A declaração da formação da parceria no setor militar AUKUS (acrônimo em inglês para Austrália, Reino Unido e Estados Unidos), em 15 de setembro de 2021, seguido do anúncio por parte do governo australiano de romper o contrato com empresa francesa para a aquisição de submarinos diesel-elétricos não deveriam causar espanto.
Desde 2012, no governo Obama, com a estratégia do “Pivô para a Ásia”, as atenções norte americanas já indicavam a mudança na percepção da ascensão chinesa. Se nos anos 1990 e 2000 o clima era de cooperação, novos negócios e mudanças políticas, nos anos 2010 já era de competição. Desde o governo Trump, a China é vista como concorrente. Portanto, com as medidas tomadas pelo governo Biden, definitivamente, a China se torna uma inimiga, mesmo que não declarada.
Washington vem apoiando e criando estruturas políticas/militares na região Indo-Pacífico sem a participação chinesa há décadas. O exercício militar naval multilateral Milan vem sendo realizado desde 1995, inicialmente com Indonésia, Cingapura, Siri Lanka e Tailândia. Sua última edição, em 2018, contou com a participação de 17 marinhas, tanto do sudeste asiático, sul da Ásia, países africanos da costa do oceano Índico, península arábica e ainda Austrália e Nova Zelândia. E sem a China.
Outra iniciativa, que conta com participação direta americana, é o QUAD, sigla em inglês para Quadrilatral Security Dialogue, ou, Diálogo em Segurança Quadrilateral. Este grupo teve início após o exercício naval Malabar de 2007, que antes era somente entre Índia e Estados Unidos, e, naquele ano, teve a presença de Austrália, Japão e Cingapura. Foi uma iniciativa japonesa, que se manteve ao longo dos anos como um grupo não institucionalizado.
Contudo, na reunião em março deste ano, por iniciativa do presidente Biden, as ações do grupo estão se expandindo para outras áreas além da militar, como em meio ambiente e na área de tecnologia/cibersegurança. No comunicado final, novamente a China não é mencionada, mas a defesa da livre navegação no Mar do Sul da China com base nas leis internacionais, é direcionado a este país, que reivindica quase toda a região como território seu, construindo bases militares em pequenas ilhas artificiais.
Portanto, o que se percebe, é que definitivamente o governo americano busca não só conter os avanços chineses, como estruturar melhor seu arco de alianças com países no entorno da China. Mesmo que estas iniciativas custem certos distanciamentos de antigos aliados, como os europeus, e em particular, a França, cabe ressaltar que a nova dinâmica de equiparação militar está na Ásia, não mais na Europa.
Biden deve buscar estabelecer as linhas de contenção da China, não só em temas como Democracia e Direitos Humanos, mas de parcerias e alianças militares. Biden deve demonstrar que os Estados Unidos não estão sozinhos, e que estão dispostos a enfrentar os desafios chineses, principalmente no Mar do Sul da China.
*É professor de relações internacionais da ESPM, especialista em Segurança Internacional.
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