THE NEW YORK TIMES - TÓQUIO — O presidente americano, Joe Biden, arregimentou uma dúzia de países da região Ásia-Pacifico para se juntar a um novo bloco econômico definido sem critérios muito rigorosos destinado a afrontar a dominância da China e reassegurar a influência americana na região, cinco anos após seu antecessor, Donald Trump, retirar os Estados Unidos de um abrangente acordo comercial que o próprio país havia negociado.
A aliança aproximará os EUA de potências regionais como Japão, Coreia do Sul e Índia, estabelecendo novas regras de comércio na região do mundo que mais cresce e oferecendo uma alternativa à liderança de Pequim. Mas, receoso a respeito da oposição doméstica dos progressistas, Biden evitará na nova parceria provisões de acessos a mercados dos pactos comerciais tradicionais, o que levanta questões em relação à sua relevância.
“Estamos escrevendo novas regras para a economia do século 21″, afirmou Biden nesta segunda-feira, 23, em Tóquio, durante o lançamento do que ele intitulou como Ordenamento Econômico do Indo-Pacífico. “Ajudaremos todas as economias dos nossos países a crescerem mais rapidamente e equitativamente.”
O presidente americano sentou-se ao lado do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e do primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, para a apresentação da iniciativa, enquanto outros líderes se juntaram ao evento por videoconferência. A nova aliança é o elemento central não apenas da primeira viagem de Biden à Ásia como presidente mas também de uma estratégia mais ampla na região, num momento em que a China tem ocupado crescentemente o vazio deixado pelo ex-presidente Donald Trump ao retirar os EUA da Parceria Transpacífica em 2017.
“Sob qualquer perspectiva trata-se do envolvimento econômico internacional mais significativo que os EUA já empreenderam nessa região”, afirmou a repórteres, no domingo, a secretária do Comércio, Gina Raimondo, que liderará algumas das negociações desencadeadas pelo acordo. “E seu lançamento, amanhã, aqui em Tóquio, marca um importante ponto de inflexão no restabelecimento da liderança econômica dos EUA na região e em apresentar aos países do Indo-Pacífico uma alternativa à abordagem da China em relação a esses temas críticos.”
Além de EUA, Índia, Japão e Coreia do Sul, os 13 membros do ordenamento incluirão Austrália, Brunei, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã. Juntos, os países participantes representam cerca de 40% da economia mundial, e qualquer acordo específico que surja do grupo poderia alcançar muito no sentido de estabelecer padrões além de sua adesão.
Esforços diplomáticos
Em meio a incertezas e ceticismos a respeito do que o novo ordenamento resultará na realidade, autoridades americanas se mobilizaram nas semanas recentes para alinhar uma quantidade suficiente de países relevantes para entrar no pacto, na esperança de causar uma boa — e grande — impressão inicial com um lançamento ostentoso. Privadamente, elas disseram que todos os países que os EUA miravam seriamente concordaram em aderir, mas alguns analistas se questionaram a respeito de possíveis garantias e compensações colocadas sobre a mesa para atrair a adesão terem diminuído o escopo do novo bloco.
A nova iniciativa de Biden ocorre menos de cinco meses depois da Parceria Econômica Regional Abrangente, liderada pela China, começar a vigorar, ligando 15 economias da região Ásia-Pacífico no maior bloco comercial do mundo. A maioria dos países que Biden recrutou para seu ordenamento já pertencia ao bloco integrado pela China.
Para os EUA, o novo ordenamento substituirá de fato a Parceria Transpacífica (TPP), mais expansiva, enquanto principal instrumento para estabelecer o fluxo de mercadorias e serviços na região. O ex-presidente Barack Obama, com Biden de vice, negociou a TPP, mas Trump a abandonou no primeiro dia de trabalho que passou no gabinete da presidência, deixando que o bloco seguisse sem sua maior economia.
Força chinesa
Executivos de empresas afirmam que o bloco liderado pela China fez mais para definir o comércio na região, apesar de pedir pouco em troca de seus membros e ter como foco principal limitar trâmites burocráticos. A visão americana para a região, em contraste, é ambiciosa, mirando melhorar condições de trabalho e elevar padrões ambientais. Mas sem oferecer mais acesso aos seus mercados, afirmam analistas, os EUA não têm muito mais com que encorajar essas mudanças.
“É difícil convencer governos asiáticos a mudar regras de maneiras que possam vir a perturbar suas políticas econômicas sem a promessa de acesso facilitado ao mercado americano”, afirmou o pesquisador Aaron Connelly, do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos em Cingapura.
Ainda que muitos dos líderes tenham elogiado a iniciativa liderada pelos EUA, alguns dos alistados deixaram claro que esperam que outros países logo se juntem ao bloco. Pequim criticou recentemente o ordenamento afirmando que a iniciativa beneficia apenas um grupo limitado de países.
“Cooperações econômicas inclusivas terão impacto positivo no longo prazo”, afirmou o ministro do Comércio da Indonésia, Muhammad Lufti. “Não desejamos ver o OEIP meramente como instrumento para conter outros países.”
O ordenamento terá como foco quatro objetivos principais: harmonizar esforços para garantir cadeias de fornecimento, expandir o uso de energia limpa, combater a corrupção e pavimentar o caminho para um comércio digital maior. Com o lançamento desta segunda-feira, negociações em cada uma dessas áreas logo se seguirão, lideradas por Raimondo ou Katherine Tai, a representante de comércio dos EUA.
Cada um dos 13 países participantes será autorizado a escolher em quais das quatro áreas perseguirá acordos, sem a obrigação de se comprometer em todas. Os parâmetros das negociações deverão ser estabelecidos até o fim de junho ou início de julho, e o governo americano espera alcançar os acordos num prazo de 12 a 18 meses, para depois submetê-los à aprovação de cada país.
As cicatrizes do TPP
Enquanto as autoridades se preparavam para a nova empreitada, ficou claro que as cicatrizes da TPP são profundas no governo Biden. Tai reconheceu sem rodeios no domingo que “o maior problema” com a TPP foi que, mesmo antes de Trump ser eleito, “não tínhamos o apoio doméstico para aprovar o acordo” no Congresso. “Há uma lição muito, muito profunda nisso, de que a TPP, como foi projetada, era no fim algo bastante frágil, e que os EUA não foram capazes de corresponder às expectativas; e isso orienta grande parte do nosso pensamento”, afirmou ela.
Tai afirmou que grupos de trabalhadores e de ambientalistas teriam “assentos proeminentes na mesa” no âmbito do novo ordenamento, mas não confirmou se os acordos que emergirem dessas negociações têm de ser aprovados pelo Congresso. “Vejamos onde nos levam essas negociações”, afirmou ela.
Mas outras autoridades do governo americano, falando sob condição de anonimato para discutir deliberações internas, afirmaram separadamente que se tarifas não estiverem sobre a mesa, seria muito provável que não fossem necessárias aprovações do Congresso.
Os tipos de acordo até agora projetados, alguns vinculantes outros não, seriam alcançados por meio de pactos executivos, afirmaram as autoridades. No entanto, uma delas acrescentou que o governo consultaria o Congresso de qualquer maneira, mesmo que sua aprovação não fosse necessária, na esperança de reconstruir confiança após a experiência da TPP e estabelecer um apoio bipartidário duradouro para qualquer acordo que seja alcançado.
Os países que compõem o novo ordenamento coincidem com os membros da TPP, mas não precisamente. Sete pertencerão a ambos os pactos, mas vários membros da TPP não firmaram o novo ordenamento. Para dois, Canadá e México, seria menos imperativo integrá-lo, pois eles já têm o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio com os EUA, que recentemente foi atualizado por Trump.
Raimondo afirmou que o novo ordenamento vai muito além da “antiga ladainha” dos pactos de livre comércio, mas que os parceiros na Ásia ainda querem os mesmo termos antigos. Países como Cingapura tentaram convencer os EUA a usar o ordenamento como um degrau para retornar à TPP, o que era rejeitado de antemão pela equipe de Biden.
Mas, em vez de simplesmente trazer os EUA de volta para a parceria, como Japão, Cingapura e outros países queriam que ele fizesse, Biden essencialmente também a abandonou, acatando a oposição a esse retorno dentro de seu próprio partido. Para satisfazer sua base progressista, o novo ordenamento, ao contrário da TPP e de outros pactos tradicionais de livre comércio, não reduzirá tarifas. Ainda assim, Kishida afirmou na segunda-feira que, “Consideramos desejável que os EUA retornem para a TPP.”
Mesmo esse ordenamento mais limitado requererá destreza das bases democratas. Grupos de defesa dos empregos nos EUA já estão céticos a respeito de qualquer compromisso maior, incluindo provisões digitais que poderiam ocasionar mais terceirizações de mão de obra em campos como a medicina e outros setores de serviços.
O lançamento do novo ordenamento ocorre durante dois dias de viagem atarefados para Biden, que se encontraria separadamente com cada um dos três líderes e participaria de uma cúpula que reuniria os quatro no contexto do Quad, um bloco de segurança formado anos atrás em razão da crescente ansiedade a respeito da presença militar da China na Ásia e em partes do Oceano Índico.
Temas econômicos, porém, estão claramente na fachada e no centro do pensamento de Biden em sua viagem por Coreia do Sul e Japão. Antes de voar para Tóquio, no domingo, Biden reuniu-se com Euisun Chung, o presidente-executivo do Hyundai Motor Group, para celebrar o plano da empresa de construir uma nova fábrica de carros elétricos e baterias em Savannah, Geórgia. Antes disso, ele anunciou a decisão da Samsung de construir uma nova fábrica nos EUA, durante uma visita a uma empresa similar de semicondutores.
Com os preços em elevação, os mercados de ações em baixa e os medos de recessão espalhando-se nos EUA, Biden está ávido para demostrar que tem como foco estabilizar a economia, especialmente com a aproximação das eleições de meio de mandato, que ocorrem daqui a cinco meses.
Durante outra coletiva de imprensa, apenas com Kishida, na segunda-feira, Biden disse que não considera a recessão algo inevitável.
“Isso significa que não temos problemas? Nós temos”, afirmou Biden, “Temos os mesmos problemas que os outros países do mundo. Mas menos significativos do que os de outros países por causa do nosso crescimento e de nossa força interna.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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