EUA expandem presença militar perto de Taiwan para conter a China e lançam manobra de guerra inédita

Exercícios ocorrem apenas um dia depois de a China realizar manobras militares no Estreito de Taiwan em retaliação à visita da presidente Tsai Ing-wen aos Estados Unidos

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Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

As Forças Armadas dos Estados Unidos começam nesta terça-feira, 11, nas Filipinas, as maiores manobras de guerra da história da região do Indo-Pacífico. O ensaio naval reunirá mais de 17 mil soldados, observadores militares do Japão e Austrália e envolverá a simulação de defesa da Ilhas Spratly, um arquipelago ao sul de Taiwan reivindicado pelas Filipinas e controlado pela China. Os exercícios ocorrem apenas um dia depois de a China realizar manobras militares no estreito de Taiwan em retaliação à visita da presidente Tsai Ing-wen aos Estados Unidos na semana passada.

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A manobra também faz parte de um plano do Pentágono de ampliar a presença militar americana na região para conter a China, lançado em 2022. Desde então, os EUA instalaram quatro novas bases militares no Pacífico, intensificaram treinamentos, criaram novas alianças e convenceram países da região a aumentarem seus gastos de defesa. Em paralelo, os americanos tem ampliado o apoio a Taiwan, que tem apostado em drones militares para resistir ao acosso chinês.

A razão para essa reação militar americana é que desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, Pequim tem adotado uma retórica cada vez mais agressiva em relação a Taiwan. Em uma reunião com militares no mês passado, Xi Jinping prometeu modernizar sua máquina de guerra, que tem tido nos últimos anos um investimento cada vez maior. A diplomacia mais agressiva dos chineses tem sido uma marca do atual mandato de Xi.

Aliança pós-Duterte

Um exercício militar com o tamanho atual é resultado de uma reaproximação dos governos dos EUA e da Filipinas, com a chegada de Ferdinand Marcos Jr, filho do ditador Ferdinand Marcos, ao poder no ano passado, sucedendo Rodrigo Duterte, visto como simpático a Pequim.

Em fevereiro, Marcos garantiu ao governo de Joe Biden quatro novas áreas militares do país aos EUA, que há seis anos estavam sem tropas no Mar do Sul da China. Os novos laços atendem o interesse das duas nações: do lado americano, aumentar a defesa de Taiwan; do lado filipino, ter uma força aliada numa área em que o país disputa com a China.

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General Xavier Brunson, comandante do corpo de Fuzileiros Navais dos EUA na Ásia, fala em abertura da cerimônia de exercícios militares nas Filipinas  Foto: Lisa Marie David/Reuters

O compromisso americano em defender Taiwan tem objetivos geopolíticos bem claros. Aliada dos americanos desde que se separou da China continental em 1949, ano em que Mao Tsé-tung criou a República Popular da China ao ascender ao poder com a Revolução Chinesa, a ilha oferece uma forte posição militar e econômica para os EUA e seus aliados na região.

Nesse sentido, o papel de Taipé como líder na produção de semicondutores – um item essencial para a construção de celulares, carros, computadores e equipamentos militares, como mísseis e drones – amplifica a importância para a Casa Branca.

Taiwan está localizada entre Japão e Filipinas, dois aliados dos EUA. Se Pequim toma a ilha para si, se torna muito mais difícil para os americanos garantirem as defesas de seus dois aliados

David Sacks, analista do Council on Foreign Relations

O resultado de uma reanexação de Taiwan pela China seria um reordenamento na influência da região. Com ela, os EUA teriam mais dificuldades de garantir proteção para seus aliados desde a 2.ª Guerra e haveria um afastamento desses países para não provocar tensões com a China. “Se os EUA falham em defender Taiwan, os aliados na região questionariam se poderiam confiar em nós para defendê-los e se acomodariam com a China”, disse o analista do Council on Foreign Relations, David Sacks.

Para os EUA, esse cenário diminuiria sua influência global e daria a Pequim o poder de mandar nas regras do jogo do Pacífico. No campo econômico, isso envolveria perdas para os americanos no comércio marítimo e a primazia sobre os semicondutores de Taiwan.

Uma nova estratégia militar e diplomática

Como resposta a esse risco, o governo de Joe Biden estabeleceu uma nova estratégia para o Indo-Pacífico. O objetivo é fortalecer a rede de alianças e parcerias de segurança, aumentando exercícios militares conjuntos e programas de capacitação para segurança marítima e segurança cibernética, segundo o documento de estratégia americana para a região divulgado no ano passado.

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O orçamento de defesa do Pentágono para a região neste ano é de de US$ 9,1 bilhões (equivalente a R$ 46 bilhões). Para o ano que vem, o secretário de defesa dos EUA, Lloyd Austin, planeja um aumento de 40% neste orçamento, chegando a US$ 12,4 bilhões (R$ 62 bilhões). “No Pacífico, o Departamento está investindo em uma força mais resiliente e incrementando o tamanho e a complexidade dos exercícios com outras nações”, disse o secretário no dia 28 de fevereiro, durante uma audiência no Congresso.

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A reaproximação com as Filipinas, que aumentaram as bases americanas de cinco para nove no Mar do Sul da China, é um dos primeiros passos da nova estratégia dos EUA no Indo-Pacífico, que visa melhorar posições militares e uma maior presença diplomática. Uma das novas bases está localizada na Baía de Subic, garantindo aos americanos uma posição militar que dá acesso tanto ao Mar do Sul da China quanto ao Canal de Bashi, que separa Taiwan e as Filipinas.

Os americanos também melhoraram as posições militares no Japão, com um acordo para melhorar as defesas navais na ilha de Okinawa, ao norte de Taiwan, necessárias no caso de uma incursão chinesa na ilha. Os laços de defesa com os japoneses também foi melhorado no tratado de segurança que existe há décadas entre os dois países, com um acréscimo que estabelece que ataques dentro do espaço da aliança pode desencadear defesa mútua.

Com a Coreia do Sul, os EUA planejam aumentar os ativos militares na Península Coreana, incluindo novos caças e porta-aviões para impulsionar treinamento e planejamento conjunto. Também há a nova aliança militar dos EUA com Austrália e no Reino Unido criada no ano passado, que garantiu a venda de submarinos movidos a energia nuclear aos australianos em março.

Na frente diplomática, que também faz parte da nova estratégica americana para o Indo-Pacífico, a abertura de uma embaixada americana nas Ilhas Salomão em fevereiro, depois da última ter sido fechada há 30 anos, é o maior exemplo do esforço dos EUA para combater a crescente influência da China. O país reconheceu o governo de Pequim em 2019, após anos de laços diplomáticos com Taipei, e assinou um pacto de segurança com os chineses no ano passado, o que aumentou o temor de um acúmulo militar de Pequim na região.

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O governo Biden também anunciou no fim de março a reabertura diplomática em Vanuatu, no Pacífico Sul, com os mesmos objetivos. “Consistente com a estratégia dos EUA para o Indo-Pacífico, uma presença diplomática permanente em Vanuatu permitiria que o governo dos EUA aprofundasse as relações com as autoridades e a sociedade de Vanuatu”, diz o comunicado do Departamento de Estado dos EUA que informa a reabertura.

EUA temem projeção chinesa no Pacífico

Desde a 2.ª Guerra, o Indo-Pacífico é visto como crucial para a segurança dos Estados Unidos. O país mantem alianças na região desde então, mas voltou a ser vista com mais atenção somente com a influência crescente da China no atual século. O próprio governo americano afirma, no documento da nova estratégia para o Indo-Pacífico, que a atenção dada à região no momento é a maior dos últimos 50 anos.

A China passou a ter a maior Marinha do mundo em 2014, ultrapassando os EUA, e conquistou uma maior capacidade de navegação, o que acabou por minar as alianças americanas e desafiou o domínio americano na região. Segundo o professor associado da Universidade de Havard e analista político, Robert Ross, esse redesenho acabou por afastar os países dos EUA e a desmontar o sistema de aliança americano. “Se você coopera mais com a China, então você coopera menos com os EUA. Esse é o objetivo da China”, disse Ross.

“Não acho nada disso beligerante. Acho que é o comportamento esperado do poder que surge diante de outro grande poder, que o cerca desde o início da sua existência, em 1949 (ano de criação da República Popular da China). Não apenas isso, mas as três guerras travadas ao longo deste tempo foram nas suas fronteiras com participação americana. E, claro, da perspectiva chinesa, os EUA continuam a ajudar Taiwan a se separar do continente”, acrescentou.

A expansão acabou por tornar a relação dos países asiáticos historicamente aliados dos americanos (Coreia do Sul, Japão e Filipinas) mais equidistante nos últimos para escapar das tensões entre as duas superpotências, até a atual reaproximação. Para os EUA, a equidistância temporária desses países significou perda de poder e de segurança, disse Ross. “O sistema de alianças foi a pedra angular da segurança americana no Leste da Ásia desde a 2ª Guerra. Assim, os Estados Unidos resistem (ao aumento de influência da China); por outro lado, para a China, desafiar os EUA é essencial porque as bases americanas ao redor da China estão na Coréia do Sul, passando pelas Filipinas e Cingapura”, afirmou.

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