WASHINGTON, THE NEW YORK TIMES - O governo Biden tem negociado discretamente com Teerã para limitar o programa nuclear iraniano e libertar americanos presos no Irã, de acordo com autoridades de três países, como parte de um esforço maior dos Estados Unidos para aliviar tensões e reduzir o risco de um confronto militar com a República Islâmica.
O objetivo dos americanos é alcançar um pacto informal, verbal, que algumas autoridades iranianas estão classificando como um “cessar-fogo político”. O acordo buscaria evitar uma escalada militar em uma relação hostil há muito tempo, que fica cada vez mais tensa à medida que o governo iraniano produz um estoque crescente de urânio enriquecido em nível próximo ao requerido para uso militar, fornece drones para a Rússia usar na Ucrânia e reprime brutalmente protestos domésticos.
Linhas gerais das conversas foram confirmadas por três graduadas autoridades israelenses, uma autoridade iraniana e uma autoridade americana. Autoridades dos EUA não comentaram detalhadamente os esforços no sentido da libertação de americanos presos, limitando-se a classificá-los como uma prioridade urgente de Washington.
As conversas — indiretas, algumas delas ocorreram nesta primavera (Hemisfério Norte), em Omã — refletem uma retomada da diplomacia entre EUA e Irã após o colapso de mais de um ano de negociações para reinstituir o acordo nuclear de 2015, que limitava acentuadamente as atividades atômicas iranianas em troca de alívios nas sanções.
Teerã acelerou seu programa nuclear meses após o ex-presidente Donald Trump retirar os EUA do acordo e impor uma série de novas sanções contra o Irã, em 2018.
O governo iraniano estaria disposto sob um novo pacto, que duas autoridades israelenses afirmaram ser “iminente, a não enriquecer urânio além do grau atual de pureza alcançado no país, de 60%. Esse nível é próximo, mas inferior, aos 90% de pureza necessários para fabricar uma arma nuclear — que, se obtido pelos iranianos, os EUA alertaram que acarretaria uma resposta severa.
O Irã também cessaria ataques letais contra operadores dos EUA na Síria e no Iraque por meio das forças que apoiam Teerã na região, expandiria sua cooperação com inspetores nucleares e pararia de vender mísseis balísticos para a Rússia, afirmaram autoridades iranianas.
Em troca, o Irã esperaria que os EUA evitassem endurecer sanções que já sufocam sua economia; não apreendessem navios petroleiros estrangeiros carregados, como fizeram, mais recentemente, em abril; e não apoiassem novas resoluções punitivas nas Nações Unidas ou na Agência Internacional de Energia Atômica contra Teerã por sua atividade nuclear.
“Nada disso destina-se a produzir algum acordo inovador” afirmou Ali Vaez, diretor de estudos de Irã no International Crisis Group, organização destinada a evitar conflitos. Em vez disso, afirmou ele, o objetivo é “fazer cessar qualquer atividade que, basicamente, ultrapasse algum limite ou coloque qualquer das partes em posição de retaliar de maneira que desestabilize o status quo”.
“O objetivo é estabilizar as tensões, criar tempo e espaço para discutir o futuro da diplomacia e o acordo nuclear”, afirmou Vaez.
O Irã também espera que os EUA descongelem bilhões de dólares em ativos iranianos, cuja utilização seria restrita a propósitos humanitários, em troca da libertação de três iraniano-americanos presos que os EUA afirmam ter sido detidos indevidamente. Autoridades americanas não confirmaram a ligação entre a libertação dos presos e o acesso ao dinheiro, nem nenhuma conexão entre os presos e assuntos nucleares.
No que poderia ser um sinal de um acordo em desenvolvimento, os EUA emitiram uma isenção na semana passada permitindo ao Iraque pagar US$ 2,76 bilhões em dívidas de energia ao Irã. O dinheiro seria restrito a ser usado com fornecedores — aprovados pelos EUA — de alimentos e medicamentos para os cidadãos iranianos, de acordo com o Departamento de Estado americano.
Isso poderia dissipar preocupações de que o governo Biden esteja colocando bilhões de dólares nas mãos de um regime autoritário implacável, que mata manifestantes, apoia o esforço de guerra da Rússia na Ucrânia e financia grupos armados afiliados, como Hamas e Hezbollah. Os republicanos criticaram o governo Obama por liberar bilhões de dólares congelados do Irã, que, segundo eles, possibilitariam o financiamento de atividades terroristas.
Autoridades iranianas também tentam receber estimados US$ 7 bilhões em pagamentos de compras de petróleo congelados na Coreia do Sul, que elas ligaram à libertação dos presos americanos. Esse dinheiro também teria uso estritamente humanitário e seria mantido em um banco catariano, de acordo com uma autoridade iraniana e várias outras fontes familiarizadas com as negociações.
O foco renovado dos EUA sobre o programa nuclear iraniano ocorre em meio a uma preocupação crescente no governo Biden de que Teerã possa precipitar uma crise aumentando ainda mais sua capacidade de enriquecimento de urânio.
“Os EUA parecem estar deixando claro para os iranianos que eles pagarão um preço altíssimo se enriquecerem urânio a 90%”, afirmou Dennis Ross, que assessorou vários presidentes americanos na elaboração de política externa para o Oriente Médio. Ross conversou com a reportagem em Israel, onde ele vinha se reunindo com autoridades de segurança cientes das conversas recentes.
Ao mesmo tempo, afirmou Ross, o governo Biden não está disposto a encarar mais uma crise. “Eles querem que a prioridade e o foco permaneçam sobre a Ucrânia e a Rússia”, afirmou ele. “Uma guerra no Oriente Médio, onde você sabe como ela começa mas não como acaba, é a última coisa que eles querem.”
Em uma conferência de imprensa na quarta-feira, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Matthew Miller, afirmou que “rumores sobre um acordo nuclear — transitório ou não — são falsos ou equivocados”.
“Nossa política n.º 1 é garantir que o Irã nunca obtenha uma arma nuclear, portanto é evidente que temos acompanhado as atividades de enriquecimento nuclear do Irã”, acrescentou Miller. “Nós acreditamos que a diplomacia é o melhor caminho para ajudar a alcançar esse objetivo, mas estamos nos preparando para todas as opções e contingências possíveis.”
O desmentido americano sobre um “acordo nuclear” iminente poderia virar uma questão de semântica, contudo, se o desfecho constituir esse entendimento informal descrito por várias autoridades. Um entendimento nesses termos também evitaria a necessidade de aprovação de um Congresso americano profundamente hostil ao Irã.
Em uma mudança retórica inesperada, o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, afirmou na quarta-feira que poderia apoiar um acordo com o Ocidente se a infraestrutura nuclear do Irã for mantida intacta, de acordo com reportagens dos meios de comunicação estatais. Khamenei também disse que o Irã deveria manter certo grau de cooperação com inspetores nucleares internacionais.
Israel alertou que o Irã poderia sofrer consequências desastrosas se produzir urânio em grau militar. “Seria um grande erro para o Irã enriquecer (urânio) até 90%, o nível usado em armas. O preço seria alto”, afirmou em maio o ministro israelense da Defesa, Yoav Gallant.
Mesmo se o Irã usar suas centrífugas de alta velocidade para purificar urânio a um grau compatível à fabricação de uma arma nuclear, ainda levaria tempo para construir a bomba. Em março, o comandante do Estado-Maior Conjunto dos EUA, general Mark Milley, disse a uma subcomissão da Câmara que esse processo poderia tardar “vários meses”.
“As Forças Armadas dos EUA desenvolveram várias opções para nossa liderança nacional considerar caso o Irã venha a decidir desenvolver uma arma nuclear”, acrescentou o general Milley.
Uma graduada autoridade de defesa israelense afirmou que o governo de Israel estima que levaria muito mais tempo — ao menos um ano, talvez mais de dois — para o Irã fabricar a bomba e afirmou que os comentários de Milley refletem um esforço americano de sublinhar a necessidade do estabelecimento de um novo acordo com Teerã o quanto antes.
O Irã insiste há muito tempo que seu programa nuclear tem objetivos pacíficos, apesar de evidências de que o regime iraniano pesquisou capacidades atômicas militares.
O esforço diplomático do governo Biden na direção de Teerã foi retomado no fim do ano passado, com o enviado especial dos EUA para o Irã, Robert Malley, reunindo-se em duas ocasiões com o embaixador iraniano nas Nações Unidas, Amir Saeid Iravani, de acordo com pessoas familiarizadas com as reuniões. No início de maio, o coordenador da Casa Branca para o Oriente Médio, Brett McGurk, viajou a Omã para reuniões indiretas mediadas pelos omanitas com uma delegação iraniana que incluiu o principal negociador nuclear de Teerã, Ali Bagheri Kani, confirmou na segunda-feira o ministério de Relações Exteriores do Irã.
Durante as negociações que tentaram restabelecer o acordo de 2015, Teerã não concordou em se reunir diretamente com autoridades americanas.
Em um comunicado ao New York Times, a missão iraniana na ONU se recusou a comentar detalhes a respeito das conversas, mas afirmou que “é importante criar uma nova atmosfera e avançar a partir da atual situação”.
A retomada de conversas entre Washington e Teerã inquietou algumas autoridades israelenses que se preocupam com a possibilidade dos novos entendimentos reduzirem a pressão econômica do Ocidente sobre o Irã e até ocasionarem um acordo nuclear mais amplo que, teme Israel, poderia socorrer a economia iraniana sem impossibilitar suficientemente suas atividades nucleares.
Ross afirmou que um acordo modesto, para evitar uma possível crise, poderá ser útil, mas somente se tiver duração limitada. O Irã tem construído novas instalações subterrâneas, notou ele, provavelmente capazes de resistir às bombas antibunker dos EUA que atualmente ameaçam suas instalações nucleares já existentes. “Quanto mais endurecerem, mais opções militares perderão potência”, afirmou Ross. “Comprar tempo a partir dessa posição funciona para os iranianos.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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