O governo do Haiti prorrogou na quinta-feira, 7, por um mês o estado de exceção na capital, Porto Príncipe, horas antes de os Estados Unidos pedirem “uma resposta global” para a violência dos grupos criminosos no país caribenho e, ao primeiro-ministro, uma “transição urgente”.
A crise no Haiti “tem proporções humanitárias que exigem uma resposta global, da mesma forma que a comunidade internacional responde em relação à Ucrânia ou à Faixa de Gaza”, afirmou no dia 7 o chefe da diplomacia americana para a América Latina, Brian Nichols. “Acelerar o envio de uma missão multinacional de apoio à segurança é crucial” para ajudar o país, onde grupos criminosos controlam extensas áreas, acrescentou.
Autoridades do Haiti prorrogaram o estado de exceção em todo o departamento do Oeste (que inclui Porto Príncipe), que será acompanhado até segunda-feira de um toque de recolher noturno. Ambas as medidas haviam vencido no dia 6.
Grupos criminosos controlam a maior parte da capital e as estradas para o restante do país, onde mantêm uma disputa violenta contra o governo do primeiro-ministro, Ariel Henry, cuja renúncia exigem. Seus ataques coordenados têm como alvo lugares estratégicos, como delegacias, o aeroporto internacional e várias prisões, de onde escaparam milhares de detentos.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, falou na quinta-feira com Henry, a quem pediu uma transição política urgente, informou Brian Nichols. Blinken falou com Henry sobre “a necessidade urgente de acelerar a transição para um governo mais amplo e inclusivo”.
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Porto paralisado
A operadora privada do porto da capital, o maior do país, anunciou na quinta-feira a suspensão de suas atividades devido “aos distúrbios recentes”. A Caribbean Port Services (CPS) disse que tomou esta decisão por causa “dos atos mal-intencionados de sabotagem e vandalismo sofridos”.
Na noite do dia 6, as gangues incendiaram uma nova instalação da polícia na capital, dessa vez em Bas-Peu-de-Chose, bairro de Porto Príncipe que é alvo frequente dos grupos armados, disse à AFP Lionel Lazarre, coordenador-geral do sindicato de policiais haitianos Synapoha. Os agentes tiveram tempo de deixar o prédio antes do ataque.
Sistema de saúde ‘à beira do colapso’
Devido à falta de segurança, o sistema de saúde haitiano “está perto do colapso”, alertou a ONU em um comunicado nesta quinta-feira.
“Muitas instalações sanitárias estão fechadas ou tiveram que reduzir drasticamente suas operações devido a uma preocupante escassez de medicamentos e à ausência de pessoal médico”, informou o Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha). Além de medicamentos, faltam sangue, equipamentos médicos e leitos para tratar ferimentos a bala, acrescentou o órgão da ONU.
O influente líder de gangue Jimmy Chérizier ameaçou na última terça-feira que, se o primeiro-ministro Henry não renunciar, o país se encaminhará para “uma guerra civil que levará ao genocídio”.
Henry, no poder desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021, deveria ter deixado o posto em fevereiro, mas selou um acordo com a oposição até que houvesse novas eleições. O premier não conseguiu retornar ao Haiti desde a sua viagem ao Quênia para negociar o envio de uma missão policial multinacional apoiada pela ONU.
Em um país onde não há eleições desde 2016, a posição de Henry é incerta. Os Estados Unidos pediram no dia 6 que o líder “acelere a transição para eleições livres e justas”, esclarecendo que não estava requisitando a sua renúncia.
Com a administração pública e as escolas fechadas, muitos moradores tentam fugir da violência com seus poucos pertences, enquanto outros se aventuram apenas para comprar o essencial.
“O povo haitiano foi abandonado à própria sorte”
A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos no Haiti (RNDDH) acusou o governo haitiano de não agir diante dos distúrbios. “Hoje, os fatos são claros: as autoridades governamentais renunciaram”, diz a associação em relatório com data de ontem. “O povo haitiano foi abandonado à própria sorte”, acrescenta, lamentando a ausência de policiais nas ruas.
O Conselho de Segurança da ONU concordou em outubro com o envio de uma missão internacional de segurança liderada pelo Quênia, que prometeu contribuir com 1.000 agentes, mas seu início foi adiado pelo sistema judicial queniano e pela falta de financiamento.
Nesta quinta-feira, a ONG Médicos Sem Fronteiras publicou um estudo sobre a mortalidade no Haiti ao longo de 10 anos, que “revela níveis extremos de violência sofridos pelos residentes da favela de Cité Soleil em Porto Príncipe”.
Nessa área, quase 41% das mortes estão relacionadas à violência e a taxa bruta de mortalidade é de 0,63 óbito por cada 10.000 pessoas por dia, aponta o relatório. Níveis semelhantes aos registrados em 2017 nos campos de Raqqa, a cidade síria que foi bastião do grupo Estado Islâmico.
A ONG anunciou na quarta que reforçaria sua presença em Porto Príncipe para atender a um maior número de feridos./AFP
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