WASHINGTON - Os Estados Unidos suspenderam a cooperação com o México no combate aos cartéis de drogas, de acordo com duas fontes ouvidas na terça-feira, 30, pela agência Reuters. A colaboração está interrompida desde janeiro, após um aumento da tensão entre os governos dos dois países vizinhos.
Até recentemente, americanos e mexicanos compartilhavam inteligência em casos importantes – embora de maneira cautelosa. No entanto, em dezembro, o México aprovou uma lei exigindo que os EUA relatem ao governo mexicano os passos de seus agentes e contatos que trabalham no país. Os americanos, porém, relutam em dividir informações com autoridades que consideram corruptas.
A nova lei levou os investigadores de ambos os lados a suspender a cooperação, temerosos de que as novas regras pudessem comprometer os casos ou colocar em risco a vida de informantes e de funcionários mexicanos que trabalham com os americanos.
As operações de combate ao narcotráfico, incluindo batidas em laboratórios mexicanos clandestinos, foram praticamente encerradas e agora os investigadores americanos enfrentam sérias dificuldades para rastrear o fluxo de cocaína que sai da Venezuela e da Colômbia com destino aos EUA.
Alguns agentes da DEA (agência antidrogas dos EUA), que trabalham no México, se queixam de estarem sendo seguidos pela polícia mexicana, levantando questões sobre sua segurança. Além disso, dezenas de funcionários do governo americano não conseguem mais vistos para trabalhar no México.
“A maioria dos casos mais importantes está paralisada”, disse um agente dos EUA. “Se tivermos de relatar nossas fontes ao Ministério das Relações Exteriores do México, isso prejudicará nossas operações. O sistema está configurado agora para que a polícia mexicana não possa nos ajudar.”
Um alto funcionário militar mexicano disse que seu país praticamente não se envolveu mais em operações antidrogas com os EUA desde que a nova lei foi aprovada. “Sem o apoio dos EUA, em tecnologia e inteligência, será mais difícil conter o crime”, afirmou o mexicano.
A Secretaria de Segurança Pública do México, o Ministério das Relações Exteriores e a Marinha não responderam aos pedidos de entrevista. A nova lei foi aprovada depois que a polícia americana prendeu o ex-ministro da Defesa mexicano Salvador Cienfuegos, acusado de ajudar os cartéis a contrabandear heroína, cocaína e metanfetamina para os EUA.
A reação no México foi furiosa. Autoridades consideraram uma quebra de confiança dos EUA por investigar Cienfuegos sem informar ninguém no governo mexicano. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, só soube do caso após a prisão. Não demorou muito para Cienfuegos ser libertado, demonstrando que a relação dos EUA com o México era mais importante – e a aposta de que devolvê-lo encerraria o caso, o que não ocorreu.
Os americanos consideram a parceria com os mexicanos essencial para reprimir o tráfico de drogas para os EUA. Por sua vez, autoridades mexicanas precisam da ajuda americana para conter o fluxo de 200 mil armas contrabandeadas anualmente para o México.
O governo do presidente Joe Biden enfrenta ainda uma crise migratória na fronteira e as mortes por overdose de drogas – um péssimo momento para ter uma relação ruim com o país vizinho. “Os grandes vencedores são os cartéis”, disse Timothy Shea, ex-diretor da DEA. “É exatamente o que eles queriam para expandir seu alcance e contrabandear mais drogas.”
Ricardo Marquez, oficial de segurança nacional do México no governo do ex-presidente Enrique Peña Nieto, disse que a nova lei limita a cooperação porque aumenta o risco de vazamento de informações sobre operações contra traficantes. “Você não sabe em quem confiar”, disse Mark Morgan, ex-chefe da Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) dos EUA.
“Com a nova lei, os policiais mexicanos temem retaliação tanto de seus supervisores quanto dos cartéis”, disse Vanda Felbab-Brown, pesquisadora do Brookings Institution. “Mesmo aquelas fontes mais leais não sentem confiança para se envolver com os americanos agora. É perigoso demais.” / REUTERS
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.