EUA deportam mais de 200 crianças, entre elas 30 brasileiras, para o Haiti

Mais de 210 das cerca de 4,3 mil pessoas deportadas pelos EUA entre os dias 19 e 27 de setembro são crianças filhas de pais haitianos, mas nascidas em outros países, segundo a ONU

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

PORTO PRÍNCIPE — O governo do presidente americano, Joe Biden, deportou para o Haiti ao menos 212 crianças, entre elas 30 crianças brasileiras filhas de pais haitianos, e 182 menores chilenos, em meio à crise migratória que levou cerca de 15  mil imigrantes, em sua grande maioria haitianos que moravam em outros países latino-americanos, para a fronteira dos Estados Unidos com o México. Os dados sobre os menores brasileiros foram publicados pela BBC News Brasil e confirmados pelo Estadão junto à Organização Internacional para as Migrações (OIM), vinculada à ONU.

PUBLICIDADE

De acordo com Giuseppe Loprete, chefe da missão da OIM em Porto Príncipe, no total, mais de 210 das cerca de 4,3 mil pessoas deportadas pelos EUA entre os dias 19 e 27 de setembro são crianças filhas de pais haitianos, mas nascidas em outros países — entre elas, há 182 menores chilenos e 30 brasileiros. Há também crianças venezuelanas e panamenhas. Os números podem aumentar nos próximos dias, já que as deportações continuam. 

Uma estimativa preliminar do Unicef aponta ainda que 40% dos migrantes haitianos em Del Rio, no Texas, são crianças. Elas estão vivendo em condições inadequadas e sem apoio humanitário básico.

Oficiais montados da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA tentam contermigrantes haitianos enquanto eles cruzam o Rio Grande, em Acunã. Foto: AP/Felix Marquez - arquivo

As crianças brasileiras têm, em sua maioria, até três anos de idade e estavam acompanhadas pelos pais haitianos, com quem fizeram a jornada para sair do Brasil e atravessar as Américas do Sul e Central até chegar à divisa entre México e EUA há pouco mais de uma semana.

Os menores nasceram em território do Brasil e são cidadãos brasileiros, como prevê a Constituição de 1988. Também são considerados cidadãos da ilha caribenha, apesar de não terem documentos para comprovar o vínculo. "Estamos monitorando a situação. Recebemos aqui três casos de haitianos declarando que os filhos são brasileiros e precisam do documento. Essas crianças chegaram aqui sem documentação e não constam nos registros da Polícia Federal, agora precisamos começar uma busca por documentação", disse ao Estadão o embaixador do Brasil no Haiti, Marcelo Baumbach.

Publicidade

Segundo Baumbach, nenhum brasileiro ou haitiano com filho brasileiro esteve na embaixada pedindo assistência para repatriar essas crianças. "Para a embaixada do Brasil, a proteção dos nacionais é prioridade". O embaixador acredita que a situação pode piorar no Haiti nas próximas semanas, já que as deportações dos EUA continuam.

O governo é legalmente obrigado a repatriar seus cidadãos que estejam em risco no exterior e sem recursos para retornar ao país. Não está claro, contudo, se os pais das crianças expressaram o desejo de retornar ao país.

Problemas com a documentação

“As crianças brasileiras não apresentavam qualquer problema maior, caso contrário, seriam encaminhadas para assistência específica. Eles podem obter documentos haitianos aqui, certidão de nascimento e carteira de identidade. As autoridades locais já informaram que irão facilitar isso. Mas enquanto eles estão fora do país, é difícil que consigam essa documentação”, explicou Loprete à  BBC News Brasil.

Na semana passada, a OIM solicitou que o governo brasileiro receba haitianos com filhos brasileiros, ou que tenham passado pelo Brasil antes de chegar à fronteira do México com os Estados Unidos. Procurado, o Itamaraty confirmou ter sido notificado pela organização, sem entrar em detalhes, e informou que o caso será analisado "à luz da legislação brasileira vigente". 

Publicidade

Desde que a crise estourou, cerca de 3,5 mil pessoas já foram postas em 31 voos de deportação, decisão que é motivo de críticas diante da crise política, social e econômica no Haiti, o país mais pobre do Hemisfério Ocidental. Em repúdio, o enviado especial dos EUA para o país, Daniel Foote, pediu demissão na quinta passada afirmando que não compactuaria com a política "desumana" e "contraprodutiva" da Casa Branca.

O imigrante haitiano Selomourd Menrrivil recebe em Monterrey, no México, informações de outros haitianos em Del Rio, no Texas Foto: Marcos Martinez Chacon/AP

Um país em crise

Porto Príncipe afirma não ter condições de receber os deportados, que chegam em um momento de profunda instabilidade após o até hoje não esclarecido assassinato do presidente Jovenel Moïse, no começo de julho, dentro de sua residência oficial. No mês seguinte, um novo terremoto deixou mais de 2,2 mil mortos e extensos danos estruturais.

Segundo moradores do Haiti, vários bairros foram dominados por gangues nas últimas semanas e muitos tiveram que abandonar suas casas. Com isso, o país, principalmente a capital, tem milhares de deslocados internos e pouca capacidade de receber os deportados. No aeroporto de Porto Príncipe, os haitianos que chegam dos EUA são deixados na pista e conseguem auxílio em razão da presença da equipe da OIM.

O fluxo de haitianos para o Brasil se intensificou após o terremoto de 2010, que deixou cerca de 200 mil mortos. Entre 2010 e 2018, os dados da Polícia Federal apontam que em torno de 130 mil haitianos vieram ao Brasil, onde se estabeleceram e formaram família.

Publicidade

Para atendê-los, o governo concedeu um visto humanitário especial e autorização para residência no Brasil — a acolhida, no entanto, deixa de vigorar se o imigrante deixar o país em caráter definitivo.

Nos últimos anos, porém, a recessão brasileira e a desvalorização do câmbio, que achatou a renda remetida pelos haitianos aos familiares no país de origem, levaram muitos a migrarem para o Chile ou outros países da região.

Washington, por sua vez, tem sido muito criticada por sua resposta à crise. Há relatos de pessoas algemadas em voos de deportação e de guardas fronteiriços americanos usando rédeas de cavalo para perseguir imigrantes —  violência que a Casa Branca prometeu investigar e que Biden chamou de "ultrajante". / AP, AFP, EFE e REUTERS, com Fernanda Simas e Thais Ferraz

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.