Onlyfans, Botox e mais: como deputado brasileiro nos EUA gastou ilegalmente dinheiro da campanha

George Santos desviou dinheiro de doadores durante anos, sustentando uma vida de luxo que afirmava ter, mesmo estando frequentemente endividado e com uma pontuação de crédito péssima

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Por Nicholas Fandos

THE NEW YORK TIMES - George Santos foi totalmente triunfante. Ele tinha acabado de conquistar uma cadeira no Congresso de Long Island, o que provavelmente ajudou a proporcionar aos republicanos uma maioria na Câmara. Era hora de uma maratona de compras pós-eleitoral.

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Em apenas alguns dias de novembro do ano passado, Santos, que é filho de brasileiros, gastou US$ 6 mil na loja de luxo Ferragamo, talvez parte deles nos tênis vermelhos de grife que mais tarde usou para caminhar pelos corredores de mármore do Congresso. Ele sacou US$ 800 em dinheiro em um cassino, onde um assessor disse que ele gostava de jogar roleta. Ele pagou o aluguel e sacou outros US$ 1.000 para gastar em um caixa eletrônico perto de seu apartamento no Queens.

Não teria sido nada para o tipo de financista rico que Santos afirmava ser durante a campanha. Mas aquilo tudo era um farsa. Tudo isso estava sendo financiado ilegalmente pela campanha de Santos para o Congresso, que lhe transferiu US$ 20 mil logo após o Dia de Ação de Graças, sem nunca informar os doadores da campanha ou a Comissão Eleitoral Federal.

Esses gastos foram apenas uma fração das dezenas de milhares de dólares ou mais que Santos desviou de doadores desconhecidos durante anos, sustentando o tipo de sonho de consumo brilhante que o filho de imigrantes de 35 anos nunca poderia ter se dado ao luxo, segundo a registros bancários anteriormente não divulgados e outros documentos financeiros divulgados por investigadores do Congresso dos Estados Unidos na quinta-feira, 16.

Entre as contas pagas pelos doadores de campanha: viagens aos cassinos de Atlantic City e dos Hamptons; compras na grife francesa Hermès; tratamentos cosméticos regulares rotulados como “Botox” nos registros internos da campanha; e até mesmo pequenas compras no OnlyFans, plataforma mais conhecida por permitir que criadores vendam fotos e vídeos explícitos aos assinantes.

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O relatório bipartidário do Comitê de Ética da Câmara dos Representantes foi ainda mais profundo, revelando novos detalhes e confirmando histórias antecipadas por jornais norte-americanos sobre um emaranhado de ficções biográficas, fraudes empresariais e esquemas de campanha bizarros que os procuradores federais também estão examinando.

Mas depois de meses de investigação, a conclusão do painel foi surpreendentemente simples: para Santos, tudo girava em torno do dinheiro.

Congressista considerou as descobertas um “relatório tendencioso” destinado a difamar ele e sua família. Foto: AP Photo/J. Scott Applewhite

“O deputado Santos procurou explorar de forma fraudulenta todos os aspectos da sua candidatura à Câmara para obter lucro financeiro pessoal”, escreveu o comitê num resumo das suas conclusões. “Ele roubou descaradamente sua campanha. Ele enganou os doadores fazendo-os fornecer o que eles pensavam ser contribuições para a sua campanha, mas na verdade eram pagamentos para seu benefício pessoal.”

O congressista considerou as descobertas um “relatório tendencioso” destinado a difamar ele e sua família. Mas enquanto a Câmara se preparava para votar novamente a sua expulsão nas próximas semanas, Santos disse pela primeira vez que não iria tentar a reeleição.

“Não vou ficar parado enquanto sou apedrejado por aqueles que também têm falhas”, escreveu ele no X , plataforma anteriormente conhecida como Twitter.

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Santos já enfrentava 23 acusações, incluindo de roubo de seus doadores e documentos de campanha falsificados. Mas o relatório de quinta-feira - incluindo centenas de páginas de textos, e-mails, registros financeiros e outros documentos nunca antes vistos - apresentou novos e vívidos detalhes da fraude que já dura há anos.

Descobriu-se que Santos parecia não ter bens reais quando decidiu concorrer ao Congresso como republicano em 2019. Os investigadores lutaram para reunir um quadro financeiro confiável, mas disseram que os registros mostravam apenas fluxos instáveis de renda de empreendimentos comerciais esporádicos.

Ele “estava frequentemente endividado, tinha uma pontuação de crédito péssima e dependia de uma carteira cada vez maior de cartões de crédito com juros altos para financiar seus hábitos de consumo de luxo”, escreveram. Suas campanhas ajudariam a mudar isso.

Santos relatou ter emprestado pessoalmente US$ 81.250 para sua primeira campanha. A maior parte desse dinheiro nunca foi real, mas depois de se pagar usando contribuições de campanha de doadores, ele obteve um lucro de US$ 27.700, descobriram os investigadores.

Ao mesmo tempo, Santos começou a usar diretamente sua conta de campanha – financiada por pequenos e grandes doadores que acreditavam estar apoiando um republicano no Congresso – como um fundo secreto pessoal.

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Os investigadores encontraram mais de US$ 40 mil em despesas da conta bancária da campanha que nunca foram comunicadas à Comissão Eleitoral Federal e parecem ter sido utilizadas para benefício pessoal de Santos, em violação da lei de financiamento de campanha.

Eles incluem US$ 1.500 em fevereiro de 2022 em uma empresa chamada MAX pets; tarifas menores da JetBlue, Home Depot, Hilton Hotéis, um escritório de atendimento de urgência e do Adventureland Amusement Park em Long Island; e mais de US$ 1.700 em dois cassinos de Atlantic City, Caesars e Harrah’s.

Os investigadores sinalizaram uma “estadia em hotel” em julho de 2022 por US$ 3.332,81 que apareceu nos arquivos da Comissão Eleitoral Federal de Santos. O problema era que o calendário do republicano mostrava que ele estava nos Hamptons na época, sem se envolver em nenhuma atividade de campanha conhecida.

Outros registros mostram que Santos cobrou da campanha taxas de táxi e hotel em Las Vegas no momento em que disse a assessores que estava lá em lua de mel.

O relatório documenta um esquema de enriquecimento pessoal ainda mais audacioso um ano depois, envolvendo uma empresa da Flórida chamada RedStone Strategies. Os procuradores federais já haviam delineado os detalhes básicos: dois doadores deram $25.000 cada à RedStone, acreditando que era um comitê externo criado para ajudar Santos; ao invés disso, ele embolsou o dinheiro.

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A preocupação do Santos com sua aparência evidentemente ia além das roupas. Os registros mostram que ele gastou US$ 1.500 no cartão de débito da campanha pouco antes da eleição de 2020 na Mirza Aesthetics. Nancy Marks, sua tesoureira de campanha, descreveu a despesa como “Botox” em uma planilha que ela compartilhou com o comitê, mas não a divulgou à Comissão Eleitoral Federal. E um ex-assessor disse aos investigadores que certa vez o Santos o levou para uma consulta de Botox “quando havia um evento de campanha próximo”.

Santos usou o cartão novamente no Virtual Skin Spa para outra aparente injeção em julho de 2022. E em fevereiro de 2021, a campanha fez um pagamento via PayPal de pouco mais de US$ 1.000 a “uma esteticista associada a um spa” no Vale do Hudson. O comitê disse que nenhuma das despesas cosméticas tinha um “nexo de campanha” conhecido.

Santos e seus advogados negam irregularidades financeiras. Eles tentaram repetidamente culpar Marks por qualquer irregularidade, embora o Comitê de Ética tenha afirmado que as evidências apontavam firmemente para a culpabilidade do próprio Santos.

Apesar da sua decisão de não procurar a reeleição, Santos ainda rejeita os apelos generalizados para a sua demissão imediata. Um motivo provável? Pela primeira vez na vida, Santos tem uma renda estável, um salário anual de US$ 174 mil na Câmara.

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