Negociadores americanos estão planejando apresentar aos seus colegas russos propostas para discutir posicionamentos de mísseis e amplitudes de exercícios militares na Europa nas negociações desta segunda-feira, de acordo com fontes cientes dos planos. A Casa Branca busca testar Moscou, para aferir se os russos falam sério a respeito de sua intenção de pôr fim à crise da Ucrânia por meio de diplomacia ou fazem exigências impraticáveis como tática de procrastinação ou pretexto para uma nova invasão.
As negociações bilaterais em Genebra — com a vice-secretária de Estado americana, Wendy Sherman, liderando a delegação dos Estados Unidos e o vice-ministro russo de Relações Exteriores, Sergei Riabkov, representando a Rússia — ocorrem num momento em que Moscou continua a concentrar tropas e equipamentos de guerra na fronteira com a Ucrânia, ameaçando adotar ações militares se Washington e seus aliados fracassarem em atender às preocupações de segurança do Kremlin.
As negociações em Genebra serão seguidas de uma cúpula especial do Conselho Otan-Rússia, em Bruxelas, na quarta-feira, e uma sessão da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, em Viena, na quinta-feira — chances para os EUA, ao lado de seus aliados e parceiros, enfrentarem a Rússia.
“Nossa intenção é manter um diálogo aberto, sincero e sério a respeito da segurança da Europa, com os russos na mesa de negociação. Queremos ser inclusivos. Não queremos passar por cima de ninguém”, afirmou em entrevista o embaixador americano na OSCE, Michael Carpenter. “Queremos que eles possam colocar todas as suas preocupações sobre a mesa. Mas nos reservamos o direito de colocar todas as nossas preocupações sobre a mesa.”
Os encontros multilaterais na Otan e na OSCE são prioridade para a Casa Branca, que tem garantido regularmente aos seus aliados e parceiros europeus, incluindo a Ucrânia, que não negociará “sobre eles sem eles”. Mas as negociações em Genebra carregam a expectativa de serem mais substantivas e serão assistidas de perto, como um indicador a respeito da possibilidade de haver ou não um acordo diplomático a ser alcançado para evitar uma nova guerra na Europa.
“Da maneira que os russos veem, apenas um ambiente lhes interessa, o bilateral”, afirmou uma autoridade do governo americano especializada em relações com a Rússia que, como outras fontes consultadas pela reportagem, falou sob condição de anonimato por causa da sensibilidade do tema. “O resto, do ponto de vista deles, é decoração.”
Autoridades americanas não estão certas se o presidente russo, Vladimir Putin, acredita que este é o momento certo de invadir a Ucrânia novamente e tentar colocar o país de volta sob a esfera russa de influência por meio da força, ou se, ao ameaçar a Ucrânia, ele está se valendo de um estratagema mais nebuloso para arrancar concessões de segurança dos EUA e seus aliados.
Em Genebra, autoridades americanas verão se seus colegas russos enfatizarão exigências que o Kremlin sabe ser inexequíveis — como garantias vinculantes de que a Otan não se expandirá ao leste para incluir a Ucrânia — ou, em vez disso, colocarão o foco em assuntos como mísseis, no qual há espaço para negociação.
“Se os russos aparecerem na segunda-feira querendo falar apenas da expansão da Otan, a negociação chegará a um impasse. Acho que os americanos estão preparados para reagir — afirmando que isso não está em discussão”, afirmou Andrea Kendall-Taylor, especialista em Rússia do Centro para uma Nova Segurança Americana. “Mas se os russos quiserem discutir de assuntos convencionais de controle de armas, então haverá negociação — e isso poderia indicar um prospecto de uma possível solução diplomática para a crise."
Anteriormente às negociações, graduadas autoridades americanas intensificaram a retórica a respeito da ameaça que a Rússia está representando para Europa e EUA.
Na sexta-feira, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, listou os descontentamentos de Washington em relação a Moscou, incluindo invasões da Rússia a dois países vizinhos, interferência em eleições e tentativas de assassinato com armas químicas, acusando o Kremlin de conduzir “a falsa narrativa de que a Otan está ameaçando a Rússia”.
“É como se a raposa estivesse dizendo que tem de atacar o galinheiro porque as galinhas, de alguma maneira, representam uma ameaça”, afirmou Blinken. “Já ouvimos essa conversa antes.”
Pretexto para invasão
No mês passado, o ministério russo de Relações Exteriores publicou um rascunho das pretensões da Rússia em relação aos EUA e à Otan. Partes do conteúdo eram tão irrealistas que muitos legisladores ocidentais consideraram que os russos não estão falando sério. Entre outras coisas, a Rússia exigiu que os EUA e seus aliados da Europa Ocidental concordem em não instalar armamentos nem estacionar tropas em nenhum dos países do antigo Pacto de Varsóvia que se tornaram membros da Otan.
Os rascunhos levantaram preocupações de que Putin esteja buscando criar um pretexto para uma nova invasão da Ucrânia, uma vez que as propostas sejam inevitavelmente rejeitadas. O que os russos estão dispostos a aceitar em troca dessas exigências não está claro para os negociadores americanos.
A autoridade do governo dos EUA especializada em Rússia acredita que os russos ainda estão interessados num diálogo verdadeiro e querem ver se Washington está disposto a discutir algum tipo de acordo que restrinja o poder dos EUA, que, por exemplo, em relação a determinar a instalação de mísseis em regiões da Europa de onde os armamentos seriam capazes de ameaçar Moscou.
“Os russos estão esperando para ver o que nós vamos lhes oferecer — e vão considerar e decidir? Isso é sério?”, afirmou a fonte. “Trataria-se de algo que podemos divulgar como uma grande vitória para a segurança? Ou, do ponto de vista deles, isso não passa de mais uma tentativa de nos engambelar sem nos dar nada em troca?”
Autoridades americanas afirmaram também que procederão segundo o “princípio da reciprocidade” e não firmarão acordos a não ser que os russos atendam às preocupações dos EUA.
“Da perspectiva americana, a desescalada da situação em torno da Ucrânia é claramente uma prioridade”, afirmou Carpenter.
Enquanto concentrava tropas na fronteira ucraniana, Putin acusou o Ocidente de “levar mísseis à porta de nossa casa” e levantou a possibilidade de mísseis americanos estarem sendo instalados na Ucrânia. Ambos os rascunhos de tratados que a Rússia publicou propuseram limites a mísseis de médio e curto alcance.
Putin também afirmou que exercícios militares nas proximidades da Rússia desafiaram limites de Moscou. Os EUA intensificaram significativamente seus exercícios militares na região, incluindo com sobrevoos de aeronaves capazes de ser carregadas com bombas nucleares sobre a Ucrânia e o Mar Negro. O escopo desses exercícios é algo que o governo Biden está disposto a negociar com os russos, de acordo com uma autoridade ciente dos planos.
O tópico adquiriu uma urgência intensificada pelo ex-presidente Donald Trump que, citando violações russas, retirou os EUA do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, de 1987, que bania mísseis terra-ar de médio alcance. Putin propôs uma moratória a respeito desse tipo de armamento em substituição, mas a Otan rejeitou a proposta qualificando-a como cínica, afirmando que os russos violaram o banimento em primeiro lugar.
Em seu telefonema com Putin no mês passado, Biden sublinhou que os EUA não têm intenção de instalar armas ofensivas de ataque na Ucrânia, de acordo com uma transcrição do Kremlin da chamada.
Aliados divididos
Os aliados dos americanos estão divididos a respeito da melhor maneira de lidar com a Rússia. O Reino Unido e os membros da Otan que compõem o flanco oriental da aliança, incluindo os países bálticos e a Polônia, querem que os EUA adotem uma posição dura em Genebra e ofereçam poucas concessões, ou nenhuma, no primeiro momento.
“O desafio com os russos é que se você oferece qualquer coisa, eles sempre querem mais. Mesmo algo relativamente modesto, como instalação de mísseis, arrisca mudar a trajetória das negociações”, afirmou uma autoridade europeia.
Outras grandes potências europeias, como França, Alemanha e Itália, querem que os EUA priorizem a desescalada da situação na Ucrânia, temendo que uma negativa uniforme às propostas do Kremlin poderia servir como pretexto para a Rússia invadir.
As negociações em Genebra são as que inspiram o maior nível de ansiedade entre as três cúpulas, enquanto aliados dos EUA em ambos os lados desse espectro pressionam Washington por seus objetivos.
O Conselho Otan-Rússia, uma cúpula em formato ampliado, que permite a inclusão de representantes de Moscou e a participação dos 30 países da aliança na discussão, carrega a expectativa de uma dinâmica muito diferente. A Rússia deverá ser criticada duramente pelos aliados dos EUA na reunião, a respeito da Ucrânia e de outros assuntos.
Depois de invadir a vizinha Geórgia em 2008, o Kremlin também exigiu um novo acordo de segurança vinculante com os europeus, que levou a negociações no âmbito da OSCE que ficaram conhecidas como processo de Corfu e a uma cúpula em Astana, em 2010. Mas os esforços em alcançar algum acordo significativo fracassaram. Membros da OSCE agora discutem a possibilidade de novas negociações.
“O que estamos fazendo discretamente nos bastidores é conversar com todos os atores, incluindo os russos, os países aliados e os não alinhados, a respeito de qual seria o melhor formato para manter um diálogo sério, significativo e orientado a resultados relevantes sobre a segurança europeia”, afirmou Carpenter. “Essas discussões estão em andamento.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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