WASHINGTON - Os Estados Unidos pediram na última quinta-feira, 18, para que a Argentina mantenha os esforços para proteger as pessoas mais vulneráveis durante o que o governo americano disse ser um difícil processo de estabilização da economia do país. Desde que assumiu a presidência, o presidente Javier Milei vem conduzindo uma política de forte ajuste fiscal que pela primeira vez em décadas trouxe superávit às contas públicas, mas também jogou o país em uma pobreza projetada para mais de 57% nos primeiros meses.
A declaração foi feita pelo subsecretário de Assuntos Internacionais do Departamento de Tesouro dos EUA, Jay Shambaugh, ao ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, em uma reunião paralela aos encontros que estão sendo realizadas nesta semana em Washington pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM).
De acordo com um comunicado do Departamento do Tesouro, Shambaugh comentou sobre “o impressionante progresso feito [na Argentina] para reduzir a inflação e o acúmulo de moeda estrangeira”. O comentário do funcionário ocorre em um momento em que a Argentina se prepara para uma nova rodada de conversações com o FMI para revisão do seu acordo de empréstimo.
O fundo já havia feito comentários semelhantes a Milei, alertando para cuidar da parte social de seus ajustes fiscais que tem provocado uma enorme recessão. Na terça-feira, 16, o FMI confirmou que a economia argentina sofrerá uma retração de 2,8% em 2024 devido às políticas do libertário. Milei, porém, tem metas ainda mais ambiciosas, de retrair o PIB argentino em quase 5%.
O fundo também estimou que a inflação terminará este ano em 149,4%, índice que hoje se encontra em 287,9%. A Argentina registrou uma inflação de 211,4% no ano passado, a taxa mais alta do mundo e a mais alta no país sul-americano desde a hiperinflação de 1989-1990, mas o FMI espera que ela caia para 45% em 2025.
Mais dinheiro
Caputo também se reuniu na quinta-feira com a número dois do FMI, Gita Gopinath, para discutir a situação do programa de refinanciamento da dívida do fundo com a Argentina.
A Argentina e o FMI estão prestes a iniciar a oitava revisão do acordo que, de acordo com o cronograma de desembolsos estabelecido durante o governo de Alberto Fernández, envolveria a liberação de US$ 800 milhões ao país.
Fernández assinou um acordo com o FMI em março de 2022 para refinanciar a dívida contraída em 2018 durante o mandato de seu antecessor, Mauricio Macri, por cerca de 45 bilhões de dólares que incluía dez revisões trimestrais. Em 1º de fevereiro, o conselho do FMI aprovou a extensão do acordo com a Argentina até 31 de dezembro de 2024 e a recalibração dos desembolsos no âmbito do programa atual. Em janeiro, foi acordada a sétima revisão, que permitiu o desembolso de US$ 4,7 bilhões, o primeiro sob o mandato do presidente Javier Milei.
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Agora, Caputo viaja em busca de mais dinheiro, dos US$ 15 bilhões que Milei diz precisar para eliminar os controles cambiais. O FMI, porém, não deu sinais de que vai liberar o dinheiro em breve.
“Quanto mais rápido conseguirmos isso, mais rápido suspenderemos o controle cambial”, disse Milei à Radio Mitre há alguns dias, se referindo a um controle de câmbio em vigor desde 2019, que limita o acesso a dólares em um país com inflação historicamente alta, no qual a moeda americana serve como um porto seguro para a poupança.
Embora o FMI tenha reconhecido que a inflação argentina está “caindo mais rápido do que o esperado”, a instituição disse que muito mais precisa ser feito para alcançar o equilíbrio fiscal antes de se discutir a liberação de mais dinheiro.
“Isso levará algum tempo e exigirá a implementação de uma política de classe estatal, mas muito mais precisa ser feito e em uma escala mais ampla”, afirmou em entrevista coletiva o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas.
“As autoridades estão implementando um plano muito ambicioso para restaurar a estabilidade macroeconômica, que se concentra em um forte ajuste fiscal que elimina particularmente o financiamento do governo pelo banco central, um dos fatores que levaram a números muito altos de inflação nos anos anteriores”, explicou Gourinchas.
“Isso já está mostrando seus efeitos: vemos essa queda acentuada na inflação e o progresso até agora tem sido realmente impressionante. As autoridades conseguiram registrar um superávit fiscal pela primeira vez em mais de uma década”, disse o economista.
Intervenção nos planos de saúde
O forte ajuste econômico de Milei, que veio acompanhado de uma disparada nos preços dos alimentos e remédios, congelamento de salários e demissões de funcionários públicos, tem despertado insatisfação em parte da população, que chama por greves gerais e manifestações com frequência. O libertário, no entanto, tem conseguido manter uma popularidade em torno de 50% com pedidos constantes por paciência por parte dos argentinos.
Esta semana, porém, o governo deu marcha atrás em um dos planos de liberalização de preços ao intervir nos planos de saúde (chamados de prepagas) por suspeita de cartel.
Logo após a sua posse, em dezembro, Milei emitiu um Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) para desregulamentar a economia, o que permitiu que os preços ao consumidor disparassem. Os preços dos planos de saúde privados aumentaram em média 151% desde dezembro para compensar o atraso causado pelo congelamento do governo peronista de Fernández, o que deixou um sistema de saúde com sérias dificuldades econômicas.
O aumento dos planos de saúde afeta uma parte relevante da população, cerca de 13%, principalmente de classe média e alta. Devido aos aumentos de preços, entre 3% e 8% dos clientes cancelaram seus planos, outros mudaram de empresa ou reduziram o nível da cobertura.
O governo, que proclama a liberdade de mercado, decidiu se envolver no setor.
“Estamos discutindo na Argentina a mudança de regime econômico e no capitalismo moderno, a lei de defesa da concorrência é cumprida, mas é ilegal que eventualmente quatro ou cinco empresários se reúnam e coordenem algum tipo de política comercial em detrimento dos consumidores”, disse o secretário de Indústria e Comércio, Pablo Lavigne, à rádio Rivadavia na quinta-feira.
Lavigne explicou que, no setor médico privado, a concorrência reage tardiamente e que há um segmento da população, como os idosos ou aqueles com doenças preexistentes, para os quais não é fácil mudar de empresa.
Para o setor privado, a solução foi reduzir o número de benefícios no chamado programa médico obrigatório (PMO), em vez de regular os preços. O setor acredita que a decisão do governo de interferir nos preços tem a ver com a necessidade de distrair a população dos aumentos nos serviços públicos de energia, que foram liberalizados a partir deste mês, em um contexto de queda da atividade e perda do poder de compra dos salários e pensões.
A Comissão Nacional de Defesa da Concorrência (CNDC) determinou, de forma preliminar, que há evidências sólidas de um conluio entre empresas de planos de saúde, cujos efeitos imediatos foram o aumento quase uniforme dos preços.
Com base na decisão, a Secretaria de Indústria e Comércio adotou uma medida cautelar que obriga esse grupo de empresas a reajustar, a partir do próximo faturamento, os valores de seus planos a partir de dezembro de 2023, corrigidos pelo índice de preços ao consumidor (IPC).
A medida cautelar - que tem vigência de seis meses - exige que os prêmios dos planos de saúde não aumentem acima do IPC, que as empresas cessem qualquer troca de informações comerciais e que apresentem informações mensais à Comissão.
Como resultado dessa investigação - iniciada como resultado de uma reclamação de cartelização apresentada em janeiro por deputados do partido de oposição Coalizão Cívica - as mensalidades de maio deverão ser reduzidas em 33% em relação às de abril.
Além disso, a Superintendência de Serviços de Saúde (SSS) entrou com uma medida liminar alegando “abuso de preço” para reverter os aumentos das mensalidades acima da inflação nos últimos quatro meses.
A ação é relacionada a 18 empresas que cobrem quase 90% dos beneficiários cobertos pelo sistema privado. Os advogados do setor de planos de saúde privados considera que a decisão de retroagir os preços a dezembro é “impossível de ser cumprida” sem ajustar os honorários dos prestadores e diminuir a qualidade./AFP e EFE
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