseguimos o dinheiro antes, é possível acelerar o projeto. A cada ano, será preciso conseguir os recursos para o ano seguinte.

O estímulo (para o produtor substituir o cultivo) não vai ser dinheiro. O estímulo é promover um projeto agroindustrial, construir estradas, levar tecnologia e financiamento para que toda a comunidade entre na legalidade

Os recursos para 2024 já estão garantidos?

Sim. Temos ao redor de 7 bilhões de pesos (R$ 8,6 bilhões) para o próximo ano.

Os pesquisadores da área dizem que as políticas contra a coca deveriam ser centralizadas em um único órgão do governo, para ganhar força, mas que hoje está tudo muito disperso entre diferentes ministérios…

Isso poderia ocorrer. O Ministério da Justiça tem uma diretoria de política de drogas porque sempre se pensou que essa era uma atividade criminosa. A partir dessa perspectiva, faz sentido que haja algo no ministério. Mas, da perspectiva da saúde do consumidor, o Ministério da Saúde tem programas relacionados a drogas. O mesmo da perspectiva de substituição de cultivos. Provavelmente deveria haver uma entidade que abarcasse tudo. Se o assunto deixa de ter um foco criminal, não tem muito sentido estar no Ministério de Justiça. Mas, por ora, nos articulamos entre as distintas entidades de governo.

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A política não está perdendo força assim?

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Não, ao contrário. Quanto mais vozes, mais legitimidade.

O plano é diminuir a área de plantação em 40% durante este governo. Por que a decisão de ainda manter 60%?

Chegamos a esse número com base em experiências anteriores. A erradicação forçada de plantações de coca costuma resultar em um ‘replantio’ de 70%. A erradicação voluntária tem um ‘replantio’ de menos de 1%. Estamos apostando em uma estratégia de erradicação voluntária. Essa estratégia tem certos limites. Por exemplo, em reservas indígenas, é preciso submeter os procedimentos a consultas prévias. Essas consultas são um direito que demanda tempo. Há também cultivo de coca para produtos lícitos, como têxteis, fertilizantes e cosméticos. Isso não será erradicado. Também temos uma estratégia de fazer essa erradicação de forma gradual à medida em que o Estado vá avançando. Por isso, fazendo as contas de quantos territórios podemos chegar, podemos diminuir em 40% o total de hectares nos três anos e meio que restam de governo. Hoje, ao redor de 150 mil famílias vivem do cultivo da coca. Acreditamos que metade pode deixar a atividade até o fim do governo.

Assim como nós, colombianos, estamos mudando nossa política interna de drogas, os EUA também estão

A produção de coca para fins lícitos deve crescer?

Há algumas fábricas de fertilizantes, alimentos, cosméticos, tintas para tecido no país. São empresas privadas, algumas comunitárias com forte presença de povos indígenas. O que o governo pode fazer é facilitar a comercialização. Por exemplo, há uma fábrica de refrigerantes que usa a folha de coca, que é legal, mas só pode vender em sua região. Ela não pode vender em Bogotá, porque há travas ao comércio de produtos derivados da folha de coca. Em Cauca, tem uma fábrica de fertilizantes que poderia se expandir, mas ela tem a mesma dificuldade que a de refrigerantes, ainda que o produto deles trabalhe com a folha de coca ‘descocainizada’, sem o ingrediente psicoativo. Ela também tem dificuldade no comércio e no transporte, porque o ponto de partida é a folha de coca, um cultivo ilegal. O governo pode facilitar esse comércio e nosso compromisso é fazer isso sempre que os produtos sejam lícitos. Vamos destravar, mas não estamos pensando, ao menos por ora, em empresas estatais como a do Peru.

Isso pode significar que cultivar coca será lícito?

Se for para esse fim, sim. Hoje, a produção de folha de coca é lícita se for inferior a 20 plantas. Também é lícita para o uso ancestral de povos indígenas. A coca que essas empresas usam está em reservas indígenas. Por isso, é permitido.

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Nos últimos anos, a Colômbia recebeu um apoio forte dos Estados Unidos na luta contra a cocaína. O governo americano aprova a nova política do país?

Assim como nós, colombianos, estamos mudando nossa política interna de drogas, os EUA também estão. Eles estão pensando em uma política holística, que considera as causas pelas quais se produz, se comercializa e se consome droga. Isso leva a uma solução diferente. Essa discussão está aberta nas duas sociedades e há uma coincidência feliz na mudança de política, para uma política mais progressista.

Não se mexe no acordo de extradição com os Estados Unidos

Eles vão continuar dando dinheiro para essa política?

Salvo que haja uma mudança drástica na política dos EUA por causa das eleições no próximo ano, acredito que isso vá continuar.

O acordo com os EUA de extradição de narcotraficantes pode mudar?

Nisso não se mexe.

Antes das eleições, o presidente falava em mudá-lo...

Até este momento, tem funcionado exatamente como antes e não há nenhuma conversa com os EUA para mudar.

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E a promessa do presidente Gustavo Petro de adotar uma lei de humanização carcerária? Vai ser cumprida?

Os primeiros debates já começaram, mas não houve tempo para avançar nas discussões. Agora, em outubro, estava claro que, enquanto estivéssemos em campanha eleitoral (as eleições regionais foram no último fim de semana do mês), o Congresso estaria focado nisso. Vamos apresentar o projeto agora.

Com as eleições, o governo perdeu ainda mais força para conseguir aprovar projetos no Congresso...

Não. O governo tem a mesma dificuldade que tinha antes das eleições. O Congresso não mudou.

Sim, mas o presidente saiu enfraquecido.

Não. Isso é uma narrativa de opinião pública que não é certa.

O governo tem tido dificuldade para aprovar suas reformas...

Desde o primeiro dia, porque não temos a maioria. Temos problemas de governabilidade típicos de um Executivo que não tem maioria no Congresso. Por isso, é preciso trabalhar em cada reforma.

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O governo tem a mesma dificuldade (para aprovar projetos de lei) que tinha antes das eleições. O Congresso não mudou

Acha que é possível aprovar a lei de humanização carcerária ainda neste ano?

Nesse período que termina em junho de 2024.

Ainda há muita crítica na Colômbia à justiça restaurativa, que é uma bandeira do governo Petro. Como estão trabalhando isso?

O mais importante neste ano foi começar um processo de pedagogia para que o assunto deixe de ser de especialistas. Essa mudança na opinião pública, essa mudança cultural, é mais importante do que a mudança na lei. Inclusive já existem medidas de justiça restaurativa na legislação. Mas, para que ela faça parte da justiça cotidiana dos colombianos, vamos fazer um grande esforço pedagógico: fóruns, publicidade, meios tradicionais de comunicação e redes sociais. Temos um convênio com muitos estabelecimentos de educação pública para que as normas de convivência da escola se resolvam mediante mecanismos da justiça restaurativa de modo que as crianças de hoje tenham, em seus critérios de justiça, a ideia de que o restabelecimento do tecido social é mais importante que o castigo.

O ministério já está envolvido nas discussões de paz com os grupos armados? Como devem ser julgadas as pessoas que fazem parte dos grupos?

Isso está com o Escritório do Comissário para a Paz e com o Ministério de Defesa. Quando se trata de grupos guerrilheiros, certamente chegará um momento em que será concebido um regime de responsabilidade e reparação das vítimas, assim como foi feito com as Farc. Isso já existe hoje, não é necessário mudar a legislação para benefícios individuais. Se quisermos falar de benefícios coletivos, ou seja, não o caso de um líder de um grupo que se rende e dá informações importantes, mas o de toda uma estrutura se rendendo, seria melhor ter uma lei que permitisse julgamentos coletivos. Isso não temos.

Vocês podem trabalhar, então, com o Congresso para criar uma lei que permita esse tipo de julgamento?

Sim.

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