EUA ignoram Brasil e Turquia e anunciam acordo para sanções ao Irã

Apesar do pacto obtido pela diplomacia brasileira e turca para a troca de urânio iraniano por combustível, Washington e seus aliados, incluindo China e Rússia, devem apresentar na ONU um projeto com duras punições para forçar Teerã a frear seu programa

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Por Patrícia Campos Mello, CORRESPONDENTE e WASHINGTON

     Um dia depois de Brasil e Turquia celebrarem um acordo de troca de urânio com o Irã, os EUA apresentaram ontem um projeto de resolução no Conselho de Segurança da ONU que prevê sanções contra o Irã por causa de seu programa nuclear. A medida tem o apoio de todos os membros permanentes do CS - EUA, Grã-Bretanha, China, Rússia e França - que teriam poder de veto. A resolução é um golpe contra a diplomacia brasileira.

"Nós concordamos com uma proposta de fortes sanções, com cooperação da Rússia e da China", afirmou Hillary em audiência no Senado. "Embora reconheçamos os sinceros esforços do Brasil e da Turquia, o grupo mediador vai liderar a comunidade internacional na busca de uma resolução com sanções fortes."

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As sanções concentram-se na Guarda Revolucionária e têm como objetivo restringir atividades militares, financeiras e logísticas que teriam ligação com o programa nuclear (mais informações nesta página). A embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice, afirmou que a resolução dá "mais força" às sanções existentes contra o país - já foram aprovadas três rodadas de punições - e acrescenta medidas "duras" para pressionar o governo iraniano a provar que seu programa nuclear tem fins pacíficos e não visa a produzir armas. O governo americano espera votar as sanções no CS "o mais rápido possível, em questão de semanas".

Rússia e China, que têm um grande volume de comércio com o Irã e por isso resistiam às sanções, uniram-se aos EUA, ignorando o acordo anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Teerã. Mas os EUA tiveram de concordar com sanções menos rígidas, principalmente no que se refere a instituições financeiras e energia, para garantir o apoio de russos e chineses.

Pelo acordo mediado pelo Brasil, o Irã se compromete a enviar 1.200 quilos de seu urânio enriquecido a até 5% para o a Turquia, em troca de 120 quilos de urânio enriquecido a 20% - grau suficiente para produção de eletricidade.

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O ministro de Relações Exteriores Celso Amorim reagiu com irritação ao anúncio dos EUA e prometeu denunciar Washington e seus aliados ao Conselho de Segurança por defender sanções após a aceitação de uma proposta que eles mesmos apresentaram (mais informações na página A13). Em outubro, o grupo negociador oferecera ao Irã uma proposta parecida.

O porta-voz do Departamento de Estado, P. J. Crowley, disse que o acordo não resolvia o problema principal, que é o fato de o Irã ter declarado que continuaria a enriquecer urânio a 20%. "As declarações no fim de semana na verdade foram a gota d"água, o fato de o Irã dizer que, independentemente do acordo, continuaria a enriquecer urânio", disse Crowley. "Apreciamos esforços do Brasil e Turquia, mas a pergunta é: há substância nesse pedaço de papel?"

Segundo os EUA, Hillary ligou na segunda-feira à tarde para Amorim, escutou atentamente o relato dele e, depois, o informou sobre as sanções que seriam anunciadas ontem de manhã.

Silêncio. À noite, questionado pelo Estado ao fim de uma cerimônia em que foi homenageado, em Madri, Lula justificou seu silêncio em relação à questão: "Eu quero deixar maturar as notícias. Quero ver tudo o que sai para ver o que vai acontecer."

Na falta de Lula, o assessor especial para assuntos externos do Palácio do Planalto, Marco Aurélio Garcia, foi o porta-voz do governo em Madri. "Se os EUA optarem pelas sanções, eles vão se dar mal. Vão sofrer uma sanção moral e política. Cabe aos EUA decidirem se querem ou não um new deal com o Irã", disse, ainda antes do anúncio de Hillary

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Mais cedo, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, já havia expressado seu "reconhecimento e pleno apoio da França ao presidente Lula", mas fez ponderações sobre o acordo. "Ele deve ser acompanhado, logicamente, do fim do enriquecimento até 20%", dizia o texto. Nos bastidores da 6.ª Cúpula União Europeia-América Latina, Brasil e Turquia tentam obter a inclusão no grupo mediador. / COLABOROU ANDREI NETTO, DE MADRI

PONTOS-CHAVE

Eletricidade

Para o funcionamento de usinas elétricas nucleares, o porcentual de enriquecimento

é de 3% a 5% .A etapa é considerada a mais difícil e demorada

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Pesquisa científica

O urânio enriquecido a 20% é usado como combustível de reatores de pesquisas e para tratamentos médicos. Serve ainda como combustível para submarinos a propulsão nuclear

Armas nucleares

Enriquecido a cerca de 90%, o urânio é usado em bombas atômicas. Ele ainda pode ser transformado em plutônio, que substitui o urânio numa bomba

Estoque iraniano

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O Irã tem 2.300 kg de urânio enriquecido a 3,5%. O acordo prevê o envio de 1.200 kg para a Turquia, deixando 1.100 kg no país. Para uma bomba, são usados entre 1.000 e 1.700 kg

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