EUA e Ucrânia buscam nova estratégia após contraofensiva fracassada

Presidente Volodmir Zelenski chega a Washington em um momento crítico tanto no campo de batalha quanto no Capitólio

PUBLICIDADE

Por Julian E. Barnes, Eric Schmitt, David E. Sanger e Thomas Gibbons-Neff

The New York Times — Comandantes militares americanos e ucranianos estão em busca de uma nova estratégia que possam começar a colocar em prática no início do próximo ano para ressuscitar ganhos da Ucrânia e sinalizar apoio à guerra do país contra a Rússia, segundo autoridades de Washington e Kiev.

PUBLICIDADE

O impulso por uma nova abordagem ocorre após a contraofensiva ucraniana de meses fracassar em seu objetivo de retomar território perdido para o Exército russo invasor e após semanas de encontros com frequência tensos entre graduadas autoridades americanas e suas contrapartes ucranianas.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, chegou a Washington na segunda-feira para reuniões marcadas apressadamente esta semana com o presidente Joe Biden e o Congresso para discutir o caminho adiante. Os presidentes tentarão demonstrar solidariedade e fomentar o apoio à Ucrânia em um momento crítico tanto no campo de batalha quanto no Capitólio.

A 22ª Brigada Mecanizada se prepara para disparar contra as posições russas perto de Bakhmut a partir de uma posição perto de Chasiv Yar, a cerca de nove quilômetros de distância, no leste da Ucrânia, em 16 de novembro de 2023.  Foto: Tyler Hicks / NYT

Os reveses da Ucrânia ocorrem ao mesmo tempo que o apoio republicano à continuidade da assistência financeira a Kiev erodiu. Até algumas autoridades experientes expressaram preocupações de que, se a guerra estagnar em um longo impasse no próximo ano, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ganhará vantagem.

“Nós não podemos deixar Putin vencer”, disse Biden na semana passada ao pressionar o Congresso por uma nova rodada de financiamento para a Ucrânia. “Isso atende imensamente ao nosso interesse nacional e aos interesses internacionais de todos os nossos amigos. Qualquer perturbação na nossa capacidade de abastecer a Ucrânia claramente fortalece a posição de Putin.”

Publicidade

As Forças Armadas russas, depois de sua tentativa fracassada de tomar Kiev, em 2022, começaram a reverter sua sorte e estão reconstruindo seu poderio. Moscou tem agora mais soldados, munições e mísseis — e incrementou sua vantagem em poder de fogo com uma frota de drones de combate, muitos deles fornecidos pelo Irã, de acordo com autoridades americanas.

Os EUA estão intensificando o aconselhamento militar face a face que prestam à Ucrânia, despachando para Kiev um general de três estrelas para passar um tempo considerável em campo. Oficiais militares americanos e ucranianos afirmam que esperam definir os detalhes de uma nova estratégia no próximo mês, em uma série de jogos de guerra marcados para ocorrer em Wiesbaden, na Alemanha.

Os americanos estão pressionando por uma estratégia conservadora com foco em manter o território que a Ucrânia possui, fortalecendo defesas, linhas de abastecimento e forças ao longo do ano. Os ucranianos querem continuar atacando, seja em ofensivas terrestres ou com ataques de longo alcance, na esperança de ganhar a atenção do mundo.

Muito está em jogo. Sem uma estratégia nova e um financiamento adicional, autoridades americanas dizem que a Ucrânia poderia perder a guerra. Autoridades do governo argumentam que Putin está apostando em um apoio diminuído dos EUA, apontando para suas recentes declarações afirmando que, se a Ucrânia ficar sem munições fornecidas pela Otan, a Rússia venceria em dias.

Os EUA deram uma vasta ajuda militar e econômica para a Ucrânia, mais de US$ 111 bilhões ao longo dos dois anos recentes. Mas um número significativo de republicanos passou a dizer que se opõe a mais gastos, e outros estão exigindo ver uma nova estratégia antes de aprovar qualquer novo repasse de recursos.

Publicidade

Muitos líderes ucranianos não percebem a dimensão da precariedade da manutenção do financiamento dos EUA à guerra, afirmaram autoridades americanas. Esses generais e graduadas autoridades civis da Ucrânia têm expectativas irrealistas a respeito do que os EUA fornecerão, afirmaram as fontes. Os ucranianos estão pedindo milhões de projéteis de artilharia, por exemplo, de estoques ocidentais que não existem. Autoridades americanas afirmam que a Ucrânia terá de lutar com um orçamento mais apertado.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, participa da reunião do Grupo de Contato de Defesa da Ucrânia antes de um Conselho de Ministros de Defesa da OTAN de dois dias na sede da aliança em Bruxelas, Bélgica, em 11 de outubro de 2023. Foto: OLIVIER MATTHYS / EFE

PUBLICIDADE

Alguns nas Forças Armadas dos EUA querem que a Ucrânia persiga uma estratégia de “manter e construir” — com foco em manter o território que controla e construir sua capacidade de fabricar armas em 2024. Washington acredita que essa estratégia incrementará a autossuficiência de Kiev e garantirá que os ucranianos permaneçam capazes de repelir qualquer nova ofensiva da Rússia.

O objetivo seria criar uma ameaça crível o suficiente para a Rússia poder considerar envolver-se em negociações significativas no fim do próximo ano ou em 2025.

Ao mesmo tempo, autoridades ucranianas estão examinando estratégias fundamentadas em seus bem-sucedidos ataques profundos na Crimeia no outono (Hemisfério Norte) passado. Os ucranianos estão buscando maneiras criativas de manter a Rússia instável com ataques contra fábricas e depósitos de armas e linhas de trem que transportam munições para marcar vitórias simbólicas. Uma ex-autoridade militar graduada da Ucrânia recusou-se a discutir as propostas, mas afirmou que o novo plano está sendo afinado e é “muito ousado”.

Autoridades americanas afirmam que sem uma mudança na estratégia 2024 poderia ser semelhante a 1916, o ano mais mortífero da 1.ª Guerra, quando milhares de homens jovens perderam as vidas e as linhas de batalha mudaram muito pouco.

Publicidade

Os hospitais ucranianos já estão repletos de soldados feridos. Ambulâncias circularam incessantemente entre o front e as unidades de saúde ao longo da contraofensiva deste ano. A Ucrânia não revelou números oficiais de mortos em sua guerra, mas as baixas, reconhecem as autoridades, têm sido pesadas.

Em 2023, a contraofensiva foi construída em torno de reformular o Exército ucraniano à imagem do americano. Foi, afirmam críticos, a mesma abordagem que os EUA tentaram em grande medida sem sucesso no Vietnã, no Iraque e no Afeganistão.

Mas há alguns sinais de concessões mútuas. Autoridades americanas experientes afirmaram que estão abertas a algumas das novas ideias da Ucrânia. Autoridades americanas disseram que os ataques profundos da Ucrânia na Crimeia este outono provaram-se letais para a Rússia e foram um ponto brilhante da contraofensiva, que, não fosse isso, teria sido totalmente decepcionante. Estrategistas americanos acreditam que os ucranianos podem construir sobre esse sucesso no próximo ano, mesmo que grande parte de sua energia seja dedicada à reconstrução de suas forças.

O general Christopher Cavoli, chefe do Comando Europeu dos EUA, tem assumido um papel maior na coordenação com as autoridades ucranianas.

Ucranianos que acabaram de cruzar a fronteira com a Rússia entram em ônibus em Sumy, Ucrânia, em 6 de novembro de 2023.  Foto: Tyler Hicks / NYT

O Pentágono também decidiu enviar o tenente-general Antonio Aguto Jr, que comanda o apoio à Ucrânia de uma base na Alemanha, para longas estadias em Kiev. O general Aguto trabalhará mais diretamente com o comando militar ucraniano para melhorar o aconselhamento que os EUA estão oferecendo, afirmaram autoridades americanas. Ainda que a Casa Branca tenha optado por não manter conselheiros militares americanos na Ucrânia permanentemente, as frequentes passagens do general Aguto por Kiev poderiam evoluir para o fim dessa restrição.

Publicidade

A batalha de Robotine sintetiza as esperanças perdidas da contraofensiva ucraniana.

Forças mecanizadas treinadas pelos EUA aproximaram-se do pequeno vilarejo em agosto, depois de meses lutando para superar poucos quilômetros até suas imediações. No fim do mês, as forças ucranianas afirmaram ter retomado a localidade, a cerca de 80 quilômetros da costa sul da Ucrânia.

Autoridades americanas e ucranianas afirmaram que a vitória foi pequena mas significativa, um passo no sentido de cortar as linhas russas e pressionar na direção do Mar Negro opara cortar rotas de abastecimento do Kremlin.

Em Washington, autoridades americanas afirmaram que os ucranianos quase conseguiram romper a primeira camada das defesas russas e pressionariam com um ataque destinado a testar a força das camadas defensivas seguintes.

Mas as defesas da Rússia provaram-se muito mais fortes do que os EUA tinham calculado. E em vez de uma vitória, Robotine transformou-se em um caminho árduo e sangrento.

Publicidade

A 47.ª Brigada, um dos nove batalhões treinados pelos EUA, sofreu baixas enormes: milhares de soldados mortos ou feridos. Seus veículos de combate Bradley e os blindados de transporte de tropas Stryker e tanques alemães Leopard de outras unidades foram destruídos. Vídeos postados em redes sociais mostraram destroços em chamas e as baixas acumulando-se entre os ucranianos.

A cidade ficou em ruínas: imagens de satélite registradas no verão mostram uma paisagem de crateras lunares.

O presidente Volodimir Zelenski da Ucrânia e o presidente Joe Biden apertam as mãos enquanto se encontram no Salão Oval da Casa Branca em Washington, terça-feira, 12 de dezembro de 2023.  Foto: Doug Mills / NYT

Conforme o inverno se aproxima, forças ucranianas ainda estão estacionadas nas proximidades de Robotine, com pouca esperança de ser capazes de romper a linha seguinte de defesa russa proximamente.

Os EUA e seus aliados gastaram milhões para mandar tanques e outros veículos blindados para a Ucrânia e treinar unidades recém-formadas em táticas militares avançadas. Mas apesar do impulso da Ucrânia ao longo do verão e da primavera, as forças russas em grande medida mantiveram os cerca de 20% de território ucraniano que ocupam.

Por três meses, militares dos EUA e de países aliados treinaram as nove brigadas, compostas por 36 mil soldados ucranianos, em manobras básicas da arte da guerra. A teoria, desenvolvida por estrategistas americanos, foi que somente uma força pesada seria capaz de romper linhas russas reforçadas e retomar a costa sudeste da Ucrânia.

Publicidade

Mas enquanto os EUA ensinavam a Ucrânia a usar os armamentos, os russos entrincheiraram-se e prepararam-se para os combates iminentes.

Estrategistas americanos e ucranianos não perceberam inicialmente a dimensão do fortalecimento das defesas russas. As tropas treinadas na Alemanha praticaram romper defesas muito menos potentes do que acabaram encontrando.

As defesas profundas da Rússia incluíram os campos minados mais formidáveis vistos desde a Guerra da Coreia, uma tecnologia antiga que diminuiu o ritmo de avanço do Exército ucraniano e finalmente o impediu. Mas o uso dos russos de uma variedade de drones, incluindo drones comerciais de fabricação chinesa, também mudou fundamentalmente a natureza da guerra de manobra mecanizada.

No passado, rompimentos de linhas inimigas podiam ser explorados, permitindo o avanço de forças para ganhar vantagem antes que o inimigo pudesse responder. Agora, com o campo de batalha sob observação quase constante, é difícil para qualquer lado capitalizar sem ser detectado e impedido por artilharia ou contra-ataque.

Drones russos conseguiram cortar as comunicações entre tropas ucranianas na linha de frente e seu posto de comando. Outros drones foram usados para localizar equipes ucranianas de neutralização de minas, permitindo à Rússia lançar helicópteros de ataque para impedi-las.

Publicidade

Algumas das milhares de bandeiras ucranianas que simbolizam cada soldado ucraniano morto no conflito com a Rússia em um jardim próximo à Praça Maidan em Kiev, Ucrânia, em 21 de novembro de 2023.  Foto: Mauricio Lima / NYT

Discórdias acentuadas entre o comando militar ucraniano e generais americanos sobre como e onde empregar as novas forças mecanizadas colaboram para os problemas da Ucrânia. Autoridades ucranianas, incluindo Zelenski, concluíram que o leste do país era o teatro mais importante da guerra, pois as forças russas direcionaram seus esforços para a região. Washington considerou o leste ucraniano, incluindo a região do Donbas, estrategicamente menos importante que a costa sul ocupada.

Os americanos queriam que os ucranianos colocassem foco no sul para romper ou ameaçar o controle de Moscou sobre a faixa de território ucraniano entre a Crimeia e a fronteira russa. O comando militar ucraniano acreditou que essas defesas eram firmes demais para romper e que pressionar através dos campos minados ocasionaria baixas imensas.

Como resultado, a Ucrânia manteve suas forças divididas entre o leste e o sul, recusando-se a comprometer-se com uma via principal de ataque. E em vez de uma avanço decisivo, um impasse excruciante se desenvolveu.

Comandantes militares ucranianos afirmaram acreditar que as expectativas americanas eram irrealistas, especialmente diante do fato de que não possuíam nenhum poder de fogo aéreo para proteger suas unidades terrestres.

“Muitas razões explicam o fracasso da contraofensiva, mas a crítica ucraniana carrega alguma verdade”, afirmou o acadêmico Eric Ciaramella, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. “Houve um tipo de inflação na expectativa coletiva.”

Publicidade

A campanha de 2023 não foi um fracasso completo. Autoridades citam os ataques bem-sucedidos e destruidores contra a Frota Russa no Mar Negro e postos do comando militar russo na Crimeia. Tratou-se, afirmaram autoridades, de uma grande vitória naval para um país sem Marinha.

Mísseis britânicos Storm Shadow, de médio alcance, danificaram significativamente alvos na Crimeia. Em 22 de setembro, uma saraivada de mísseis Storm Shadow atingiu o quartel-general da Frota Russa no Mar Negro em Sevastopol. Dias depois, a Rússia retirou parte de sua frota da Crimeia.

Essas operações permitiram à Ucrânia exportar grãos a partir de Odessa e manter algumas linhas de navegação abertas, uma vitória crítica, mas alteraram pouco o curso geral da guerra e não permitiram à Ucrânia retomar território.

Um tanque russo destruído perto do vilarejo de Sulyhivka, na Ucrânia, em 5 de novembro de 2023.  Foto: Emile Ducke / NYT

Na base do Exército dos EUA em Wiesbaden, na Alemanha, experientes comandantes militares americanos, incluindo os generais Cavoli e Aguto, reuniram-se com duas graduadas autoridades ucranianas na semana passada para discutir as linhas da estratégia do próximo ano.

As autoridades americanas e ucranianas não revelaram detalhes das conversas nem do novo plano. Mas seja qual for o acordo final, mudar a dinâmica é um fator crítico. Quanto maior o tempo que a guerra for percebida como um impasse, mais difícil será garantir financiamento adicional dos EUA, afirmam analistas.

“Eu não acho exagero enfatizar como a ajuda dos EUA é importante”, afirmou a acadêmica Andrea Kendall-Taylor, do Centro para uma Nova Segurança Americana. “Se a ajuda não continuar, esta guerra assumirá uma natureza radicalmente diferente.”

Autoridades americanas afirmam que a Ucrânia não precisa retomar inteiramente os cerca de 20% de território que perdeu para vencer a guerra.

Marcar algumas vitórias estratégicas e simbólicas ao mesmo tempo que reforça suas defesas e constrói suas próprias capacidades de produzir mais armamentos poderia ser suficiente para fortalecer a posição da Ucrânia quando chamados por negociações de paz para pôr fim à guerra inevitavelmente recomeçarem.

Autoridades americanas estão tentando preparar os ucranianos para o próximo ano dizendo-lhes que qualquer ajuda que o Congresso aprovar dificilmente será equivalente ao financiamento que Washington forneceu nos primeiros dois anos da guerra.

“Eles têm de lutar inteligentemente e eficazmente”, afirmou Michael Kofman, pesquisador sênior do programa para Rússia e Eurásia do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, que visitou a Ucrânia recentemente. “Se a Ucrânia e o Ocidente fizerem os investimentos certos na busca de uma estratégia de longo prazo, a Ucrânia poderá reassumir a vantagem.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.