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EUA fornecem detectores de radiação à Ucrânia para caso de ataque nuclear russo

Administração Nacional de Segurança Nuclear federal está configurando uma rede que verifica identidade de invasor

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Por William J. Broad

Os Estados Unidos estão conectando a Ucrânia com sensores que podem detectar explosões de radiação de uma arma nuclear ou bomba suja e confirmar a identidade de quem promoveu o ataque. Em parte, o objetivo é garantir que, se a Rússia detonar uma arma radioativa em solo ucraniano, sua assinatura atômica e a culpabilidade de Moscou possam ser verificadas.

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Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia há 14 meses, os especialistas se preocupam com a possibilidade de o presidente russo, Vladimir Putin, usar armas nucleares em combate pela primeira vez desde os bombardeios americanos de Hiroshima e Nagasaki em 1945.

Esses preparativos, mencionados no mês passado em uma audiência na Câmara e detalhada na quarta-feira pela Administração Nacional de Segurança Nuclear, uma agência federal que faz parte do Departamento de Energia, parecem constituir a evidência mais forte até o momento de que Washington está tomando medidas concretas para se preparar para os piores resultados possíveis da invasão da Ucrânia, a segunda maior nação da Europa.

Um soldado com uma bandeira russa em seu uniforme guarda a Usina Nuclear de Zaporizhia  Foto: Alexander Ermochenko/Reuters - 4/8/2022

A Equipe de Apoio a Emergências Nucleares, ou Nest, uma unidade obscura de especialistas atômicos dirigida pela agência de segurança, está trabalhando com a Ucrânia para implantar os sensores de radiação, treinar pessoal, monitorar dados e alertar sobre radiação mortal.

Em comunicado enviado ao New York Times em resposta à pergunta de um repórter, a agência disse que a rede de sensores atômicos estava sendo implantada “em toda a região” e teria a capacidade “de caracterizar o tamanho, localização e efeitos de qualquer explosão nuclear”. Além disso, afirma que os sensores implantados negariam à Rússia “qualquer oportunidade de usar armas nucleares na Ucrânia sem atribuição”.

Em um cenário, Washington poderia usar as informações coletadas pela rede para descartar a possibilidade de identificar erroneamente quem foi responsável pela explosão nuclear. Isso pode parecer um passo desnecessário, dada a distinção de uma nuvem em forma de cogumelo. Mas se uma arma foi entregue por um caminhão, tanque ou barco em vez de um míssil visível com uma trajetória de voo rastreável, descobrir suas origens pode ser quase impossível.

O conhecimento público desse planejamento defensivo, dizem os especialistas nucleares, pode dissuadir Moscou, ao mostrar que Washington pode expor o que é chamado de “operação de bandeira falsa”.

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Guerra mais profunda

Por exemplo, Moscou poderia alegar falsamente que Kiev detonou uma explosão nuclear no campo de batalha para tentar atrair o Ocidente para uma guerra mais profunda. Mas, em teoria, com a rede de sensores instalada, Washington seria capaz de apontar para suas próprias análises de atribuição nuclear para revelar que Moscou era, de fato, o autor do ataque.

No fim do ano passado, a Rússia, sem oferecer nenhuma evidência, afirmou repetidamente que a Ucrânia planejava explodir uma bomba projetada para espalhar material radioativo, a chamada bomba suja. Washington alertou que o Kremlin estava tentando criar um pretexto de bandeira falsa para escalar a guerra.

A ciência da atribuição nuclear passou por um rápido desenvolvimento nos EUA depois que os ataques terroristas de setembro de 2001 levantaram a questão do terrorismo nuclear doméstico. Embora a ciência tenha aspectos secretos, seus contornos são conhecidos publicamente.

Agora, essa capacidade recém-adquirida está sendo usada em solo estrangeiro no contexto de uma potencial guerra nuclear ou de um ataque russo aos 15 reatores nucleares da Ucrânia em quatro locais de geração de energia.

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“Se uma emergência nuclear ocorresse na Ucrânia, seja uma liberação de radiação de um reator nuclear ou uma detonação de arma nuclear”, disse a agência de segurança em seu comunicado, “análises científicas seriam rapidamente fornecidas às autoridades do governo dos EUA e aos centros de tomada de decisão na Ucrânia e na região para decisões acionáveis e tecnicamente informadas para proteger a saúde e a segurança pública”.

Especialistas nucleares dizem que tais precauções defensivas podem enfrentar seu maior teste nas próximas semanas, quando o Exército ucraniano lançar sua ofensiva de primavera (Hemisfério Norte).

Putin não invocou recentemente uma ameaça nuclear. Mas especialistas ocidentais temem que os fracassos russos do campo de batalha estejam tornando Putin mais dependente de seu arsenal nuclear, e temem que novos contratempos possam aumentar sua disposição de puxar o gatilho nuclear.

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A agência de segurança se reporta a Jennifer M. Granholm, a secretária de Energia. No mês passado, ela falou ao Congresso sobre as precauções gerais para detecção de radiação na Ucrânia e disse que o objetivo da assistência dos EUA era “garantir que os ucranianos estejam seguros e não expostos”. Ela deu poucos detalhes, no entanto, dizendo que isso exigiria uma sessão fechada.

O Departamento de Energia e a agência de segurança dizem que estão gastando cerca de US$ 160 milhões (quase R$ 800 milhões) em precauções atômicas na Ucrânia este ano, com uma quantia semelhante solicitada para 2024.

Jeffrey T. Richelson, autor de Defusing Armageddon (Desarmando o Armagedom, na tradução livre), um livro de 2009 sobre a Equipe de Apoio a Emergências Nucleares, relatou que muitas vezes esteve com o Comando de Operações Especiais Conjuntas, uma unidade militar de elite tão secreta que o Pentágono por anos se recusou a reconhecer sua existência.

Especialistas dizem que a Ucrânia precisa de toda a ajuda possível porque sua infraestrutura nuclear é muito extensa e tem enfrentado ataques pesados da Rússia nos últimos 14 meses.

Logo após o início da invasão, as forças russas assumiram o controle da extinta usina nuclear de Chernobyl, que em 1986 sofreu um colapso que enviou nuvens radioativas sobre partes da Europa e deixou no local um terreno baldio de solo contaminado. As tropas russas desenterraram uma seção de terra próxima, aumentando os níveis de radiação na área, mas não o suficiente para colocar em risco os trabalhadores.

As forças russas também dispararam e capturaram a maior usina nuclear da Europa, Zaporizhia, um complexo de seis reatores. Um incêndio começou durante o ataque, mas os oficiais de segurança não detectaram radiação.

Um dos principais locais ucranianos para pesquisa nuclear em Kharkiv - o amplo Instituto de Física e Tecnologia - sofreu 100 ataques de projéteis e mísseis russos nos primeiros dias do conflito. As salvas danificaram uma instalação nuclear usada para a produção de isótopos médicos, mas os especialistas não encontraram vazamentos de radiação. O complexo geral perdeu energia por mais de um mês.

Em Kiev, projéteis russos atingiram o Instituto de Pesquisa Nuclear, iniciando um incêndio em um depósito. O pequeno reator do instituto não foi danificado e nenhum vazamento de radiação foi encontrado.

A outra infraestrutura atômica da Ucrânia inclui usinas de energia adicionais; locais de armazenamento de combustível nuclear irradiado; e instalações em todo o país, incluindo hospitais, que usam materiais radioativos para pesquisa e terapias médicas.

Em imagem de arquivo, participante da cerimônia para lembrar o 35º aniversário do desastre de Chernobyl homenageia bombeiros e trabalhadores que morreram após a explosão de um reator na usina  Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters - 26/4/2021

O Departamento de Energia, além da assistência do Nest, diz que está fornecendo apoio a agências parceiras na Ucrânia na medição da radiação aérea, modelagem de plumas atmosféricas de radiação, combate ao contrabando nuclear e tratamento de lesões por radiação.

Edwin Lyman, um especialista em energia nuclear da Union of Concerned Scientists que monitorou de perto a guerra na Ucrânia, disse que uma autoridade federal falou a ele sobre um possível cenário de ameaça de reator. Ele disse acreditar que a Rússia, se sofresse uma derrota humilhante e se retirasse da Ucrânia, poderia retaliar disparando contra um reator ou suas áreas de armazenamento de combustível irradiado para liberar alta radioatividade no meio ambiente.

“Esse é um dos maiores perigos”, disse Lyman. “Se eles quisessem tornar inabitável o máximo possível do campo, esses reatores poderiam se tornar alvos.” Ele ficou animado ao saber que o Nest e o Departamento de Energia estavam “sendo proativos e levando essas ameaças a sério”.

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